Por Jill Langlois
Publicado na Smithsonian Magazine
“Aline, isso pode ser um microfóssil?”
A pergunta apareceu no telefone de Aline Ghilardi através da mensagem de seu marido, o também paleontólogo Tito Aureliano, enquanto ela estudava para um exame que a tornaria professora da Universidade Federal do Rio Grande do Norte.
Era 2018, Aureliano examinava o osso fossilizado da perna de um pequeno dinossauro da família dos titanossauros descoberto por Ghilardi 12 anos antes. Especialista em tecidos fossilizados de dinossauros, Aureliano tinha a incumbência de observar mais de perto as protuberâncias esponjosas na superfície do osso.
A dupla de paleontólogos já havia feito uma descoberta fascinante – que o dinossauro, que viveu há mais de 80 milhões de anos durante o período Cretáceo, tinha uma infecção óssea aguda chamada osteomielite. Mas Aureliano separou finas fatias do osso fossilizado para permitir um estudo mais detalhado da infecção, que ainda hoje atinge animais e humanos.
O que ele descobriu quando olhou pelo microscópio foram microfósseis, microrganismos fossilizados geralmente com menos de um milímetro de tamanho. Os microfósseis costumam ser plantas ou animais, mas, dessa vez, eram parasitas. A descoberta o deixou tão chocado que ele soube que teria que enviar uma foto da descoberta para sua esposa imediatamente.
“Quando olhei para a foto, meu queixo caiu no chão”, diz Ghilardi. “Eu disse: ‘Tito, ninguém nunca encontrou nada assim antes. Eu nem sei o que fazer. Eu nem sei o que dizer. Precisamos chamar mais pessoas’”.
A equipe de especialistas que eles reuniram confirmou o que Aureliano suspeitava: havia microfósseis no osso. A descoberta foi excepcional. Na verdade, foi a primeira vez que parasitas fossilizados foram encontrados em um osso de dinossauro. Os paleontólogos publicaram suas descobertas na Cretaceous Research.
Tanto o dinossauro – um pequeno saurópode titanossauro de pescoço longo com cerca de cinco metros do nariz à cauda – e os 70 parasitas sanguíneos encontrados nos canais vasculares de seus ossos são espécies recém-descobertas que ainda não foram nomeadas ou descritas.
Ghilardi havia desenterrado o osso em 2006 em uma escavação no estado de São Paulo e, assim que viu as lesões em sua superfície, soube que queria investigar mais a fundo. Nenhum dos outros fósseis encontrados lá apresentava esse tipo de ferimento e, inicialmente, ela pensou que poderia ter sido causado por uma das formas de câncer ósseo que estava sendo investigada por outros paleontólogos.
Normalmente, as doenças pré-históricas são diagnosticadas em fósseis a olho nu ou por um simples raios-X. Os altos custos do uso de equipamentos microscópicos como tomografias computadorizadas colocam a possibilidade de uma imagem mais detalhada fora do alcance da maioria das equipes de pesquisa. Por isso, Ghilardi e Aureliano pediram ajuda a colegas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo. Lá, eles puderam fazer uma tomografia computadorizada do osso. Foi a primeira vez que um modelo 3D foi criado de um fóssil com esse tipo de patologia.
Com a imagem, os pesquisadores conseguiram diagnosticar as lesões misteriosas não como câncer, mas como osteomielite. Eles também puderam ver que a infecção começava do fundo do osso e indo até a superfície, provavelmente causando muita dor ao dinossauro idoso e criando uma inflamação nos ossos e feridas abertas na pele. Devido à natureza horripilante das lesões, a equipe apelidou a criatura de “Dino Zumbi”.
Ao preparar o estudo, Ghilardi e Aureliano perceberam uma falta de dados histológicos sobre a osteomielite, mesmo em pesquisas relacionadas à medicina moderna. A infecção é mais comumente causada por trauma grave em que o osso e a pele se rompem, permitindo que as bactérias entrem no osso com mais facilidade. A osteomielite é uma preocupação frequente durante a cirurgia ortopédica em humanos.
“Vimos na literatura científica que isso [a decisão de extrair amostras de tecido] só havia sido feito com um dinossauro antes”, diz Aureliano. “E também vimos que havia uma demanda muito grande no mundo da ciência para entender como isso [osteomielite] acontece. Então, queríamos saber como, em nível microscópico, o tecido estava sendo remodelado por causa da infecção”.
Aureliano achava que a preparação de amostras de tecido fino poderia ajudar os cientistas a estudar a osteomielite para fins além da paleontologia.
“Os mecanismos de defesa do corpo ainda não estão 100% compreendidos”, diz Marcus Vinícius Guimarães de Lacerda, infectologista da Fundação de Medicina Tropical Doutor Heitor Vieira Dourado, que não participou da pesquisa. “Esse estudo pode nos ajudar a entender os mecanismos da inflamação ao longo do tempo e como esses mecanismos evoluíram”.
Foi quando cortaram o fóssil para preparar as amostras que Aureliano e a colega Fresia Ricardi Branco, geóloga e professora de paleontologia da Universidade Estadual de Campinas, viram os microfósseis, originalmente um conjunto de dez parasitas, pela primeira vez. Estupefatos, eles, então, chamaram a paleoparasitóloga Carolina Nascimento, da Universidade Federal de São Carlos, para dar uma olhada mais de perto.
Nascimento conseguiu identificar dezenas de outros, mais de 70 no total, dos microrganismos preservados, que revelaram ser parasitas do sangue. Antes disso, parasitas fossilizados só haviam sido encontrados em âmbar ou fezes fossilizadas.
Porém, uma coisa que a equipe ainda não descobriu é se os parasitas causaram a osteomielite ou se a infecção criou um ambiente ideal que permitiu que os parasitas se aproveitassem do dinossauro, entrassem em seus ossos e se desenvolvessem. Sem sinais de fratura ou mordida no osso, os pesquisadores ficaram se perguntando sobre como a infecção começou.
Agora, Ghilardi e Nascimento estão olhando mais de perto os parasitas para tentar encontrar respostas. Eles sabem que a única razão pela qual foram capazes de compreender as descobertas que fizeram foi o trabalho em equipe entre as especialidades paleontológicas, incluindo patologia, histologia e parasitologia. Eles acreditam que o trabalho conjunto conduzirá a resultados que evidenciem que suas pesquisas podem ajudar no avanço de outras áreas, como também a medicina.
Compreender os caminhos evolutivos da doença, diz Ghilardi, é crucial, principalmente quando envolve parasitas. Saber como a osteomielite afetou animais pré-históricos, como os dinossauros, e como evoluiu antes de infectar animais e humanos hoje, pode ser a chave para encontrar uma maneira de combatê-la.
“Isso pode nos dar uma pista”, diz ela, “de onde procurar uma cura”.