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Biólogos descobrem antigos ecossistemas microbianos sob a cratera do meteoro que matou os dinossauros

Por Evan Gough
Publicado no Universe Today

Como surgiu a vida na Terra? Como ela sobreviveu ao éon Hadeano, uma época em que impactos massivos e repetidos escavaram crateras com milhares de quilômetros de diâmetro na superfície da Terra? Esses impactos transformaram a Terra em um lugar infernal, onde os oceanos vaporizaram e a atmosfera se encheu de rocha vaporizada. Como alguma coisa viva poderia ter sobrevivido?

Ironicamente, esses mesmos impactos devastadores podem ter criado um vasto paraíso subterrâneo para o início da vida na Terra. No meio de todas aquelas cavidades e caminhos formados, fluindo água rica em minerais, a vida primitiva encontrou o abrigo e a energia necessária para manter a vida na Terra. E a evidência vem do evento de extinção mais conhecido na Terra: o evento de impacto Chicxulub.

Um novo estudo apresenta evidências de que a cratera de Chicxulub foi hospedeira de uma enorme rede subterrânea de fontes hidrotermais que poderiam ter abastecido um santuário para a vida microbiana.

Por extensão, crateras de impacto muito anteriores, provavelmente, forneceram o mesmo santuário. O estudo foi publicado na revista Astrobiology. O autor principal é David Kring, pesquisador do Instituto Lunar e Planetário.

A ideia de que a vida poderia ter surgido e desenvolvido na rede subterrânea sob as crateras de impacto é chamada de hipótese da origem da vida em resultado de impacto. David Kring é uma importante voz científica que defende essa hipótese.

Embora impactos massivos e repetidos tenham tornado a superfície da Terra inabitável durante o éon Hadeano, o mesmo raciocínio, provavelmente, não se aplica para a região sob as crateras de impacto.

De acordo com Kring, esses mesmos eventos de impacto “estavam produzindo vastos sistemas hidrotérmicos subterrâneos que eram cadinhos perfeitos para a química prebiótica e para os habitats para a evolução inicial da vida”.

Nesse novo estudo, Kring e seus colegas apresentam evidências do International Ocean Discovery Program e do International Continental Scientific Drilling Program.

Esses programas obtiveram amostras de rocha do anel da cratera de Chicxulub. Especificamente, esse estudo se baseia em cerca de 15.000 quilogramas de rocha recuperada de uma perfuração de 1,3 km de profundidade.

Amostra de Chicxulub com os minerais hidrotermais dachiardita (cor laranja brilhante) e analcima (incolor e transparente). Os minerais preenchem parcialmente cavidades na rocha que eram nichos para ecossistemas microbianos. Tradução da imagem: na esquerda, os 38 cm de amostra de rocha (38 cm section of rock core) e, na direita, o berçário microbiano (microbial nursery). Crédito: David A. Kring.

A equipe de pesquisadores encontrou pequenas esferas de pirita chamadas framboides na amostra, com apenas 10 milionésimos de metro de diâmetro.

Como a pirita é um sulfeto de ferro, ela contém isótopos de enxofre. Esses isótopos mostraram que os framboides eram formados por micróbios e esses micróbios faziam parte de um ecossistema adaptado ao líquido aquecido rico em minerais que fluía pela rede subterrânea. Essa rede estava presente sob o centro fragmentado do anel da cratera de impacto Chicxulub.

A vida precisa de energia para sobreviver – e essa vida microbiana obtém sua energia de reações químicas no sistema de rochas e líquidos.

Esse tipo de vida converteu o sulfato no líquido em sulfeto, que foi, então, preservado como pirita. Esses antigos micróbios termofílicos seriam bastante semelhantes aos micróbios termofílicos que povoam os ambientes extremos da Terra atual, como as fontes hidrotermais profundas do oceano e as fontes termais do Parque Nacional de Yellowstone.

Em seu artigo, os autores escrevem:

“As análises de isótopos de enxofre de framboides de pirita em partes da cratera de impacto de Chicxulub indicam colônias termofílicas de organismos redutores de sulfato que habitaram a rocha porosa e permeável sob o fundo da cratera e que eram alimentados com sulfato transportado através da rocha por meio de um sistema hidrotérmico gerado pelo impacto”.

