Traduzido por Julio Batista
Original de Matt Williams para o Universe Today
Em 1916, Karl Schwarzchild teorizou a existência de buracos negros como uma resolução para as equações de campo de Einstein para sua Teoria da Relatividade Geral.
Em meados do século 20, os astrônomos começaram a detectar buracos negros pela primeira vez usando métodos indiretos, que consistiam em observar seus efeitos nos objetos circundantes e no espaço.
Desde a década de 1980, os cientistas estudam os buracos negros supermassivos, que residem no centro da maioria das galáxias massivas do Universo. E em abril de 2019, a colaboração do Telescópio do Horizonte de Eventos (EHT) divulgou a primeira imagem já tirada de um buraco negro supermassivo.
Essas observações são uma oportunidade para testar as leis da física sob as condições mais extremas e oferecer novas perspectivas sobre as forças que moldaram o Universo.
De acordo com um estudo recente, uma equipe de pesquisa internacional contou com dados do Observatório Gaia da ESA para observar uma estrela parecida com o Sol com características orbitais estranhas. Devido à natureza de sua órbita, a equipe concluiu que deve ser parte de um sistema binário de buraco negro.
Isso o torna o buraco negro mais próximo do nosso Sistema Solar e implica a existência de uma população considerável de buracos negros adormecidos em nossa galáxia.
A pesquisa foi liderada por Kareem El-Badry, astrofísico da Harvard Society Fellow do Centro de Astrofísica Harvard-Smithsonian (CfA) e do Instituto de Astronomia Max Planck (MPIA).
Ele foi acompanhado por pesquisadores do CfA, MPIA, Caltech, UC Berkeley, Centro de Astrofísica Computacional do Instituto Flatiron (CCA), Instituto Weizmann de Ciências, Observatório de Paris, Instituto Kavli de Astrofísica e Pesquisa Espacial do MIT e várias universidades.
O paper que descreve suas descobertas será publicado no Monthly Notices of the Royal Astronomical Society.
Como El-Badry explicou ao Universe Today por e-mail, essas observações faziam parte de uma campanha mais ampla para identificar buracos negros adormecidos companheiros de estrelas normais na Via Láctea.
“Eu tenho procurado por buracos negros adormecidos nos últimos quatro anos usando uma ampla gama de conjuntos de dados e métodos”, disse ele.
“Minhas tentativas anteriores resultaram em uma variedade diversificada de sistemas binários que se disfarçam de buracos negros, mas esta foi a primeira vez que a pesquisa deu frutos”.
Para este estudo, El-Badry e seus colegas se basearam em dados obtidos pelo Observatório Gaia da Agência Espacial Europeia (ESA). Esta missão passou quase uma década medindo as posições, distâncias e movimentos próprios de quase 1 bilhão de objetos astronômicos, como estrelas, planetas, cometas, asteroides e galáxias.
Ao rastrear o movimento dos objetos enquanto orbitam o centro da Via Láctea (uma técnica conhecida como astrometria), a missão Gaia visa construir o catálogo espacial 3D mais preciso já criado.
Para seus propósitos, El-Badry e seus colegas examinaram todas as 168.065 estrelas no Gaia Data Release 3 (GDR3) que pareciam ter órbitas de dois corpos.
Sua análise encontrou um candidato particularmente promissor, um tipo G (estrela amarela) designado Gaia DR3 4373465352415301632 – para seus propósitos, a equipe o designou Gaia BH1. Com base em sua solução orbital observada, El-Badry e seus colegas determinaram que esta estrela deve ter um companheiro binário de buraco negro.
Disse El-Badry: “Os dados do Gaia restringem como a estrela se move no céu, traçando uma elipse enquanto orbita o buraco negro. O tamanho da órbita e seu período nos dão uma restrição na massa de seu companheiro invisível – cerca de 10 massas solares.
“Para confirmar que a solução de Gaia está correta e descartar alternativas que não sejam buracos negros, observamos a estrela espectroscopicamente com vários outros telescópios. Isso reforçou nossas restrições à massa da companheira e provou que ela é realmente ‘escura’.”
Para confirmar suas observações, a equipe analisou medições de velocidade radial de Gaia BH1 de vários telescópios.
Isso incluiu o espectrômetro Echelle de alta resolução do Observatório WM Keck (HIRES, na sigla em inglês), o espectrógrafo óptico de alcance estendido alimentado por fibra (FEROS, na sigla inglês) do telescópio MPG/OES, o espectrógrafo X-Shooter do Very Large Telescope (VLT), os espectrógrafos de multiobjetos do Gemini (GMOS, na sigla em inglês), o espectrógrafo Echellette do Telescópio Gigante de Magalhães (Mage, na sigla em inglês) e o Telescópio Espectroscópico de Fibra Multiobjeto da Grande Região do Céu (LAMOST, na sigla em inglês).
Semelhante ao método usado para caçar exoplanetas (Espectroscopia Doppler), os espectros fornecidos por esses instrumentos permitiram à equipe observar e medir as forças gravitacionais que influenciam sua órbita. Essas observações de acompanhamento confirmaram a solução orbital de Gaia BH1 e que um companheiro de aproximadamente 10 massas solares estava co-orbitando com ela.
Como El-Badry indicou, essas descobertas podem constituir o primeiro buraco negro na Via Láctea que não foi observado com base em suas emissões de raios-X ou outras liberações energéticas:
“Os modelos preveem que a Via Láctea contém cerca de 100 milhões de buracos negros. Mas só observamos cerca de 20 deles. Todos os anteriores que observamos estão em ‘sistemas binários de raios-X’: o buraco negro está devorando uma estrela companheira e brilha intensamente em raios-X à medida que a energia potencial gravitacional desse material é transformada em luz.
“Mas estes representam apenas a ponta do iceberg: uma população muito maior pode estar à espreita, escondida em sistema binários mais amplamente separados. A descoberta de Gaia BH1 lança uma luz sobre essa população.”
Se confirmadas, essas descobertas podem significar que há uma população robusta de buracos negros adormecidos na Via Láctea. Isso se refere a buracos negros que não são evidentes em discos brilhantes, explosões de radiação ou jatos de hipervelocidade que emanam de seus polos (como é frequentemente o caso dos quasares).
Se esses objetos são onipresentes em nossa galáxia, as implicações para a evolução estelar e galáctica podem ser profundas. No entanto, é possível que este buraco negro adormecido em particular seja um valor atípico e não indicativo de uma população maior.
Para verificar suas descobertas, El-Badry e seus colegas estão ansiosos pelo Gaia Data Release 4 (GDR 4), cuja data ainda será determinada, que incluirá todos os dados coletados durante a missão nominal de cinco anos (GDR 4).
Este lançamento incluirá os catálogos astrométricos, fotométricos e de velocidade radial mais atualizados para todas as estrelas, sistemas binários, galáxias e exoplanetas observados.
A quinta e última versão (GDR 5) incluirá dados da missão nominal e estendida (os 10 anos completos).
“Com base na taxa de ocorrência de buracos negros companheiros implícita no Gaia BH1, estimamos que a próxima divulgação de dados do Gaia permitirá a descoberta de dezenas de sistemas semelhantes”, disse El-Badry.
“Com apenas um objeto, é difícil saber exatamente o que isso implica sobre a população (pode ser apenas um estranho, um acaso). Estamos empolgados com os estudos demográficos populacionais que poderemos fazer com amostras maiores.”