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Albert Einstein acreditava em Deus?

É uma dúvida muito recorrente, diante das manifestações de Einstein sobre Deus que, uma hora serão totalmente opostas, outra irão discorrer de sua concordância com o tal “Deus de Spinoza”. Mas, afinal, Einstein acreditava em Deus? Não? E o que seria esse tal Deus de Spinoza, com o qual ele afirmou concordar?

Einstein afirma em uma de suas cartas recentemente publicadas suas considerações acerca das religiões em geral, limitando-as a um conjunto de mitologias fantasiosas, umas infantis, outras com algum valor comunitário, mas dentre tudo isso, deixa mais do que clara sua discordância e descrença quanto aos deuses dessas religiões.

Em outra carta, porém, Einstein nos diz ter para si o Deus de Spinoza, filósofo do século XVII que desenvolveu uma obra extremamente complexa definindo um conceito próprio para a palavra “Deus”, cujos motivos para ter utilizado essa palavra não são poucos.

A fonte em anexo será bem recheada com conteúdo, para quem quiser ir mais fundo no assunto (porém para de fato fazer isso, o que eu diria é para ler as obras de Spinoza, compreendendo os motivos que levaram Einstein a concordar com ele). Mas para não deixar esse texto enorme (sério, REALMENTE enorme), buscarei ser conciso, citando um trecho da carta de Einstein em resposta ao rabino H. Goldstein:

“Quando, em 1921, perguntado pelo rabino H. Goldstein, de New York, se acreditava em Deus, [Einstein] respondeu: ‘Acredito no Deus de Spinoza, que se revela por si mesmo na harmonia de tudo o que existe, e não no Deus que se interessa pela sorte e pelas ações dos homens”. Nesta mesma ocasião, o cardeal O’Connel, de Boston, publicou uma declaração na qual dizia que a teoria da relatividade “encobre com um manto o horrível fantasma do ateísmo, e obscurece especulações, produzindo uma dúvida universal sobre Deus e sua criação’”.

Muito bem, vamos então à explicação. Para começar, vou logo impedir uma confusão que você, leitor, pode ter com a palavra “acredito”. No “Breve Tratado” e na obra prima de Spinoza: “Ética”, o filósofo define dois tipos de crença, a crença “por ouvir dizer” (seria próxima da ideia de crença pela fé) e a “Crença Verdadeira”, é a crença que ele julga termos pelas verdades, ou seja, 1+1=2, não ouvimos dizer, sabemos por saber de fato, é racional, estamos conectados verdadeiramente a essa operação matemática. Espero ter conseguido me fazer entender, pois ser conciso nesse tema é difícil para mim.

Como já dei a entender, não foram poucos livros ou pensamentos simples que definiram o significado do Deus de Spinoza. A priori deve-se entender: Nada tem a ver com o Deus das religiões, e, sua principal diferença com o que afirmam alguns conhecedores, de ser um teísmo ou panteísmo, é o fato de que a substância componente do conceito de Deus de Spinoza não é corpórea, a união universal da matéria não se dá por forças sobrenaturais e inexplicáveis, mas sim um conjunto de causas e efeitos (dito como conjunto infinito das causas e efeitos), tal como poderíamos dizer do que é a ciência, a física por exemplo, explica-se pelo conjunto das leis da física, o corpo humano explica-se não por uma força da mente de manter o corpo unido, mas sim por sua natureza própria. O Universo nesse caso possui uma natureza própria (o que é óbvio para todo cientista), e o Deus de Spinoza é o nome que o filósofo deu para essa natureza.

Me atrevo a dizer portanto, aos ateus e religiosos, que eles devem parar de brigar para dizer a qual time pertencia Einstein. Spinoza não se enquadraria como Ateu, por não negar afinal, seu próprio conceito de Deus (no que consiste ao ateísmo como negação de todos os tipos de deuses, existem ateus que irão discordar desse pensamento, mas ele existe em muitos outros), mas sim como “Descrente”, eu diria mais: Descrente Spinoziano, ou apenas “Spinoziano”, tal como propõe a filosofia spinoziana, na lógica de rotular os indivíduos pelas filosofias (como se fazia com os Cartesianos que concordavam com Descartes, e tantos outros pensadores e seguidores na história).

Spinoza, portanto, distancia-se:

1. Dos religiosos, pois ele não acreditava no que podemos chamar de Deus humano, contraditório (não apenas na relação das diferentes religiões, mas também existem contradições dentro das mesmas religiões, esse texto não vai se propõe a tratar disso), definido por escrituras que não foram originadas de um pensamento racional, mas da imaginação e senso pessoal da moralidade humana.

Os deuses religiosos surgiram da crença “por ouvir dizer”, enquanto Spinoza desenvolveu e demonstrou seu conceito FILOSÓFICO para a Natureza, com base em uma maneira extremamente racional, à maneira dos bons filósofos, cabe aos interessados que busquem suas obras (ao invés de confiar apenas em comentadores como eu e tantos outros) para que possam entender a profundidade dessa filosofia de fato.

