Traduzido por Julio Batista
Original de Clare Watson para o ScienceAlert
Da França à Indonésia e Austrália, a vida antiga foi pintada nas paredes de cavernas escuras, com silhuetas aparentemente imóveis em cores terrosas que ecoam uma época anterior.
Mas, nos últimos anos, os arqueólogos imaginaram como essas imagens simples podem ter capturado cenas em movimento de maneiras que talvez não tenhamos percebido. A animação, ao que parece, tem suas raízes em obras de arte antigas.
No início deste ano, uma série de gravuras em pedra de animais estranhos com corpos fundidos reacendeu as especulações sobre as primeiras formas de animação. Usando modelos 3D e software de realidade virtual para dar vida às gravuras antigas, a equipe de arqueólogos argumentou que as obras de arte nas pedras podem ter sido representações dinâmicas de animais em movimento se vistas à luz do fogo.
Embora possam estar muito longe da animação hiper-real que nos entretém hoje, essas obras de arte pré-históricas inspiram admiração – pois nosso desejo humano de entender, representar e recriar o movimento é profundo.
Outro exemplo jaz por séculos coberto de cinzas e poeira em Shahr-e Sukhteh, um sítio arqueológico no sudeste do Irã conhecido como a ‘Cidade Queimada’. Aqui, os pesquisadores encontraram um cálice despretensioso com esboços vermelhos queimados de uma cabra saltitante que ganha vida quando o vaso é girado – muito parecido com um zootrópio moderno do século XIX.
Em cinco imagens sequenciais, a cabra com chifres pula para comer as folhas de uma árvore que pode representar a árvore da vida assíria. Mas os arqueólogos só reconheceram os desenhos como uma série de imagens anos depois que o vaso foi desenterrado em 1967.
A datação sugere que o vaso de barro, atualmente em exibição no Museu Nacional do Irã, tem cerca de 5.200 anos, com alguns afirmando que pode ser um dos exemplos mais antigos de animação. Embora isso possa ser controverso, pelo menos os ceramistas persas estavam dominando os primeiros conceitos de animação e persistência da visão muito antes dos inventores do século XIX juntarem dois mais dois.
“Isso é sugestivo de que os humanos estavam fascinados por milhares de anos pelo movimento animal e colocaram energia na tentativa de capturar uma série de imagens sequenciais”, disse Leila Honari, animadora persa e estudiosa de arte da Universidade de Griffith, na Austrália escrevendo na revista Animation Studies em 2018.
Como o pesquisador paleolítico e cineasta Marc Azéma descreve em um paper de 2015, existem – se pararmos para olhar de perto – muitos outros exemplos de artistas paleolíticos dando vida a suas obras de arte.
Cenas narrativas extensas, gráficas e muitas vezes caóticas capturavam o movimento com sequências repetidas. Por exemplo, o Grand Panneau da Salle du Fond, uma cena de caça de mais de 10 metros de comprimento encontrada dentro da Caverna de Chauvet na França, está repleta de cavalos e bisões e apresenta leões das cavernas que reaparecem para perseguir suas presas ao longo da parede. Foi datada em cerca de 32.000 anos.
Na Indonésia, cerca de 12.000 anos antes, as pessoas na ilha de Celebes pintaram cenas panorâmicas que se estendiam por paredes de pedra calcária retratando seres sobrenaturais brigando com búfalos – no que se acredita ser a cena narrativa mais antiga já encontrada.
Embora essas exibições narrativas sejam majestosas, Honari escreveu que “o cálice da Cidade Queimada indica o conhecimento de seu criador ao conceber uma série de imagens como uma sequência de movimento”.
“O antigo pintor criou ‘quadros-chave’ que contêm um nível muito básico de princípios de animação agora clássicos, como comprimir e esticar, antecipação e até tempo e espaçamento” para criar um vaso que “deve ser o resultado de anos e anos de experimentos de tentativa e erro”, acrescentou Honari.
Esboços de movimento dividido também foram usados há muito tempo para capturar partes do corpo em movimento. Essas obras de arte, como as gravuras em pedra, descritas no início deste ano, sobrepõem formas de animais que parecem, a princípio, ter muitas cabeças ou mais pernas do que o normal.
Mas, como explicou Azéma, esses desenhos pré-históricos retratam animais galopando, balançando a cabeça ou balançando o rabo de um lado para o outro – semelhantes a sequências vistas em flipbooks. Às vezes, linhas de contorno mal esboçadas ao redor da cabeça ou das pernas também transmitem uma sensação de movimento.
“Um bisão de oito patas desenhado no Alcôve des Lions na Caverna de Chauvet prova que o movimento de ação dividida por sobreposição já era usado desde o [período] Aurignaciano” de cerca de 35.000 anos atrás, escreveu Azéma. “Essa ilusão gráfica atinge seu impacto total quando a luz de uma lamparina ou de uma tocha é movida ao longo da parede de rocha.”
Discos de ossos antigos e placas de dois lados com imagens de animais em movimento dividido também foram encontrados e provavelmente foram usados para criar ilusões visuais divertidas ou simbólicas.
Mas não importa a forma ou a idade dessas obras de arte, elas ainda contam uma história, que só podemos ver juntando as peças. Animações ou não, ainda podemos nos maravilhar com pinturas rupestres antigas que transportam espectadores para outros mundos muito antes de nosso tempo e reorientam nossa compreensão do que significa ser humano.