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As ruínas derretidas de Chernobyl estão esquentando

Por Mike McRae
Publicado na ScienceAlert

Nos últimos cinco anos, um sensor que acompanha a contagem das emissões de nêutrons nos escombros da usina nuclear de Chernobyl registrou um aumento gradual de atividade.

A contagem crescente pode não ser nada. Pode até cair de novo, com o tempo. Os cientistas não estão exatamente dispostos a correr riscos, já que o potencial de uma reação de fissão nuclear descontrolada no futuro não pode ser descartado até que saibamos o que está acontecendo.

Infelizmente, a localização precisa do material em decaimento sob os detritos e as placas pesadas de concreto torna as investigações detalhadas e possíveis soluções ainda mais desafiadoras.

Conforme relatado por Richard Stone da Science, pesquisadores do Instituto para Problemas de Segurança de Usinas Nucleares (ISPNPP) em Kiev, Ucrânia, ainda não determinaram se o aumento observado nos nêutrons anuncia um desastre pendente ou se é mais como uma tempestade nuclear no copo d’água.

“Há muitas incertezas”, disse Maxim Saveliev do ISPNPP a Stone. “Mas não podemos descartar a possibilidade de [um] acidente”.

No que pode ser considerado o acidente nuclear mais notório da história, o reator da Unidade Quatro no complexo de Chernobyl sofreu um colapso devastador no final de abril de 1986, após uma queda inesperada de energia durante um teste de segurança importante.

As explosões de vapor comprimido resultantes lançaram uma nuvem de material radioativo por toda a Europa, contribuindo para a morte prematura de dezenas de milhares de pessoas.

Dentro das salas e corredores da própria usina em ruínas, combustível de urânio superaquecido coletado em piscinas se misturou com o revestimento derretido de zircônio, barras de controle de grafite e areia liquefeita para produzir uma lava infernal que eventualmente se solidificou em monólitos de materiais contendo combustível, ou MCCs.

Ao longo das décadas, os isótopos de urânio continuaram a disparar um nêutron ocasional de seus núcleos. Aqueles que chegam perto o suficiente do núcleo de outro isótopo correm o risco de perturbar seu próprio equilíbrio delicado, liberando mais nêutrons.

Dada uma concentração suficientemente alta de átomos, a reação em cadeia de nêutrons perdidos pode gerar enormes quantidades de energia em um curto espaço de tempo, com consequências potencialmente explosivas.

Os nêutrons ejetados do calor de um átomo de urânio em decaimento normalmente se movem um pouco rápido demais para serem capturados facilmente. Tudo isso muda quando os nêutrons são forçados a passar por certos meios, como a água. Ao serem retardados, eles têm uma chance muito maior de aderir a um núcleo e desencadear seu próprio decaimento.

Com isso em mente, não é nenhuma surpresa que as taxas de fissão aumentem dentro dos MCCs sempre que eles se molham.

Por anos, amontoadas sob um sarcófago erguido às pressas conhecido como Abrigo, as ruínas da Unidade Quatro ficaram semiexpostas aos elementos, permitindo que chuvas fortes se infiltrassem dentro da bagunça emaranhada de concreto desmoronado e máquinas antigas.

Em meio a temores de que a água da chuva pudesse causar a aceleração da fissão dentro dos MCCs, os engenheiros conseguiram revestir a maioria deles com uma solução de nitrato de gadolínio para absorção de nêutrons.

Uma cobertura mais robusta foi concluída no local em novembro de 2016. A vasta estrutura, chamada de Novo Confinamento Seguro (NCS), faz um trabalho muito melhor em manter tudo seco.

No entanto, o espaço abaixo do antigo reator da Unidade Quatro – o que antes era a sala 305/2 – ainda está em extensa atividade nuclear, com as emissões de nêutrons aumentando lentamente, mas de forma significativa, desde que o NCS foi erguido.

Presumindo que não esteja molhado, não está claro o que está por trás do lento aumento do número de nêutrons. Pelos cálculos do ISPNPP, é possível que esta mistura particular de materiais tenha tido tempo suficiente para facilitar a geração de reações em cadeia de nêutrons à medida que desidrata.

Exatamente por que e o que fazer a respeito permanecem questões urgentes, especialmente porque a área continua a secar lentamente com o tempo. Dado o local onde fica, revesti-la em nitrato de gadolínio pode ser complicado. Assim como colocar um sensor mais perto da fonte dos nêutrons, passando por obstáculos que podem estar interferindo nas medições.

Com as emissões aumentando tão lentamente, o risco de ameaças no futuro próximo parece baixo. O pior cenário também ficaria muito aquém da catástrofe de 1986.

Ainda assim, dado o delicado estado dos MCCs – e acredita-se que a sala 305/2 contenha cerca de metade do combustível original do reator – mesmo uma pequena explosão poderia lançar detritos radioativos longe o suficiente para tornar sua contenção uma preocupação.

Há planos para uma limpeza do combustível em andamento, com uma instalação de armazenamento provisório atualmente aguardando uma licença da agência reguladora ucraniana.

Por enquanto, pouco pode ser feito a não ser observar e continuar contando, esperando que, com o tempo, o tique-taque se silencie mais uma vez.

Julio Batista

Julio Batista

Sou Julio Batista, de Praia Grande, São Paulo, nascido em Santos. Professor de História no Ensino Fundamental II. Auxiliar na tradução de artigos científicos para o português brasileiro e colaboro com a divulgação do site e da página no Facebook. Sou formado em História pela Universidade Católica de Santos e em roteiro especializado em Cinema, TV e WebTV e videoclipes pela TecnoPonta. Autodidata e livre pensador, amante das ciências, da filosofia e das artes.