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Arqueólogos sequenciam alguns dos DNAs de neandertal mais antigos encontrados na Europa

Por Michelle Starr
Publicado na ScienceAlert

Por dezenas de milhares de anos, um dente molar de um Neandertal jazeu em uma cova rasa no chão da Caverna de Stajnia onde hoje é a Polônia. Por todo esse tempo, o DNA mitocondrial viável permaneceu preso em seu interior – e agora, finalmente, os cientistas estão descobrindo seus segredos.

Chamado de Stajnia S5000, o dente pertencia a um Neandertal que viveu há pelo menos 80.000 anos, de acordo com a nova análise. O que significa que o indivíduo estava vivo durante um período crucial de mudanças ambientais bruscas na história do Neandertal.

A paisagem da Europa centro-oriental passou por uma transformação dramática há cerca de 100.000 anos, durante o Paleolítico Médio.

O mundo estava no meio de uma era do gelo conhecida como Último Período Glacial, e os habitats dos neandertais da Europa Central e do norte da Europa Ocidental mudaram de florestas diversificadas para taigas e estepes glaciais. Estes foram mais acolhedores para os mamutes-lanosos, rinocerontes-lanudos e para as renas adaptadas às condições geladas do Ártico – que eram muito mais desafiadoras para os neandertais.

Um modelo digital do Stajnia S5000. Crédito: Stefano Benazzi.

À medida que as regiões congelaram, as populações de Neandertais diminuíram, aumentando novamente quando as temperaturas voltaram a ficar mais quentes, em uma fase de melhora temporária da glaciação (a idade do gelo real não terminaria até cerca de 11.700 anos atrás), caracterizada por mudanças sazonais extremas e baixa biomassa. Em outras palavras, as estações eram barra-pesada e a comida escassa.

Foi durante um desses períodos – conhecido como Estágio de Isótopo Marinho 5a (MIS 5a), que começou há cerca de 82.000 anos – que os Neandertais onde hoje é Altai (Rússia) na Ásia Central foram substituídos por populações de Neandertais da Europa Ocidental.

Mas, mesmo com muitos Neandertais europeus fugindo para ambientes mais temperados, um tipo específico de estilo de ferramenta categorizado como Micoquiano estava em uso nos ambientes congelados onde agora é o leste da França, Polônia e Cáucaso – sugerindo que alguns Neandertais foram capazes de se adaptar ao mundo em mudança.

“A Polônia, localizada na encruzilhada entre as planícies da Europa Ocidental e os Montes Urais, é uma região chave para entender essas migrações e para resolver questões sobre a adaptabilidade e a biologia dos neandertais no habitat periglacial”, disse a arqueóloga Andrea Picin, do Instituto Max Planck para Antropologia Evolutiva na Alemanha.

As ferramentas de estilo Micoquiano começaram a aparecer na Europa Central e Oriental há cerca de 130.000 anos – um pouco antes dos Neandertais europeus começarem a substituir as populações da Ásia Central.

Esses artefatos – alguns dos quais foram encontrados na Caverna de Stajnia – são caracterizados por formatos bifaciais, formatos assimétricos e em formatos de folhas, e são encontrados apenas em regiões onde mamutes e rinocerontes-lanudos vagavam, sugerindo que foram especificamente adaptados para caça e coleta de alimentos em tais paisagens.

Ferramentas Micoquianas da Caverna de Stajnia. Crédito: Andrea Picin.

Existem algumas outras pistas que sugerem uma mudança na estratégia de sobrevivência. A própria caverna, acreditam os pesquisadores, tem uma abertura muito estreita para ser utilizada como um assentamento permanente. No entanto, grupos de Neandertais poderiam tê-lo usado como acampamento temporário durante viagens de forrageamento.

E aí entra o dente em si. Seu formato é consistente com os dentes de Neandertal, e o desgaste sugere que é um dente adulto. A análise genética do tecido mais mole preservado dentro da camada externa protetora de esmalte duro foi especialmente reveladora.

Em primeiro lugar, permitiu que os arqueólogos datassem o dente, colocando-o diretamente no MIS 5a.

“Ficamos emocionados quando a análise genética revelou que o dente tinha pelo menos 80 mil anos”, disse a arqueóloga Wioletta Nowaczewska, da Universidade de Breslávia, e Adam Nadachowski, da Academia de Ciências da Polônia. “Os fósseis desta época são muito difíceis de encontrar e, geralmente, o DNA não está bem preservado.”

E, em segundo lugar, permitiu-lhes localizar os parentes mais próximos do dono do dente.

“Descobrimos que o genoma mitocondrial do Stajnia S5000 era o mais próximo ao de um Neandertal Mezmaiskaya 1 do Cáucaso”, disse o arqueólogo Mateja Hajdinjak do Instituto Max Planck de Antropologia Evolutiva. E o DNA era, surpreendentemente, mais remotamente relacionado a dois outros Neandertais que morreram na Bélgica e na Alemanha há cerca de 120.000 anos.

Junto com as ferramentas, que foram encontradas em vários locais importantes, incluindo no norte do Cáucaso, Alemanha, Altai e Crimeia, o dente sugere que os neandertais do norte e do leste da Europa tornaram-se muito mais migratórios, perseguindo os animais árticos migratórios em todo o continente como um nova estratégia de sobrevivência.

Isso explicaria, disseram os pesquisadores, como as ferramentas Micoquianas foram tão difundidas e como permaneceram em uso contínuo nessas regiões por mais de 50.000 anos.

“O dente molar Stajnia S5000 é verdadeiramente uma descoberta excepcional que lança uma luz sobre o debate acerca da ampla distribuição dos artefatos Micoquianos“, disse Picin.

A pesquisa foi publicada em Scientific Reports.

Julio Batista

Julio Batista

Sou Julio Batista, de Praia Grande, São Paulo, nascido em Santos. Professor de História no Ensino Fundamental II. Auxiliar na tradução de artigos científicos para o português brasileiro e colaboro com a divulgação do site e da página no Facebook. Sou formado em História pela Universidade Católica de Santos e em roteiro especializado em Cinema, TV e WebTV e videoclipes pela TecnoPonta. Autodidata e livre pensador, amante das ciências, da filosofia e das artes.