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Como os cientistas estão criando vida sintética a partir do zero

Durante a última década, a facilidade de sequenciamento e criação de DNA melhorou tanto que as possibilidades da engenharia genética se expandiram muito.

Os pesquisadores agora podem ir além dos pequenos ajustes que foram feitos no passado – como adicionar ou desativar um único gene. Em vez disso, alguns cientistas estão agora se concentrando na criação e na reengenharia de organismos artificiais.

Bem-vindo ao estranho novo mundo da biologia sintética, no qual os seres vivos são uma ferramenta a ser manipulada para fins práticos. É um mundo em que, algum dia, organismos projetados do zero poderiam converter resíduos em combustível ou entrar no corpo das pessoas para matar o câncer.

Alguns cientistas vêem a biologia sintética como a melhor aposta para enfrentar alguns dos maiores problemas do mundo – como a crescente demanda por alimentos e energia. Mas a perspectiva de possíveis contratempos, para não mencionar as preocupações de começar a mexer com a vida, certamente também está presente.

Mas afinal, o que é biologia sintética? O termo geralmente se refere à engenharia de novas ferramentas biológicas para fins práticos. Se isso parece muito com a prática existente da  engenharia genética é porque na verdade a engenharia genética é a principal ferramenta da biologia sintética.

Se você for um desses geneticistas de empresas como Monsanto e afins e você está geneticamente criando alimentos como milho e soja para aguentarem uma overdose de agrotóxico, adicionando ou modificando um único gene, isso não é biologia sintética. Mas se você está adicionando um conjunto completo de genes ou criando um código genético inteiramente novo que não existe em nenhum lugar na natureza, então você está definitivamente entrando em território de biologia sintética.

Os biólogos sintéticos usam uma variedade de abordagens, algumas das quais podem se sobrepor:

1. Removendo as “ineficiências” das células.  Alguns pesquisadores estão tentando remover as ineficiências das células, que são um subproduto da natureza aleatória da evolução. Por exemplo, se você está criando bactérias para produzir biocombustíveis, você quer que o processo seja o mais eficiente possível. Os pesquisadores também usam esse tipo de abordagem para encontrar os limites da vida – o quão simples ou diferente pode ser algo e ainda estar vivo.

2. Combinando sequências genéticas de maneiras extremas. É feita combinando vários genes de diferentes organismos para criar novas características. Por exemplo, há algas que tem a capacidade de digerir petróleo, enquanto há outras que apresentam uma incrível capacidade de divisão por mitose. Uma combinação entre essas algas poderia crias um organismo muito eficiente no combate a poluição.

3. Projetando novas “máquinas vivas”. Alguns pesquisadores estão tentando projetar máquinas vivas reprogramando o DNA em circuitos lógicos para fazê-los funcionar como computadores em miniatura. Por exemplo, os pesquisadores conseguiram células para fazer aritmética e mostrar suas respostas, iluminando-se em uma determinada cor.

O que poderíamos fazer com a biologia sintética?

Como qualquer nova tecnologia, é difícil dizer exatamente onde a biologia sintética terá seu maior impacto. Mas existem algumas grandes áreas de atuação, como a medicina, energia, alimentos e meio ambiente só pra citar alguns exemplos.

Na Medicina, a biologia sintética pode, um dia, permitir que os cientistas programem células para detectar e matar precisamente as células cancerígenas. Ou talvez programar células para se reunirem em órgãos extras para transplantes. Alguns cientistas já estão usando organismos parcialmente sintéticos para fabricar drogas que de outra forma seriam impraticáveis. Falei um pouco disso em um artigo que escrevi para Deviante sobre como a biotecnologia e a quarta revolução industrial podem transformar o mundo.

Na produção de alimentos, novas técnicas poderiam permitir que pesquisadores desenvolvessem levedura para produzir cerveja, um vinho perfeito ou criar comida no laboratório com mais eficiência do que cultivá-lo em terra.

