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Cérebros diferentes causam comportamentos diferentes?

Por Sergio Morales Inga
Publicado na Cultura y Evolución

Tradução de Douglas Rodrigues Aguiar de Oliveira

O estudo das diferenças entre homens e mulheres é um campo controverso. Nessa área, o estudo das diferenças cerebrais toma o posto. Para aqueles que entendem o comportamento a partir da biologia, as diferenças neurológicas explicam por que homens e mulheres se comportam de forma diferente em praticamente todo o mundo. Por outro lado, para aqueles que explicam o comportamento a partir das relações socioculturais, as diferenças cerebrais entre os sexos não exercem uma grande influência. Quem está certo? O que a evidência diz?

Um primeiro passo fundamental na compreensão dessa discussão é separar dois domínios: diferenças neurológicas (ou DNE, ou seja, as diferenças entre os cérebros de homens e mulheres) e diferenças comportamentais (ou DCO, ou seja, diferenças na forma como homens e mulheres se comportam). Isso deve ficar claro porque ninguém nega que homens e mulheres têm diferenças no cérebro e no comportamento. O debate não vai para esse lado. Somado a isso, um segundo passo na compreensão da discussão é que a literatura não reconhece DNE e DCO como domínios separados, mas como interligados (ou seja, há uma relação íntima entre cérebro e comportamento). Onde está o debate? Simples, a disjunção não está no primeiro ponto, mas no segundo. O que normalmente é discutido não é se há uma relação entre cérebro e comportamento, mas como essa relação ocorre, ou seja, como DNE e DCO interagem.

Para alguns, as diferenças nos cérebros de homens e mulheres explicam por que homens e mulheres se comportam de forma diferente (o cérebro explica nosso comportamento). Mas para outros, as diferenças nos cérebros de homens e mulheres não explicam as diferenças em seu comportamento (o cérebro não explica nosso comportamento). Podemos chamar ambas as posições de afirmativa e negativa, respectivamente. Uma vez que o debate é sobre o tipo de vínculo entre DNE e DCO, diremos em termos técnicos que, enquanto a posição afirmativa defende um vínculo causal (o cérebro explica o comportamento), a posição negativa defende um vínculo correlacional (o cérebro não explica o comportamento). Como todos devemos saber, apenas um nexo causal é explicativo (correlações não têm essa capacidade). Em um esquema conceitual, as coisas ficariam dessa forma:

Posição afirmativa: DNE explica DCO (o cérebro explica o comportamento). Há um vínculo causal entre os dois.

Posição negativa: DNE não explica DCO (o cérebro não explica o comportamento). Há um vínculo correlacional entre os dois.

Dito isso, a questão é: até que ponto DNE causa DCO? O quão verdadeiro é a afirmação de que nosso cérebro determina nosso comportamento? Para resolver esse debate, é necessário não partir de qualquer estudo que, com uma amostra limitada, argumente que o DNE impacta ou influencia DCO. Esse pode até ser um terceiro ponto-chave a ser considerado: quando falamos sobre DNE e DCO entre homens e mulheres, estamos falando sobre diferenças médias, ou seja, como certos traços neurológicos influenciam o comportamento de homens e mulheres em um país ou região. Não estamos falando sobre diferenças entre indivíduos com condições neurológicas excepcionais.

É evidente que vários traços neurológicos afetam nosso comportamento individual (especialmente quando falamos sobre DCO, também conhecido como diferenças de gênero). Sabe-se que mulheres com hiperplasia adrenal congênita apresentam comportamentos mais tipicamente masculinos. No entanto, essa condição está presente em um grupo populacional bastante pequeno, portanto, não pode ser generalizado em relação à população total de mulheres. O mesmo pode ser dito da síndrome de insensibilidade aos andrógenos no caso dos homens. Para resumir esse ponto: não podemos explicar o comportamento médio de uma população geral de homens e mulheres apelando para um modelo teórico que se destina a compreender o comportamento de uma população muito particular de homens e mulheres. Uma parte não representa o todo.

Então, que tipo de estudos precisamos? Estudos teóricos. Apenas um estudo que revisa outros estudos e formula uma conclusão geral poderia responder se as diferenças nos cérebros de homens e mulheres fazem com que homens e mulheres se comportem de forma diferente. Há estudos desse tipo? Se for apenas sobre diferenças entre homens e mulheres, existem vários estudos desse tipo. Na verdade, a grande maioria dos estudos que postulam a existência de DNE e DCO entre homens e mulheres são revisões de literatura, metanálises ou revisões sistemáticas. Podemos até encontrar livros densos de quase mil páginas que sintetizam as diferenças cerebrais e não cerebrais entre homens e mulheres (Ellis et al., 2008).

