Daniel Dennett, catedrático de filosofia e diretor do Centro de Estudos Cognitivos da Universidade de Tufts, nos Estados Unidos, é um dos filósofos científicos mais destacados no âmbito das ciências cognitivas. Nesta entrevista com a Sinc, Dennett discute suas ideias sobre a consciência, a intencionalidade, a religião e a moral.
Muitas vezes lhe perguntam sobre o significado da vida. Por que você responde que o segredo está em encontrar algo mais importante do que a si mesmo e dedicar a isso?
Há pessoas que desconhecem o sentido da vida. Pode ser porque estão demasiadamente centradas a si mesmas e são egoístas. É óbvio que a maneira de ser feliz e ter uma boa vida ajuda em algo. O que seja. Algo bom. Trazer alguma bondade para o mundo vai fazer você e os outros felizes. Seja numa dedicação à ciência, salvando o meio-ambiente, ou protegendo qualquer coisa, a arquitetura ou os peixes. Há sempre um monte de coisas para fazer e que são necessárias. Vá e faça alguma!
Há pessoas que dedicam toda a sua vida a uma causa e se concentram tanto nela que outras passam a segundo plano, como ter filhos. Por que não são todos os humanos que cumprem nosso propósito biológico?
Somos a única espécie que tem uma perspectiva que não começa nem termina com ter filhos. Em outros animais, a reprodução é a máxima. O que eles fazem é condicionado por isso e eles lutam por oportunidades de acasalamento. Todos os animais se esforçam para se reproduzir. Claro que também temos esses impulsos em nossos genes. Não estaríamos aqui se não tivéssemos. Mas por temos a linguagem e a cultura contamos com outra perspectiva. Há outras coisas além da descendência para a qual vale a pena trabalhar, morrer ou viver: a justiça, a verdade, a beleza, a religião, o comunismo… O que seja. Somos a única espécie que tem causas. Algumas podem ser absurdas ou errôneas, mas é o preço de ser humano.
Em seu caso, você tem dedicado sua vida à filosofia. Como um pensador evolucionista, que viaja por todo o mundo dando palestras sobre Charles Darwin. De fato, você se parece bastante com ele…
É mais por acidente. Tenho barba desde o ano de 1967, então não me parecia com Darwin até pouco tempo. Houve uma época que eu parecia com Rasputin. Então, eu não fiz isso de propósito, embora eu esteja feliz de parecer-me com Darwin.
Você convive com filósofos e cientistas. Como você combina os dois mundos?
Nem todos os meus amigos são acadêmicos, mas muitos dos meus melhores amigos são cientistas. Aprendi muito com eles. Depois de passar uns 30 anos com a filosofia, não creio que haja muito mais a aprender com os meus colegas. Claro que há sempre algo mais, mas não me interessa tanto como a ciência. Se eu fosse escolher entre uma palestra de ciência ou filosofia, eu preferiria ir a uma conferência de um cientista, porque eu iria aprender algo que eu não sabia antes, algo que também com a filosofia, mas em raras ocasiões.
A ciência e a filosofia ainda se perguntam se os seres humanos têm livre arbítrio. Você tem pensado nisso por anos.
Durante milhares de anos, muitas pessoas pensaram que o livre arbítrio depende do determinismo, como se se tratasse de uma preguiça da física. Eu acho que é um erro, porque não importa se o determinismo ou o indeterminismo são certos. Na realidade, o que queremos é tomar decisões causadas por nossas razões, com base no que aprendemos. A última coisa que queremos é que a natureza jogue dados ou roleta russa enquanto agimos. Se eu fizer algo que eu quero que seja causado pela minha intenção, é devido a minha deliberação e que, por sua vez, é causada pelas evidências fáticas que coletei. Não quero que a aleatoriedade intervenha neste processo.
E quando devemos deixar de pensar?
Às vezes, você só tem que parar de pensar e agir. Eu não quero ser como Hamlet que pensa o tempo todo. Uma decisão é como jogar uma moeda: eu tenho que deixar de pensar e agir. Há momentos em que todos nós corremos riscos, falamos de boquilha e esperamos estar corretos. Está é a única aleatoriedade que precisamos em nosso comportamento, e não se trata de uma ausência de determinismo, mas de deixar o cérebro decidir por você quando você não tiver um motivo específico. Todas as minhas decisões são produto do meu cérebro, tudo é biologia, porque tudo acontece na minha mente.
Como a competição moral se encaixa em tudo isso?
Se o meu cérebro funciona bem, então eu sou moralmente competente, e esse é o lugar onde se encontra o livre arbítrio. Tomarei boas decisões sem obsessões, fobias ou qualquer outra coisa que me desabilite. Há muitas maneiras em que o meu cérebro é menos aceitável como um sistema de controle, se alguma delas me afetar, não terei livre arbítrio.
Você falou muito sobe religião. Como as crenças afetam a competência moral?
Não tem nada a ver. A competência moral é um ideal, algo como boas práticas. Muitas pessoas chegam a ela através da religião, que é só uma contingência. Depois de tudo, a moral de hoje é bem diferente da moral do Antigo Testamento, ninguém quer viver como milhares de anos atrás. Encontramos a ofensiva escravidão, por exemplo. A religião não é um motor da moral, mas o freio que atrasou seu desenvolvimento. Embora se atualize pouco a pouco, temos quase convencido os católicos de que não há qualquer problema com a homossexualidade. Eles não nos guiam, eles nos seguem. E isso acontece com todas as religiões.
Você é otimista sobre o futuro?
Sim. O mundo é muito melhor e um lugar mais moral neste século do que no início do século XX. Creio que progredimos. Penso que o mundo é mais seguro e menos violento, embora ainda podemos causar muitos danos.