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A intimidação de pesquisadores: um apelo por proteção institucional significativa

Por Vincent Denault
Publicado no University Affairs (EN) e ACFAS (FR)

Tradução de Henrique Britto

A hostilidade nas redes sociais tem sido um tópico frequente nos últimos meses. Uma variedade de figuras públicas se pronunciou sobre o recebimento de insultos, comentários depreciativos e até ameaças. Entretanto esse problema não é único para personalidades da mídia, cultura e política. Pelo fato de desafiarem a sabedoria popular com o conhecimento científico, pesquisadores também estão sujeitos a tentativas de intimidação.  Apesar de não ser um fenômeno novo e alguns deles terem reportado suas experiências publicamente, a intimidação direcionada a pesquisadores aparenta ser pouco conhecida (mesmo por pessoas e organizações interessadas) até que eles mesmo sejam alvos. Foi assim que descobri por mim mesmo.

Pseudociência e o sistema de Justiça

Em 2015, eu estava completando o meu mestrado em Direito. O foco da minha dissertação foi o impacto da comunicação não-verbal nos tribunais. Juízes podem ser influenciados por uma miríade de fatores ao avaliarem depoimentos de testemunhas. Um deles é a sabedoria popular sobre a natureza humana. Por exemplo, nervosismo e hesitação são frequentemente associados com mentiras, quando na verdade tanto as testemunhas que mentem quanto as que dizem a verdade podem estar nervosas e hesitantes. Em outras palavras, por causa da sabedoria popular, testemunhas honestas podem ser percebidas como desonestas. Já que os resultados de diversos julgamentos (como os criminais) se apoiam na credibilidade de testemunhas, esse problema não é trivial.

Além de discutir a sabedoria popular na minha dissertação, eu também discuto o problema dos treinamentos para “decodificar” o comportamento não-verbal. Nos últimos anos esses treinamentos ganharam popularidade entre profissionais da lei em Quebec, incluindo policiais, advogados e juízes. Por exemplo, falar sobre o passado enquanto se olha para a direita, comprimir os lábios, coçar o pescoço e segurar a mão direita com a mão esquerda são sinais associados com a mentira. Entretanto, há mais de uma década, pesquisas demonstram claramente que tais interpretações não são só infundadas, como também são perigosas.

Em contextos policiais, estas interpretações podem resultar em interrogatórios coercivos e falsas confissões. Apesar disso, grandes organizações abriram suas portas para os treinamentos que “decodificam” o comportamento não verbal. Antes do meu mestrado (quando eu tinha pouco conhecimento da literatura científica), eu participei de vários desses cursos, pagando milhares de dólares para obter “diplomas” e só depois percebi gradualmente que eu fui seduzido pela pseudociência, da mesma forma que policiais, advogados e juízes em Quebec.

Pagando o preço por defender a ciência

Durante o mestrado eu permaneci quieto, notadamente porque os treinamentos em comportamento não-verbal tiveram muitos apoiadores em vários países e era uma verdadeira indústria. Eu estava com medo de represálias. Porém, enquanto estava terminando minha dissertação, eu critiquei esses treinamentos numa entrevista para um jornal de língua francesa. Subsequentemente, dei outras entrevistas. Já que os meus comentários eram baseados nos argumentos da minha dissertação, eu esperava que quaisquer respostas seriam, pelo menos, respostas aos argumentos da mesma, consequentemente sendo embasadas por evidências.  Eu estava errado.

Assim que minha primeira entrevista foi publicada, ao invés de responderem aos argumentos da minha dissertação, um pequeno e influente número de apoiadores desses treinamentos buscou me desacreditar com o fervor de um culto (inclusive em redes sociais). Foi então que abandonei o Twitter, Facebook e YouTube. Depois disso, insultos e comentários depreciativos sobre mim foram publicados. De acordo com alguns deles, eu era detestável, ingrato e invejoso. Também fui chamado de fraude, mentiroso e manipulador. E supostamente meus amigos iriam me abandonar quando descobrirem isso.

As tentativas de intimidação foram além do espaço virtual: um colega meu que também se manifestou sobre o assunto foi alvo de tentativas de intimidação e de ameaças verbais. Uma carta foi enviada para o instituto de pesquisa onde tínhamos um projeto em conjunto e também para a universidade onde eu estava estudando tentando nos desacreditar. Seis anos depois, a intimidação continua. Recentemente, pesquisadores com quem trabalhei receberam um e-mail que tentava intimidá-los e me desacreditar.