Sobre isso posso sugerir que leiam: “Tratado da Correção do Intelecto” de Spinoza, seguido por “Spinoza: Uma filosofia da Liberdade”, CHAUÍ, Marilena, que irá clarificar muitas coisas, e após esse, “Ética” ou “Breve Tratado”, ambos tratam de vários conceitos em comum, porém “Ética” é demonstrada de forma geométrica, enquanto “Breve Tratado” é linear. Digo, deve-se ler ambos de preferência, porém qualquer um dos dois é uma bela aula. (Lembrando que essa é a minha sugestão, pode-se descobrir Spinoza de várias outras formas, eu suponho.)

2. Dos ateus, uma vez que, como antes dito, ele não negou a Deus, se considerarmos a definição spinoziana, mas sim aos deuses supersticiosos, que dependem não da razão, mas da fé humana, definições sobrenaturais, incertas e confusas, improváveis (que não podem ser provadas ou demonstradas).

Spinoza demonstra cada afirmação feita sobre seu Deus, não deixando abertura para interpretações diversas, ele é bem claro nisso, o faz mais claramente na Ética.

Devo dizer que muitos ateus tem o pensamento nessa linha, sem conhecer diretamente essa filosofia, e muitos crentes bem questionadores, tem vislumbres desse tipo de lógica, em fatores de suas religiões que eles não conseguem concordar plenamente, é o momento em que eles percebem aquela enorme distância entre a “conta matemática”, do resultado que ela deveria ter.

Uma metáfora que eu criei para isso (para a definição da Natureza de Spinoza, aceita por Einstein) é imaginar um triângulo. Nós sabemos as características de um triângulo, sabemos que é composto por três segmentos de reta, e que seus ângulos internos somam 180 graus, o mesmo que dois ângulos retos, isso nós sabemos pela crença verdadeira, ou seja, nossa razão nos guia instantaneamente a essa conclusão. Mas se eu te perguntar: “E qual é a cor do triângulo universal?”, como você me responderia? Simples, você não me responderia, ao menos não pela razão, pois não há como saber, antes de, de fato, conhecer. Ou seja, ou você não me responderia, numa postura cética, ou você iria fantasiar uma cor, me responder, por exemplo, que ele é Azul, e se eu te perguntar “Mas por que ele é azul?” a sua única resposta plausível seria “Por que eu acredito” [pela crença do “ouvir dizer”].

No caso dessa metáfora, às definições racionais das características do triângulo, Einstein, ou melhor Spinoza, desenvolveu sobre o nome “Deus”, ou Natureza. E eles, ambos, negaram que podemos saber a cor desse triângulo, que é o que as religiões humanas tanto afirmam conhecer, e cada uma dá uma cor para ele, sem realmente terem nenhuma condição para tal. Aliás, elas não apenas dão cores diversas, como dizem que, se o triângulo assim decidir, ele pode mudar sua cor, e, por sua própria vontade (um triângulo com vontades), ele pode mudar leis que o definem, ou seja, que a soma de seus ângulos internos poderia deixar de ser dois ângulos retos, 180 graus, para 360 graus. Essas religiões acreditam, aliás, que esse triângulo não apenas poderia mudar completamente suas características, como ele poderia, por ter vontade própria, criar mundos dentro de si, e manuseá-los ao seu próprio querer… Mas claro, ele não faz isso pois ele não quer, ele não muda sua cor pois não quer… Ou… Vai ver… Que ele não faz nada disso pois… Ele é um triângulo (lembrando que isso é uma metáfora, o Deus de Spinoza não é um triângulo, mas suas características são afirmadas e desenvolvidas sobre a Natureza, assim como podemos desenvolver as características de um triângulo, ambas por métodos racionais)? Uma forma geométrica, matematicamente definida, e, de forma racional, de possível cálculo, logo, conhecimento? Bom, fica para cada qual decidir sua convicção, mas, no que se refere à de Einstein e Spinoza, tal é a convicção deles.

Eu admito que nesse caso, os ateus tem a oportunidade de estarem numa posição possivelmente mais saudável quanto a essa filosofia, porém ignorando uma possibilidade de um contexto geral redefinido, mas não por negarem ele de fato em suas características, apenas por não o conhecerem. Também, diante da situação em que se encontram os ateus em relação à palavra “Deus”, muitos acham difícil de acatar a essa filosofia, nesses mesmos parâmetros.

Agora, concordando ou não com as definições acima de Deus, com a filosofia de Spinoza que Einstein acatou, fica claro o erro de decidir uma interpretação das palavras de uma pessoa que, convenhamos, não tinha lá uma mente muito simples e fácil de ser compreendida, se Einstein era crente, ateu, agnóstico ou espírita, nenhuma dessas opções, pois ele era, afinal das contas, spinoziano.

Referência

Octavio P. M. Milliet

Octavio P. M. Milliet

Jornalista, ávido leitor interessado em Ciência, Filosofia, Economia, Política, História, Meio Ambiente e no futuro da humanidade. Em termos de ideologia se preocupa com uma sociedade com vida digna para todos e na qual ninguém é deixado para trás, perseguido ou desprovido dos direitos humanos básicos.