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Biologia dos sexos redefinida: genes não indicam sexos binários

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Publicado na Stanford Medicine

Imagine uma mulher de 46 anos grávida da sua terceira criança, cuja amniocentese revela que metade das suas células carregam cromossomos masculinos. Ou um homem de 70 anos, pai de três, que descobre durante um reparo de hérnia que ele tem um útero. Uma matéria recente na Nature mencionou esses casos conforme elaborava sobre o espectro da biologia do sexo. Pessoas podem ser sexadas (ter seu sexo atribuído) de maneiras errôneas e sequer estarem cientes do ocorrido; de fato, a maioria provavelmente não está. Até 1 em cada 100 pessoas possuem alguma forma de “DSD”, uma diferença ou desordem do desenvolvimento sexual (sigla em inglês – Difference/Disorder of Sex Development).

O cenário simples que muitos de nós aprendemos na escola é que dois cromossomos X fazem alguém ser do sexo feminino, enquanto um X e um Y fazem o indivíduo ser do sexo masculino. Essas são maneiras simplistas de falar sobre algo que é cientificamente muito complexo. Anatomia, hormônios, células e cromossomos (para não falar de convicções pessoais sobre identidade) geralmente não estão alinhadas em uma classificação binária.

A matéria da Nature reúne pesquisas que mudaram a forma que pesquisadores enxergam os sexos. Novas tecnologias em sequenciamento de DNA e biologia celular estão revelando que o sexo cromossomal é um processo, não uma atribuição.

Como dito no artigo, Eric Vilain, médico e PhD, diretor do Centro de Biologia Baseada em Gênero da UCLA, explicou que a determinação sexual é uma disputa entre duas redes opostas de atividades gênicas. Mudanças nessa atividade ou nas quantidades de moléculas nessas redes podem “direcionar” o embrião à favor ou contra o sexo que os cromossomos deveriam determinar. “Foi, de certa forma, uma mudança filosófica na maneira de enxergamos os sexos; é um balanço”.

Além disso, estudos em ratos estão mostrando que o equilíbrio da manifestação dos sexos pode ser alterado até mesmo após o nascimento; de fato, é algo ativamente mantido por toda a vida do rato.

De acordo com a matéria da Nature, desordens intersex verdadeiras, como aquelas causadas por genes divergentes ou pela inabilidade das células em responder à hormônios, geram conflitos entre o sexo cromossomal e o sexo anatômico. Mas essas são raras, cerca de um em cada 4500 casos. Para a probabilidade de 1 em 100, eles usaram uma definição mais inclusiva de DSDs. Mais de 25 genes afetam o desenvolvimento sexual foram identificados, e eles possuem uma larga gama de variações que afetam as pessoas de maneiras sutis, Muitas diferenças não são nem notadas até encontros médicos incidentais, como nos cenários descritos na abertura deste texto (o primeiro foi provavelmente causado por embriões gêmeos se fundindo no útero da mãe; o segundo, por uma desordem hormonal).

Além disso, cientistas agora compreendem que o corpo de todos é formado por um mosaico de células geneticamente distintas, e algumas podem ter um sexo diferente das demais. Esse “mosaicismo” pode ter efeitos desde os indetectáveis até os extraordinários, como gêmeos “idênticos” de sexos diferentes. Um caso extremamente comum de mosaicismo advém de células transpassando a barreira placentária durante a gravidez. Homens comumente carregam células de sua mãe, e mulheres carregam células masculinas de seus filhos. Pesquisas mostraram que essas células permanecem por décadas, mas que efeitos elas podem ter em doenças e comportamento é uma pergunta que praticamente não foi estudada até o momento.

Essa é uma maneira difícil de pensar sobre corpos em um mundo social onde o sexo é definido de maneira binária. O sistema legal depende de ser capaz de classificar pessoas em homens ou mulheres, e o status social é comumente determinado pelo sexo na certidão de nascimento. Pais e médicos de crianças intersex encaram problemas éticos espinhosos com relação a potenciais cirurgias, terapias e modos de educação da criança. As implicações de uma melhor compreensão das DSDs são imensas.

Conforme nossa compreensão da biologia continua a avançar, nossos sistemas legais, sociais e médicos precisarão evoluir também. Confira o artigo original da Nature para uma discussão desses problemas, bem como pesquisas mais interessantes acerca da biologia dos sexos.

Lucas Rosa

Lucas Rosa

Lucas Rodolfo de Oliveira Rosa é graduado em Ciências Biomédicas pela UNESP e Mestrando em Biologia Funcional e Molecular pela UNICAMP. Entusiasta pela ciência desde criança, Lucas é colaborador do Universo Racionalista e Editor-Chefe em Mural Científico (www.muralcientifico.com), sua plataforma aberta de divulgação científica nacional e internacional. Lattes http://buscatextual.cnpq.br/buscatextual/visualizacv.do?id=K4854743Z0