Eles acrescentam que os mesmos organismos redutores de enxofres se desenvolveram por 2,5 milhões de anos após o impacto, e que os organismos encontrados sob Chicxulub são provavelmente os descendentes diretos desses organismos anteriores.

Esse estudo aparece após 20 anos de pesquisa sobre a hipótese da origem da vida em resultado de impacto. O envolvimento do Dr. Kring começou antes disso, quando ele foi coautor de um estudo de 1992, que ligou a cratera de Chicxulub à extinção em massa da fronteira KT. O Dr. Kring também participou de pesquisas que mostram que a região abaixo da cratera de Chicxulub era porosa.

Pesquisas subsequentes mostraram que a região foi dividida por um vasto sistema de fontes hidrotermais. Agora, esse estudo mostra que o sistema de aberturas hospedava vida.

Foi um caminho longo e árduo para essa última descoberta. O momento e a duração do bombardeio durante o Hadeano foram difíceis de estabelecer, uma vez que nenhuma das crateras Hadeanas da Terra restaram por aí. O estudo das crateras lunares e amostras lunares das missões Apollo mostraram que a Lua foi submetida a intenso bombardeio por aproximadamente 400 milhões de anos durante o Hadeano. A Terra teria sofrido com o mesmo episódio.

A cratera de Chicxulub é o único substituto razoável para uma cratera Hadeano nessa questão. Portanto, a cratera é uma forma de desenvolver e testar a hipótese da origem da vida em resultado de impacto.

Como os autores escrevem em seu artigo, “Chicxulub é a única grande bacia de anel que mostra um centro do impacto ainda intacto e oferece uma oportunidade para estudar os restos de um sistema hidrotérmico gerado por impacto, desde a profundidade até o ambiente da superfície aberta, semelhante para aqueles que podem ter existido antes na história da Terra”.

Também levou tempo e muito esforço para estabelecer por quanto tempo existiram os vastos sistemas hidrotérmicos sob essas crateras. A questão era: eles duravam o suficiente para que ocorressem os processos evolutivos e para que o material biológico migrasse para as crateras de impacto adjacentes e seus sistemas?

A modelagem extensiva mostrou que os sistemas de aberturas duraram o suficiente para que as duas coisas acontecessem.

Os autores escrevem: “Modelos de evolução térmica desse e de outros sistemas hidrotérmicos indicaram que eles tiveram vida longa e produziram volumes significativos de rocha porosa e permeável, adequados para organismos termofílicos”.

Ainda há mais trabalho a ser feito para confirmar a hipótese da origem da vida em resultado de impacto. Em um resumo de duas páginas, o Dr. Kring descreve parte desse trabalho.

Em primeiro lugar, as amostras de rocha da cratera Chicxulub precisam de mais estudos. Kring deseja obter mais informações dessas amostras sobre a evolução – térmica e química – do sistema de fontes hidrotermais.

Também é necessário um melhor entendimento da energia disponível para os microrganismos na crosta granítica que estava presente durante o Hadeano.

Para esclarecer a cronologia dos impactos na Terra, os pesquisadores precisam de mais amostras de bacias de impacto lunar, como a Bacia do Polo Sul-Aitken e outras. No entanto, a cereja do bolo seria encontrar amostras da Terra Hadeana na própria Lua.

“Se amostras sedimentares e fossilíferas pudessem ser localizadas, elas forneceriam um registro direto da evolução inicial da vida na Terra”, escreve Kring.

Julio Batista

Julio Batista

Sou Julio Batista, de Praia Grande, São Paulo, nascido em Santos. Professor de História no Ensino Fundamental II. Auxiliar na tradução de artigos científicos para o português brasileiro e colaboro com a divulgação do site e da página no Facebook. Sou formado em História pela Universidade Católica de Santos e em roteiro especializado em Cinema, TV e WebTV e videoclipes pela TecnoPonta. Autodidata e livre pensador, amante das ciências, da filosofia e das artes.