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“A morte é a vitória da entropia”

Esta é uma frase relativamente famosa dentro do campo das ciências da vida. À primeira vista parece uma declaração forte, até meio surreal. Um tanto abstrata, talvez. Mas por que ela na realidade faz tanto sentido?

Pegue um animal ou uma planta qualquer e isole-o em um local fechado, onde não receba radiação solar ou alimento e não haja possibilidade de trocas gasosas entre o ambiente interno e o externo. Nota-se que em um curto espaço de tempo ele perecerá. Parece uma afirmação óbvia: todos sabem que os seres vivos precisam desses fatores para sobreviver. Eles se nutrem de energia química, armazenada nas ligações entre átomos e moléculas das substâncias que ingerem e absorvem. As plantas, mais ainda, necessitam na energia solar, eletromagnética. Os organismos desenvolveram métodos para extrair a energia necessária desses componentes a partir de reações em seus próprios corpos e transformá-la em outros constituintes essenciais para sua existência em vida. Quebram moléculas em via de produzir outras. Ao primeiro processo chama-se catabolismo; ao segundo, de anabolismo. A vida persiste quando o segundo é mais expressivo do que o primeiro – quando se constrói mais do que se destrói.

A necessidade dessas transformações e trocas constantes de energia e matéria com o meio dá-se pelo fato de que, fosse um sistema isolado, as estruturas altamente organizadas dos organismos que permitem seu correto funcionamento tenderiam a perder essa conformação – a entropia tenderia a aumentar. A temperatura e pH equilibrados dos corpos são essenciais para o arranjo correto das biomoléculas e dos sistemas vivos que dependem delas. Tais condições físicas são mantidas por um delicado sistema dependente de energia externa agindo em meio interno: a homeostase.

Um exemplo básico de tal fenômeno são as relações ecológicas: os organismos produtores utilizam componentes químicos presentes em moléculas inorgânicas da atmosfera e do solo, como o dióxido de carbono e os nitratos, para formar moléculas orgânicas, como carboidratos e proteínas. Animais, ao consumirem-nas, utilizam sua energia para seus processos metabólicos, dispersando parte dela em forma de calor, e re-transformando uma parcela em excretas ou gases inorgânicos eliminados pela expiração. A cada nível trófico – “posição” relativa do ser vivo em uma cadeia alimentar – a energia inicial obtida pelo produtor se dispersa: as reações metabólicas são geralmente exoenergéticas, com baixo índice de rendimento. Isto explica porque não é possível ter uma cadeia alimentar muito longa, e a necessidade de constante reposição de energia externa nos ciclos de matéria, de forma que seja possível realizar os processos que mantêm os componentes biológicos em seu funcionamento correto e específico.

Outro bom exemplo do caso são as proteínas: é possível notar que existem pouquíssimos arranjos, até mesmo um único, que permite que elas deem forma a estruturas organizadas. É vital que sua conformação tridimensional esteja de um modo específico, e para isso sua estrutura primária – a sequência dos resíduos de aminoácidos, cada qual com determinadas propriedades químicas que influenciam no correto dobramento do polímero – deve ser de um determinado jeito. A alteração de um único aminoácido muda isso de forma que seu funcionamento é posto em risco – caso da anemia falciforme, causada pela troca de um único nucleotídeo na sequência genética. Enquanto isto, existem incontáveis maneiras dessa proteína estar alterada, o que pode variar desde a sua estrutura primária, as condições físicas do ambiente e a composição química do meio em que ela foi posta. Assim, existe um pequeno número de microestados moleculares compatíveis com um certo macroestado – o de funcionamento geral de um biossistema. Em outras palavras: “há um jeito de se estar saudável, e inúmeras formas de não se estar”. A saúde, então, é um sistema considerado ordenado. A falta dela implica em maior desordenamento. A morte é, enfim, um estado mais extremo de desorganização, quando a energia altamente concentrada de um sistema biológico se dispersou de modo tão grande em arranjos desordenados que não é mais possível recuperar o macroestado representativo da condição de saúde.

Referências

  • ODUM, E.P. Fundamentos da ecologia. (Fundamentals of ecology, 1953). C.M.Baeta Neves (Trad.). 2 ed. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1976. 595 p.
  • ODUM, E.P. Ecologia. (Basic ecology, 1983). Christopher J. Tribe (Trad.). Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 1988. 434 p.
Fernanda Lima

Fernanda Lima

Sou estudante de ciências biológicas da Universidade de Brasília e aluna de iniciação científica do Laboratório de Neurociências e Comportamento da mesma universidade, atuando na área de neuropsicofarmacologia com foco em dependência, aprendizado e modelos animais. Além da neurociência, algumas áreas de meu interesse dentro da biologia são: microbiologia, imunologia, biologia estrutural e tecidual, fisiologia animal, ecologia e evolução.