Na energia e meio ambiente existe a possibilidade dos biólogos sintéticos possam programar células para produzir combustível utilizável. Já existem pesquisas em que se possa produzir combustível a partir de algas. Idealmente, organismos úteis comeriam coisas que não precisamos, como matéria vegetal não comestível. Ainda mais idealmente, eles comeriam o dióxido de carbono extra na atmosfera que está aquecendo o planeta. Ou lixo tóxico ou resíduos de derramamento de óleo.

Mas o que a biologia sintética fez até agora?

Ainda não estamos no ponto de células projetadas que matam o câncer ou transformam resíduos plásticos em combustível. Isso ainda está no universo das possibilidades. Mas os cientistas  fizeram algumas coisas interessantes:

artemisinina, que é um dos medicamentos mais eficazes no tratamento da malária. Mas por um longo tempo, teve que ser derivado da planta  artemisia annua – um processo lento e caro.

Também já foi criada uma bactéria artificial. Em 2010, pesquisadores do Instituto J. Craig Venter publicaram os resultados de como isso foi feito. Você pode ver os detalhes desse projeto clicando nesse link. Como eles fizeram isso? Eles  pegaram o código genômico de uma espécie bacteriana, modificaram boa parte desse código em laboratório e então o colocaram em uma espécie completamente diferente. Essa bactéria conseguiu sobreviver e se reproduzir por conta própria.

O genoma que eles criaram também incluiu alguns genes deletados e novas sequências que agiram como marcas d’água. E, ao todo, os cientistas criaram a primeira forma de vida que vive de material genético completamente sintético. Eles a  chamavam de primeira célula sintética. (No entanto, eles não disseram que criaram a própria vida a partir do zero. Se tivessem colocado o DNA em uma célula já morta, nada teria acontecido.)

Este trabalho não criou bactérias úteis para qualquer propósito específico, mas foi uma importante prova de princípio de que uma célula pode sobreviver com DNA produzido em laboratório.

Outro exemplo do que já foi feito é a criação de um fermento a partir do zero. Em 2014 cientistas da Johns Hopkins University, sintetizaram um cromossomo muito semelhante a de uma espécie de levedura. Esse cromossomo feito em laboratório foi introduzido em uma célula e partir daí começou a sintetizar o fermento. Você pode saber mais sobre esse feito acessando esse link.

Mas qual o risco de que essas células artificiais oferecem?

Toda tecnologia nova gera muita incerteza. Não dá pra dizer ainda que impactos poderiam ter. Mas pelo menos podemos especular.

Assim como acontece com os transgênicos, que criou um novo tipo de poluição (a poluição genética), essas novas criaturas poderiam se tornar um problema se escapassem para o meio ambiente. Poderiam ainda causar problemas semelhantes ao que espécies exóticas causam.

Geralmente existem regras para que se mate todos os organismos de laboratório antes do descarte, geralmente em um forno de alta temperatura e alta pressão chamado autoclave. (Até mesmo um rato de laboratório morto que não foi geneticamente modificado é autoclavado também).

Por fim, podemos nos questionam quem terá o acesso aos possíveis benefício que essa tecnologia trará. Eu me lembro que quando a tecnologia dos transgênicos surgiram, um dos principais argumentos é que se poderia acabar com a fome no mundo. Mas a gente sabe que as coisas não funcionaram bem assim.

Se quiser saber mais sobre Biologia Sintética é só clicar no link abaixo:
https://planetabiologia.com/o-que-e-biologia-sintetica-resumo/

Daniel Pereira

Daniel Pereira

Biólogo formado pela Unesp, faz especialização em ensino de ciências e matemática. Ama ensinar e aprender. Desde pequeno sua mãe dizia que ele era feito de açúcar. Mas depois descobriu que também é feito de proteínas, lipídeos. nucleotídeos e sais minerais. Tudo misturado com água.