Por Steven Novella
Publicado na Neurologica
Em 2017, cientistas chineses publicaram um artigo na revista Chinese Acupuncture & Moxibustion intitulado de “Discussão sobre a teoria do emaranhamento quântico e a acupuntura“. Há várias camadas que contribuem para a erosão da ciência, algo como o que esse artigo representa. Felizmente, o artigo foi recentemente retirado de circulação por razões que os editores não deixaram claro. Eu suspeito que eles estavam apenas envergonhados.
A primeira chamada que gostaria de destacar é o uso da mecânica quântica para explicar essencialmente a magia. Os autores escrevem:
“Depois de aprender o emaranhamento quântico, os autores descobriram que muitas características da quântica são refletidas na Medicina Tradicional Chinesa (MTC), na teoria da acupuntura e na prática clínica. Por exemplo, o fenômeno do emaranhamento quântico é mutuamente verificado com o holismo, a doutrina yin-yang, a teoria de raízes primárias e secundárias e a MTC, etc. Ele pode ser aplicado para interpretar as situações clínicas difíceis de serem explicadas na prática clínica, como o efeito instantâneo da acupuntura, a estimulação multiponto em um distúrbio e os pontos com efeitos específicos.”
Deixe-me analisar isso um pouco para você. O que eles estão admitindo é que existem vários aspectos da acupuntura que não podem ser explicados com a ciência real, a evidência, a lógica ou o que foi estabelecido sobre como o corpo humano realmente funciona. Um desses aspectos é o “efeito instantâneo” que a acupuntura, geralmente, parece ter no paciente.
No mundo real, leva tempo para o corpo responder a qualquer intervenção. Existem alguns medicamentos que, quando administrados por via intravenosa, podem ter um efeito muito rápido. Caso contrário, leva tempo até que as substâncias sejam absorvidas, distribuídas para seus alvos, para que as células respondam, produzam proteínas, iniciem a cicatrização, etc. Dependendo do efeito e do mecanismo de intervenção, uma resposta quase instantânea ao tratamento pode ser fisiologicamente impossível.
Portanto – quando observamos um efeito incrivelmente rápido de uma intervenção, a sabedoria convencional é que o efeito é psicológico. É um efeito placebo. Lembro-me de uma paciente que teve uma melhora dramática em seus sintomas (que suspeitávamos ser psicológicos), mesmo antes da medicação atravessar o tubo intravenoso e o braço. O “efeito instantâneo” é uma bandeira vermelha bem estabelecida para uma resposta ao placebo.
Contudo, agora, o Dr. Wang e seus colaboradores aparentemente descobriram que, com a acupuntura, o efeito instantâneo não significa que tudo seja um placebo teatral, porque é quântico.
Eles também apelam vagamente ao seu desconhecimento da mecânica quântica para explicar o outro enorme buraco lógico na hipótese da acupuntura – por que existem pontos de acupuntura, o que determina sua especificidade e por que parece haver muita variação? É quase como se todo o conceito não fosse real e tivesse sido inventado com base em superstições culturais. Basta acenar a varinha mágica da mecânica quântica e todos seus problemas aparentes desaparecerão.
A reivindicação central do artigo surge quando eles estendem essa lógica à observação clínica de que as crianças podem se beneficiar do uso de agulhas nos pais. Eu suspeito que isso funcione tão bem como a acupuntura regular, o que significa que não funciona. Novamente, essa é uma observação que grita “placebo”. É uma afirmação transparentemente mágica. Contudo, não se preocupe – os mecanismos quânticos estão vindo para o resgate.
Veja bem, você não precisa tratar crianças e nem incomodá-las aplicando agulhas. Basta enfiar as agulhas nos pais e o emaranhamento quântico que existe entre pais e filhos fará o resto.
