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A origem da vida: uma mudança de paradigma

Publicado na Ludwig-Maximilians-Universität München

De acordo com um novo conceito dos químicos da Universidade Ludwig Maximilian de Munique (LMU) liderados por Thomas Carell, foi uma nova espécie molecular composta de RNA e peptídeos que possibilitou a evolução da vida em formas mais complexas.

Investigar a questão de como a vida poderia ter surgido há muito tempo na Terra primitiva é um dos desafios mais fascinantes para a ciência. Que condições devem ter prevalecido para que os blocos de construção básicos da vida mais complexa se formassem? Uma das principais respostas é baseada na chamada ideia de mundo do RNA, que o pioneiro da biologia molecular Walter Gilbert formulou em 1986. A hipótese sustenta que os nucleotídeos – os blocos de construção básicos dos ácidos nucléicos A, C, G e U – surgiram da sopa primordial, e que pequenas moléculas de RNA então se formaram a partir dos nucleotídeos. Esses chamados oligonucleotídeos já eram capazes de codificar pequenas quantidades de informação genética.

Como essas moléculas de RNA de fita simples também podem se combinar em fitas duplas, no entanto, isso deu origem à possibilidade teórica de que as moléculas pudessem se replicar – ou seja, reproduzir. Apenas dois nucleotídeos se encaixam um em cada um, o que significa que uma fita é a contraparte exata de outra e, assim, forma o molde para outra fita.

No curso da evolução, essa replicação poderia ter melhorado e, em algum estágio, originado uma vida mais complexa. “A ideia do mundo do RNA tem a grande vantagem de esboçar um caminho pelo qual biomoléculas complexas, como ácidos nucleicos com propriedades catalíticas otimizadas e, ao mesmo tempo, codificadoras de informações podem surgir”, disse o químico da LMU, Thomas Carell. O material genético, como o entendemos hoje, é composto de fitas duplas de DNA, uma forma durável e ligeiramente modificada de macromolécula composta de nucleotídeos.

No entanto, a hipótese não é isenta de problemas. Por exemplo, o RNA é uma molécula muito frágil, especialmente quando fica mais longa. Além disso, não está claro como pode ter ocorrido a ligação das moléculas de RNA com o mundo das proteínas, para o qual o material genético, como sabemos, fornece os arranjos biológicos. Conforme estabelecido em um novo estudo publicado na Nature, o grupo de trabalho de Carell descobriu uma maneira pela qual essa ligação poderia ter ocorrido.

Os químicos da LMU Felix Müller (à esquerda) e Luis Escobar discutindo um novo esquema molecular prebiótico. Créditos: Markus Müller / LMU.

Para entender, devemos dar uma outra olhada no RNA. Em si, o RNA é uma macromolécula complexa. Além das quatro bases canônicas A, C, G e U, que codificam a informação genética, também contém bases não canônicas, algumas das quais com estruturas muito incomuns. Esses nucleotídeos não codificadores de informação são muito importantes para o funcionamento das moléculas de RNA. Atualmente, temos conhecimento de mais de 120 desses nucleosídeos de RNA modificados, que a natureza incorpora em moléculas de RNA. É altamente provável que sejam relíquias do antigo mundo do RNA.

A equipe de Carell descobriu agora que esses nucleosídeos não canônicos são o ingrediente-chave, por assim dizer, que permite que o mundo do RNA se conecte ao mundo das proteínas. Alguns desses fósseis moleculares podem, quando localizados no RNA, “enfeitar-se” com aminoácidos individuais ou mesmo com pequenas cadeias deles (peptídeos), segundo Carell. Isso resulta em pequenas estruturas quiméricas de RNA-peptídeo quando aminoácidos ou peptídeos estão presentes em uma solução simultaneamente ao lado do RNA. Em tais estruturas, os aminoácidos e peptídeos ligados ao RNA reagem entre si para formar peptídeos cada vez maiores e mais complexos. “Dessa forma, criamos partículas de RNA-peptídeo no laboratório que poderiam codificar informações genéticas e até formar cadeias de peptídeos”, disse Carell.

Os antigos nucleosídeos fósseis são, portanto, um pouco semelhantes aos núcleos do RNA, formando um núcleo sobre o qual longas cadeias de peptídeos podem crescer. Em algumas fitas de RNA, os peptídeos estavam crescendo em vários pontos. “Essa foi uma descoberta muito surpreendente”, disse Carell. “É possível que nunca tenha existido um mundo de RNA puro, mas que RNA e peptídeos coexistiram desde o início em uma molécula comum”. Como tal, devemos expandir o conceito de um mundo de RNA para o de um mundo de RNA-peptídeo. Os peptídeos e o RNA se apoiaram mutuamente em sua evolução, propõe a nova ideia.

De acordo com a nova teoria, um elemento decisivo no início foi a presença de moléculas de RNA que poderiam se enfeitar com aminoácidos e peptídeos e assim juntá-los em estruturas peptídicas maiores. “O RNA se desenvolveu lentamente em um catalisador de ligação de aminoácidos em constante aperfeiçoamento”, disse Carell. Essa relação entre RNA e peptídeos ou proteínas permaneceu até hoje. O catalisador de RNA mais importante é o ribossomo, que ainda hoje liga aminoácidos em longas cadeias peptídicas. Uma das máquinas de RNA mais complexas, é responsável em cada célula pela tradução da informação genética em proteínas funcionais. “O mundo dos peptídeos de RNA resolve assim o problema do ovo e da galinha”, disse Carell. “A nova ideia cria uma base sobre a qual a origem da vida gradualmente se torna explicável”.

Julio Batista

Julio Batista

Sou Julio Batista, de Praia Grande, São Paulo, nascido em Santos. Professor de História no Ensino Fundamental II. Auxiliar na tradução de artigos científicos para o português brasileiro e colaboro com a divulgação do site e da página no Facebook. Sou formado em História pela Universidade Católica de Santos e em roteiro especializado em Cinema, TV e WebTV e videoclipes pela TecnoPonta. Autodidata e livre pensador, amante das ciências, da filosofia e das artes.