Isso significa que todos esses estudos já responderam à pergunta se o DNE explica o DCO? Não, de fato, esses estudos também não podem responder a essa pergunta por um motivo simples: como eu disse anteriormente, o debate não é sobre se existem diferenças no cérebro e nos comportamentos de homens e mulheres, até porque existem. O debate é sobre como ocorre a relação entre DNE e DCO (ou seja, se as diferenças nos cérebros de homens e mulheres explicam causalmente por que homens e mulheres agem de forma diferente). Por serem mais específicos, esses tipos de estudos são mais escassos.

Livro de quase mil páginas que sistematiza as diferenças entre homens e mulheres.

Felizmente, dois estudos foram recentemente publicados para abordar essa questão; ambos são estudos teóricos e exploram o tipo de relação entre nosso cérebro e diferenças comportamentais. O primeiro foi publicado em 2019 pelo neurogeneticista Kevin Mitchell – autor de Innate (2018), um bom livro que explica como certos traços neurológicos influenciam nosso comportamento – no portal Aeon e o segundo foi publicado em 2020 pela neurocientista Melissa Hines na prestigiosa revista Journal of Neuroscience. Como eu disse anteriormente, todos os especialistas reconhecem que há diferenças cerebrais e comportamentais entre homens e mulheres. Mitchell e Hines não são exceção:

“Há uma boa evidência de que os cérebros masculinos e femininos são estruturalmente diferentes em uma escala macroscópica. Vários estudos recentes de neuroimagem em larga escala encontraram numerosas diferenças pequenas, mas correlacionadas, que distinguem coletivamente os cérebros masculinos e femininos nas amostras estudadas”. (Mitchell, 2019)

“Nos últimos anos foram realizados estudos mais amplos e sistemáticos envolvendo centenas ou mesmo milhares de participantes e examinando diferenças sexuais em todo o cérebro, usando procedimentos que não eram distorcidos ao ajustar o tamanho do cérebro”. (Hines, 2020, p. 40)

Como podemos ver, as diferenças cerebrais entre homens e mulheres são aceitas como reais, simplesmente, porque o são. Mas o que os próprios autores dizem sobre se tais diferenças causam diferenças em nosso comportamento? Se mencionarmos as citações anteriores novamente e adicionarmos mais uma frase, encontraremos algo muito interessante:

“Há uma boa evidência de que os cérebros masculinos e femininos são estruturalmente diferentes em uma escala macroscópica. Vários estudos recentes de neuroimagem em larga escala encontraram numerosas diferenças pequenas, embora correlacionadas, que distinguem coletivamente os cérebros masculinos e femininos nas amostras estudadas. No entanto, o simples fato de observar tais diferenças não prova que elas são impulsionadas por fatores biológicos inatos”. (Mitchell, 2019)

“Nos últimos anos, estudos mais amplos e sistemáticos têm sido realizados envolvendo centenas ou mesmo milhares de participantes e examinando as diferenças sexuais em todo o cérebro, usando procedimentos que não distorcem ao ajustar o tamanho do cérebro. Esses estudos têm relatado geralmente que a maioria das regiões do cérebro têm tamanho semelhante em homens e mulheres, e que, quando são observadas diferenças, elas tendem a ser pequenas”. (Hines, 2020, p. 40)

O que tudo isso significa? Embora saibamos que existe DNE entre homens e mulheres, o problema é que não sabemos de onde vêm ou o que os produz. Mais uma vez, dois trechos dos estudos de Mitchell e Hines são esclarecedores:

“Aqui está a questão: não sabemos o que essas diferenças significam. Na verdade, não temos ideia. Isso não é exclusivo das diferenças de sexo: não sabemos o que significam as diferenças no tamanho das pequenas partes do cérebro. E isso apesar dos inúmeros esforços para vincular a variação no tamanho desta ou daquela região do cérebro ou deste ou daquele trato nervoso com uma variação correspondente em traços psicológicos ou comportamentais…” (Mitchell, 2019)

“Alguns pesquisadores e membros da sociedade em geral também podem pensar que a existência de diferenças sexuais no cérebro humano sugere que as diferenças sexuais no comportamento são inatas e, portanto, resistentes à mudança. No entanto, essa perspectiva reflete um mal-entendido. Mesmo sabendo agora que há diferenças sexuais na estrutura do cérebro humano, não sabemos o que as causa”. (Hines, 2020, p. 41)

Aqueles que defendem a posição afirmativa e acreditam que as diferenças cerebrais entre homens e mulheres explicam seu comportamento citam dois tipos de estudos: aqueles sobre diferenças de personalidade e funcionamento cerebral. Por um lado, os afirmacionistas apontam que as diferenças de comportamento de risco, agressividade ou impulsividade são consequência do DNE. Eles até argumentam que a testosterona é a chave dessa dinâmica. No entanto, estudos mais específicos descobriram que o vínculo entre andrógenos pré-natais e comportamento adulto é “muito fraca” (Hines, Constantinescu & Spencer, 2013). Para Mitchell (2019), a questão é clara: “a mera observação das diferenças em tais traços não é suficiente para resolver o debate sobre suas origens ou efeitos”.