Isso me lembra a acupuntura fantasma. Isso é realmente algo da pesquisa – onde os pesquisadores enfiam agulhas em um braço de borracha ou criam de outra forma o contexto visual e psicológico da acupuntura sem realmente enfiar agulhas nos pacientes. Adivinha – a mesma resposta que a acupuntura “real”, mesmo em exames de ressonância magnética funcional (fMRI). Isso é consistente com a interpretação de que a acupuntura é principalmente, se não todas, um placebo teatral sem nenhum efeito fisiológico real. Bem – talvez o braço de borracha esteja emaranhado quanticamente com o braço do paciente… ou algo assim.
Obviamente, a mecânica quântica não explica a percepção extrassensorial (ESP), a acupuntura ou quaisquer outros efeitos aparentemente mágicos sugeridos pelo estudo. Existe algo chamado decoerência – o emaranhamento desaparece à medida que mais partículas interagem com outras partículas e com o meio ambiente. Quando você chega aos objetos macroscópicos, o emaranhamento não existe mais. O emaranhamento é frágil. A ideia de que o emaranhamento quântico possa existir em pessoas inteiras, ao longo de anos, é absurda. Também não há razão para suspeitar que uma criança se emaranha com sua mãe. O emaranhamento quântico não funciona dessa maneira.
Os editores da revista devem ter ficado envergonhados ao publicar essa porcaria total. Contudo, isso é apenas um sintoma de um problema mais profundo. O mundo inteiro, não apenas da acupuntura, mas da chamada medicina alternativa é a pseudociência em sua forma mais pura. A pseudociência tem aparência de ciência real, mas carece de seus verdadeiros métodos. A publicação de um estudo observacional em uma revista de revisão por pares, enquanto se refere a termos científicos como a mecânica quântica, é uma tentativa clara de cobrir a acupuntura com a roupagem da ciência real.
O que está faltando, no entanto, são as coisas que fazem a ciência funcionar. Isso inclui uma série de virtudes intelectuais, mesmo genéricas, além de alguma metodologia científica específica. Por exemplo, você precisa definir precisamente os termos, não apenas usá-los em um sentido vago. Você precisa considerar honestamente todas as explicações alternativas e deixar a Navalha de Ockham ser seu guia.
O problema piora com estudos experimentais que analisam teorias flagrantemente mágicas. Isso se torna um exercício no que chamamos de metodolometria – utilizar superficialmente métodos de aparência científica, mas com o resultado já garantido. A ciência é uma forma de determinar se algo é real, não uma maneira de provar algo que alguém quer que seja real. Contudo, esse último é o que os pseudocientistas fazem. Os pesquisadores podem facilmente descobrir o que é estatisticamente significativo e, em seguida, preencher a justificativa científica de suas crenças. Você pode até fazer isso para justificar uma crença supersticiosa puramente cultural, que é exatamente o que foi feito aqui.
O que é surpreendente é que os praticantes chineses da MTC exportaram sua pseudociência cultural. Ela foi amplamente aceita no Ocidente porque parece estrangeira e exótica. Quando os problemas são apontados, muitas pessoas que deveriam ter mais conhecimento assumem simplesmente que o problema está em sua falta de compreensão do conceito estrangeiro (e, geralmente, são incentivadas a pensar dessa forma). Portanto, eles se voltam para os “especialistas”, que, infelizmente, são os próprios pseudocientistas que a estão promovendo.
Às vezes, a pseudociência fica tão descarada, como afirmar que você pode tratar crianças enfiando agulha nos pais, que os entusiastas passam por cima de alguma linha invisível. As alegações são ridículas o suficiente para fazer com que os principais proponentes parem e, em seguida, os entusiastas precisem retroceder em suas alegações. De forma rápida – isso terá que esperar pela próxima geração. Contudo, lentamente vemos a degradação da ciência, a distorção de seus métodos para provar o que alguns querem que seja verdade, em vez de perguntar firmemente e honestamente se algo é verdade. Todo o empreendimento científico pode ser comprometido dessa maneira.
As instituições degradam dessa forma, seja ciência, democracia ou política. Elas são tão boas quando as pessoas que as compõem cultivam a cultura da honestidade e da transparência e a preservação da dedicação aos princípios fundamentais. Não devemos vender princípios científicos tão facilmente para acomodar uma moda cultural como a acupuntura.