As instituições também devem se posicionar

Quando a sabedoria popular é desafiada e o conhecimento científico é disseminado, o público geral pode tomar uma posição informada em vários assuntos em vez de se apoiar na autoridade de indivíduos que só são experts porque se intitulam assim. Mas quando pesquisadores e comunicadores da ciência falam, estão se expondo a hostilidades e podem colocar sua saúde mental, física e social em risco. Minha experiência não é única, mas poderia ser pior: ameaças de morte, “doxxing” (compartilhar informações pessoais de contato de alguém), pacotes suspeitos, notificações formais, processos, ligações anônimas, mensagens vulgares e hostis, termos xenofóbicos e misóginos e assédio dos pesquisadores e de suas famílias. Isso foi o que outros tiveram que enfrentar.

Que tipo de apoio institucional é necessário aqui? Sem o suporte necessário, como podemos esperar que pesquisadores com agendas cheias, estudantes de doutorado e pós-doutorado e com futuro incerto se mantenham sozinhos defendendo os resultados de pesquisas se eles estão constantemente preocupados com a possibilidade de seus opressores cumprirem as ameaças? O ministro da educação superior de Quebec indicou recentemente uma bancada de especialistas na importância da liberdade acadêmica. Isso representa uma oportunidade valiosa para discutir o assunto do apoio institucional para pesquisadores que enfrentam ataques de indivíduos e organizações que rejeitam o estado da ciência.

Promessas durante entrevistas de televisão e homenagens em cerimônias de prêmios não são o suficiente para proteger a saúde mental, física e social de pesquisadores que se manifestam para o bem da população.


Vincent Denault é um pesquisador de pós-doutorado no departamento de psicologia educacional e do aconselhamento na McGill University. Ele possui um doutorado em comunicação pela Université de Montréal. Sua pesquisa se concentra em questões relacionadas ao depoimento de testemunhas, avaliação de credibilidade, detecção de mentiras e comportamento não-verbal em tribunais. Vincent Denault é cofundador e codiretor do Centro de Estudos em Ciências da Comunicação Não-verbal do Centro de Pesquisa do Montreal Mental University Institute. Ele recebeu vários subsídios e prêmios, incluindo o primeiro Emerging Scholar Award (2016) da Divisão Não-verbal da National Communication Association. Além de seu trabalho na academia, Vincent Denault é advogado e legista que investiga mortes ocorridas em decorrência de negligência ou em circunstâncias obscuras ou violentas. Para mais informações: https://vincentdenault.ca/


Referências

  • Federal Bureau of Investigation (FBI), Interrogation: A Review of the Science: High-Value Detainee Interrogation Group, 2016.
  • Vicent D. et al., The analysis of nonverbal communication: The dangers of pseudoscience in security and justice contexts, Anuario de Psicología Jurídica 2020.
  • Tim Brennen and Svein Magnussen, Research on Non-verbal Signs of Lies and Deceit: A Blind Alley, Frontiers in Psychology; 2020.
  • Aldert Vrij, Maria Hartwig and Pär Anders Granhag, Reading Lies: NonVerbal Communication adn Deception. Annual Review of Psychology 2019; v70:295–317.
  • Louise Marie Jupe and Vicent Denault. Science or Pseudosciende? A distinction that matters for police officers, lawyers and judges. Psychiatry, Psychology and Law. 219;26(5):753–765.
  • Vicent Denault, Misconceptions About NonVerbal Cues to Deception: A Covert Threat to the Justice System? Frontiers in Psychology 2020; v11.
Daniel Moura

Daniel Moura

Bioinformata no VarStation/ Hospital Israelita Albert Einstein. Mestre pelo Programa International Master of Science in Agro- and Environmental Nematology na Universidade de Ghent, Bélgica. Graduado em Bacharelado de Ciências Biológicas / Ciências Ambientais da Universidade Federal de Pernambuco, Brasil e pela Universidade Eötvös Loránd, Húngria. Atua na área de Zoologia, Ecologia, Fisiologia Comparada, Biologia Forense e Biologia computacional. Contato: dmouraslv@gmail.com