Lembro-me de questionar, assim que ingressei na faculdade, “qual é a diferença entre pesquisa e ciência?”. Afinal, ambos são termos utilizados rotineiramente na academia, muitas vezes como sinônimos. Descobri que pesquisa era geralmente definida como o processo sistemático e metódico de avaliar (observar) os fenômenos da natureza, seja através de modelos experimentais ou por observação direta do processo. Ciência, por sua vez, assume um tom menos rígido, estético, articulável, constantemente flertando com o campo metafísico do pensamento.
Por definição, pesquisa é o “ato ou efeito de pesquisar”, ou “série de atividades dedicadas a novas descobertas…”, ou “investigação detalhada”, ou até “conjunto de exames de laboratório”(1). Ciência, por sua vez, recebe um síncrono mais abrangente de definições, dentre elas: “observação e classificação dos fatos inerentes a um determinado grupo de fenômenos…”, ou “o saber adquirido pela leitura e meditação”, ou “conjunto de conhecimentos humanos…”, ou “ramo específico do conhecimento, caracterizado por seu princípio empírico e lógico…”, ou até “disciplinas que mantêm conexões sistemáticas, levando em consideração o estudo de certo tema”(2).
Pensei com meus botões, “não deve ser tão diferente assim, todos os pesquisadores são, necessariamente, cientistas”. Esse pensamento, admito, persistiu por alguns anos, até que de fato virei um soluto no grande caldo acadêmico da pesquisa. Bolsas de graduação, pós-graduação, editais para compra e manutenção de equipamentos, papelada, burocracia, produção, impacto, pompas e circunstâncias. Comecei a notar algo de estranho em grande parte dos pesquisadores, seja nos colegas pós-graduandos ou docentes: a cultura do protocolo e do “n” estatístico submergiram o pensamento científico na Universidade, publicar é a palavra de ordem.
Não me entendam mal, seguir protocolos e obter resultados com significância estatística são muito importantes para a produção de conhecimento, a ciência caminha sobre o rigoroso pavimento da pesquisa acadêmica e publicação de seus resultados. Mas falta a poesia, a beleza, a elegância que a natureza sempre expõe de maneira tão sedutora, quase indecente. É verdade que pesquisadores com um extenso currículo são, frequentemente, capazes de nos encantar com as sutilezas de seu trabalho, mas será que isso não deveria começar mais cedo? Serão necessários anos de frustração para notarmos que nossos trabalhos não se limitam apenas a perguntas e respostas, mas também aos devaneios, abstrações, metáforas…?
Eu sei, eu sei. Às vezes a realidade é muito mais dura que os discursos inspiradores e a noção de “beleza do conhecimento” deixam transparecer. Mas será possível conciliar a verdade, crua, com a beleza, nua, na ciência? Dizia o matemático alemão Hermann K. H. Weyl: “Meu trabalho sempre tentou unir o verdadeiro com o belo; mas quando eu tinha que escolher um ou o outro, eu normalmente escolhia o belo” (tradução livre)(3). Weyl toca em um ponto primordial em suas palavras, o de se tentar ver o “verdadeiro” (dados, estatísticas, figuras…) e o “belo” (a pergunta, a abstração, as metáforas…) unidos, e de olhar para o que é belo, harmonioso e inato, se assim o “verdadeiro” nos falhar.
Murray Gell-Mann, prêmio Nobel em Física, contando sobre seu experimento com interações fracas, que na época contradizia outros sete experimentos já publicados, disse: “…e publicamos antes de saber isso, porque nós achamos que [o experimento] era tão bonito, tinha que estar certo!” (tradução livre). E estava, todos os outros trabalhos estavam errados por meio da razão onde Gell-Mann e seus colegas acertaram pela beleza. Segundo o físico, mesmo Einstein não se importava com os argumentos negativos em relação às suas teorias, e continuou não se importando, mesmo quando todos diziam que ele devia se abrir para o mundo das incertezas quânticas(4).
Reafirmo, não estou procurando por nenhuma revolução na academia, acredito que através da pesquisa, na forma que é desenvolvida nos dias de hoje, temos grandes chances de avançar em direção a um futuro melhor para a humanidade e para o mundo. Apesar dos desafios atuais, em que o lucro e a política são tenebrosas barreiras ao desenvolvimento da ciência, espero que possamos olhar para nosso trabalho como pinceladas em um quadro infinito, onde cada traço desenha a musa, a natureza; e mesmo em imagem imperfeita e desfigurada, iremos contemplar sua bela, nua, crua e exacerbadamente poética face.
Referências
- Dicionário Brasileiro da Língua Portuguesa. Pesquisa por termo: “Pesquisa”. Disponível em: uol.com.br/busca?r=0&f=0&t=0&palavra=Pesquisa Acesso em: 21/09/2016.
- Dicionário Brasileiro da Língua Portuguesa. Pesquisa por termo: “Ciência”. Disponível em: uol.com.br/busca?r=0&f=0&t=0&palavra=Ciência Acesso em: 21/09/2016.
- Newman JR. The World of Mathematics. (2000), Vol. 3, 1831.
- TED – Ideas worth spreading. Beauty, truth and … physics? Disponível em: https://www.ted.com/talks/murray_gell_mann_on_beauty_and_truth_in_physics/transcript?language=en Acesso em: 24/09/2016.