Por Maria Popova
Publicado no Brain Pickings
“Quando sinto uma terrível necessidade de religião, saio à noite para pintar as estrelas.”
— vincent van gogh
Em 1889, Vincent van Gogh (30 de março de 1853 a 29 de julho de 1890) pintou sua obra-prima icônica “A Noite Estrelada”, uma das mais reconhecidas e reproduzidas imagens na história da arte. No auge de sua luta ao longo da vida com a doença mental, ele criou a lendária pintura enquanto permanecia no manicômio em que voluntariamente se internara depois de mutilar a própria orelha. Mas, mais do que uma obra de arte, a pintura de Van Gogh revela pistas surpreendentes para entender alguns dos trabalhos mais misteriosos da ciência.
Esta curta animação fascinante de TED-Ed escrita por Natalya St. Clair, autora do livro “A Arte do Cálculo Mental”, explora como “A Noite Estrelada” lança luz sobre o conceito de fluxo turbulento na dinâmica de fluidos, uma das ideias mais complexas para explicar matematicamente e um dos mais difíceis conceitos de entender pela mente humana. Do por que a percepção do cérebro de luz e movimento nos faz ver os trabalhos impressionistas tremerem, como a teoria de um matemático russo explica a mancha vermelha brilhante de Júpiter, até o que o Telescópio Espacial Hubble tem a ver com os episódios psicóticos de Van Gogh. O vídeo une arte, ciência e saúde mental através da interação surpreendente entre turbulência física e psíquica.
Van Gogh e outros impressionistas representaram a luz de uma maneira diferente de seus antecessores, dando a sensação de captar o seu movimento, por exemplo, pelos reflexos do Sol na água, ou na luz das estrelas que cintila e se atenua através das ondas leitosas do céu azul da noite. O efeito é provocado pela luminância, a intensidade da luz nas cores sobre a tela.
A parte mais primitiva do nosso córtex visual, que vê o contraste da luz e movimento, mas não as cores, mistura duas áreas com cores diferentes se tiverem a mesma luminância. Mas a subdivisão primata do nosso cérebro vê as cores contrastantes sem mistura. Com estas duas interpretações acontecendo simultaneamente, a luz em muitas obras impressionistas parece pulsar, cintilar e radiar de forma estranha. É por isso que esta e outras obras impressionistas usavam pinceladas fortes e rápidas para captar algo espantosamente real sobre a forma como a luz se move.
Sessenta anos depois, o matemático russo Andrey Kolmogorov aprofundou a nossa compreensão matemática da turbulência quando propôs que a energia, num fluido turbulento, a um comprimento R, varia na proporção de R elevado à potência de 5/3. Medições experimentais mostraram que Kolmogorov chegou bem perto do comportamento real do fluxo turbulento, embora a descrição completa da turbulência continue a ser um dos problemas insolúveis da física.
Um fluxo turbulento é autossemelhante se houver uma cascata de energia. Isto é, os grandes turbilhões transferem a sua energia para os turbilhões menores, que fazem o mesmo, em outras escalas. Como exemplo, temos a grande mancha vermelha de Júpiter, as formações de nuvens e as partículas de poeira interestelar.
Em 2004, usando o Telescópio Espacial Hubble, cientistas viram os turbilhões de uma distante nuvem de poeira e gás em volta de uma estrela, que lhes fez lembrar “A Noite Estrelada” de Van Gogh. Isso motivou cientistas do México, da Espanha e da Inglaterra a estudarem detalhadamente a luminância das pinturas de Van Gogh. Descobriram que há um padrão distinto de estruturas de fluidos turbulentos próximo da equação de Kolmogorov, oculto em muitas pinturas de Van Gogh.
Os pesquisadores digitalizaram as pinturas e mediram como a luminosidade varia entre quaisquer dois pixels. A partir das curvas medidas para as separações de pixels, concluíram que as pinturas do período de agitação psicótica de Van Gogh comportam-se espantosamente de modo semelhante à turbulência de fluidos. O autorretrato com um cachimbo de uma época mais calma de sua vida, não mostra sinais desta correspondência. O mesmo acontece com obras de outras artistas que, à primeira vista, pareciam igualmente turbulentas, como “O Grito”, de Edvard Munch.
Embora seja fácil dizer que o gênio turbulento de Van Gogh lhe permitiu representar a turbulência, também é muito difícil exprimir com rigor a extrema beleza do fato de que, num período de intenso sofrimento, Van Gogh fosse de certo modo capaz de perceber e representar um dos conceitos extraordinariamente mais difíceis que a natureza apresentou à humanidade, e unir, na sua inigualável imaginação, os mistérios mais profundos do movimento, do fluido e da luz.