Os afirmacionistas também apontam que estudos de neuroimagem determinam que os cérebros de homens e mulheres funcionam de forma diferente, e isso provaria que DNE é inato. No entanto, a questão é mais complexa. Para Mitchell (2019), as técnicas de neuroimagem são uma “falsa pista”, uma vez que tal tecnologia “não é capaz de detectar todas as diferenças que poderiam existir nos circuitos neurais de homens e mulheres”; da mesma forma, não pode determinar se essas diferenças dependem de fatores biológicos ou culturais. Na verdade, a relevância das técnicas de neuroimagem no estudo das diferenças cerebrais e diferenças de gênero tem sido altamente discutida (Rippon, Jordan-Young, Kaiser & Fine, 2014). O que acontece, então, com o vínculo entre cérebro e comportamento? Qual posição é a certa? Para Mitchell e Hines, a questão é muito clara: a relação entre DNE e DCO é correlacional; isso significa que DNE não causa DCO.

“Na ausência de um nexo causal entre as diferenças observadas na estrutura do cérebro e as diferenças comportamentais, tais alegações são puramente especulativas. Os exemplos escolhidos de supostas diferenças sexuais de comportamento também não foram particularmente convincentes […] Afirmações como essas são baseadas em inferências infundadas de que há vínculos estreitos entre o tamanho de partes do cérebro e o desempenho de comportamentos humanos complexos”. (Mitchell, 2019)

“Embora as regiões subcorticais INAH-3 e BSTc tenham sido associadas à orientação sexual e identidade de gênero, as causas desses vínculos são desconhecidas. Além disso, nenhuma outra diferença sexual na estrutura cerebral foi associada a comportamentos humanos ou características psicológicas que mostram diferenças sexuais robustas e confiáveis”. (Hines, 2020, p. 41)

Mesmo em uma revisão de um estudo que afirmou ser impossível distinguir cérebros masculinos de cérebros femininos, Mitchell (2017) argumentou que a mera existência de DN não prova que eles sejam inatos, uma vez que “nenhuma das diferenças observadas foi relacionada a qualquer diferença de sexo em um traço comportamental ou psicológico”. A maioria dos estudos que postulam a existência de diferenças cerebrais entre homens e mulheres é conduzida com população adulta (entre 40 e 80 anos), ou seja, com indivíduos já socializados há várias décadas. Nesses casos, o DNE detectado não parece ser resultado de diferenças inatas, mas consequência da socialização.

Esses tipos de conclusões não aparecem apenas em estudos dedicados à relação cérebro-comportamento (como os de Mitchell e Hines). Na verdade, também podem ser encontrados em estudos que defendem a existência de diferenças, pois, como vimos, reconhecer tais diferenças não implica afirmar que sejam causadas biologicamente (embora muitos opinólogos afirmam o contrário). Durante praticamente todo o século XX, era comum estudar DNE entre homens e mulheres para explicar seu DCO. No entanto, naquela época, novos e melhores estudos mostraram que essas explicações estavam erradas. Embora estudos em animais tenham associado DNE entre machos e fêmeas com seu DCO, em humanos isso era virtualmente impossível.

“Os estudos em animais têm sido mais frutíferos em encontrar diferenças comportamentais e neurobiológicas entre os sexos ao estudar comportamentos replicáveis ​​e bem descritos (como comportamentos motores fixos relacionados à reprodução) que são controlados por um sistema endócrino conhecido. Esses não foram os comportamentos investigados em humanos, em parte porque comportamentos humanos estereotipados sob controle endócrino não são óbvios”. (Janowsky, 1989, p. 261)

“Pode estar claro que em humanos a correspondência entre comportamentos sexualmente dimórficos ou comportamentos específicos de gênero e suas bases neurais permanece indefinida. Alguns estudos sugerem que existem regiões sexualmente dimórficas no cérebro humano que podem estar relacionadas a diferenças funcionais, mas muitos outros estudos não conseguiram replicar essas descobertas”. (Hofman e Swaab, 1991, p. 167)

Pode-se objetar essas afirmações e dizer que tudo isso foi dito no final da década de 1980 e que hoje a ciência avançou tanto que já mostrou que é possível associar DNE entre homens e mulheres com seu DCO. No entanto, quão verdadeiro é isso? Será que as evidências científicas atuais sustentam a tese de que as diferenças no comportamento de homens e mulheres podem ser explicadas por suas diferenças cerebrais? Em outras palavras, a ciência atual afirma que homens e mulheres se comportam de forma diferente porque têm cérebros diferentes? Vamos ver o que a evidência realmente diz.

Para alguns, os homens são de Marte e as mulheres são de Vênus.

No início do novo século, Melissa McCarthy (2008) publicou um estudo na revista Physiological Reviews no qual demonstrou a influência do estradiol (um poderoso estrogênio) no desenvolvimento cerebral e argumentou que as diferenças sexuais na cognição, estresse, ansiedade, escolha alimentar ou locomoção “são documentadas e genuínas” (p. 96). No entanto, a autora esclareceu que “sabemos muito pouco sobre os substratos neurais e as bases mecanicistas dessas diferenças sexuais” (p. 96). Em outras palavras, sabemos que há diferenças, mas não sabemos a que se devem.

Em um estudo recente publicado na revista Cerebral Cortex [estudo neurocientífico realizado com o maior número de pessoas (n = 5216)], Stuart Ritchie e colegas (2018) relataram múltiplas diferenças cerebrais (volume, espessura cortical ou conectividade funcional) entre homens (2.466) e mulheres (2.750), cuja faixa etária oscilou entre 44 e 77 anos. No entanto, os autores também afirmaram que “nossos resultados descritivos não falam diretamente de nenhum mecanismo causal” (p. 2970). Em outras palavras, sabemos que existem diferenças, mas não sabemos a que se devem.

Embora os estudos anteriores não tratem especificamente da relação entre cérebro e comportamento, é possível encontrar – se prestarmos atenção – algumas passagens em que os autores afirmam que DNE não causa DCO. A evidência científica é clara: diferenças cerebrais entre homens e mulheres não causam diferenças em seu comportamento; diferenças nos cérebros de homens e mulheres não explicam por que homens e mulheres se comportam de forma diferente; sexo não causa gênero; seus traços cerebrais (sejam masculinos ou femininos) não determinam seu comportamento, suas preferências, suas competências, seu desempenho ou por que você escolheu estudar matemática. Resumindo: DNE ≠ DCO. Quem afirma o contrário e acredita que nosso cérebro determina diferenças de gênero deve apresentar evidências adequadas ou interromper suas “inferências infundadas” (Mitchell, 2019).

Referências

  • Ellis, L., et al. (2008). Sex differences. Summarizing more than a century of scientific research. USA: Taylor & Francis Group.
  • Hines, M. (2020). Neuroscience and sex/gender: Looking back and forward. Journal of Neuroscience, 40(1): 37-43.
  • Hines, M., Constantinescu, M. y Spencer, D. (2013). Early androgen exposure and human gender development. Biology of Sex Differences, 6(3): 1-10.
  • Hofman, M. y Swaab, D. (1991). Sexual dimorphism of the human brain: myth and reality. Experimental and Clinical Endocrinology, 98(2): 161-170.
  • Janowsky, J. (1989). Sexual dimorphism in the human brain: Dispelling the myths. Developmental Medicine & Child Neurology, 31(2): 257-263.
  • McCarthy, M. (2008). Estradiol and the developing brain. Physiological Reviews, 88(1): 91-124.
  • Mitchell, J. (2017). Debunking the male-female brain mosaic. http://www.wiringthebrain.com/2017/08/debunking-male-female-brain-mosaic.html
  • Mitchell, K. (2018). Innate: How the wiring of our brains shapes who we are. USA: Princeton University Press.
  • Mitchell, K. (2019). Sex on the brain. https://aeon.co/essays/the-gender-wars-will-end-only-with-a-synthesis-of-research
  • Rippon, G., Jordan-Young, R., Kaiser, A. y Fine, C. (2014). Recommendations for sex/gender neuroimaging research: Key principles and implications for research design, analysis, and interpretation. Frontiers in Human Neuroscience, 8, art.650.
  • Ritchie, S., et al. (2018). Sex differences in the adult human brain: Evidence from 5216 UK Biobank participants. Cerebral Cortex, 28, 2959-2975.
Sergio Morales

Sergio Morales

Bacharelado em Antropologia e Mestrado em Epistemologia pela Universidad Nacional Mayor de San Marcos. Possui publicações em periódicos acadêmicos no Peru, Colômbia, Argentina, Espanha e Reino Unido. Colunista de evolução humana, gênero e epistemologia das ciências sociais. Também aborda o campo da evolução cultural através do projeto “Cultura y Evolución”.