Por Louise Gentle
Publicado no The Conversation
Se você viu o primeiro episódio da nova série da BBC Perfect Planet de David Attenborough, você deve ter visto o comportamento surpreendente de sugar sangue dos tentilhões vampiros. Esses pequenos pássaros existem apenas em duas ilhas remotas nas Galápagos e evoluíram para beber o sangue de aves marinhas muito maiores.
Você também deve ter visto o comportamento curioso do atobá, a ave marinha de que o tentilhão estava sugando o sangue – ele não parecia incomodado e não tentou se livrar do tentilhão.
Então, como essa ave sugadora de sangue e a relativa falta de resistência de seu alvo podem ter evoluído?
Provavelmente começou com um processo chamado “mutualismo”, onde ambos os indivíduos tem benefícios de um relacionamento.
Peixes-limpadores, como o bodião-limpador, por exemplo, montam uma estação de limpeza, normalmente em recifes de coral. Peixes maiores, polvos ou tartarugas visitam a estação de limpeza para fazer com que os peixes menores removam qualquer pele morta, tecido infectado ou parasitas externos.
A relação entre um bodião-limpador e seu “cliente” é benéfica para o cliente à medida que é limpo, ajudando-o a se manter saudável.
Mas o bodião-limpador também se beneficia, pois pode comer os parasitas sem ser comido pelo cliente – uma situação vencedora para todos.
No entanto, a relação evolutiva pode azedar. E se o bodião-limpador não fosse tão cuidadoso e acidentalmente mordesse o cliente?
De repente, o bodião-limpador se beneficia de uma refeição nutritiva. Este indivíduo terá adquirido mais nutrientes do que o normal, o que lhe dá uma vantagem (não importa quão pequena) sobre todos os outros bodiões-limpadores.
A vantagem permite que ele sobreviva o suficiente para se reproduzir e passar seus genes para a próxima geração. Se essa limpeza desajeitada for hereditária, ao invés de um comportamento mais cuidadoso, a prole também possuirá o “gene desajeitado” que resulta em comer a carne do cliente (e não apenas o parasita).
Com o tempo, todos os indivíduos da espécie comerão carne, pois é mais benéfico do que deixá-la intacta – o processo de evolução por meio da seleção natural.
Talvez algo assim tenha acontecido com o Plagiotremus rhinorhynchos, um mímico que parece idêntico ao bodião-limpador-de-listra-azul juvenil.
O peixe cliente maior assume que o P. rhinorhynchos fornece um serviço de limpeza, então espera pacientemente para ser limpo, permitindo que o P. rhinorhynchos evite a predação. Mas o P. rhinorhynchos nunca limpa o cliente – em vez disso, ele arranca um pedaço do peixe maior.
O P. rhinorhynchos até desenvolveu um veneno à base de opioides que anestesia a dor do cliente por tempo suficiente para permitir que ele escape.
Como você pode ver, esta não é uma relação mutualística – o P. rhinorhynchos é o claro vencedor na estação de limpeza, pois ganhou uma refeição nutritiva, enquanto o cliente agora tem uma lesão além de seus parasitas.
Uma corrida armamentista evolutiva
Existem muitas espécies de parasitas no mundo natural, desde animais como os cucos, que enganam outras espécies para que criem seus filhotes, até a planta abelheira que engana os insetos para polinizá-la.
No entanto, o que podemos estar vendo é o resultado de uma corrida armamentista coevolucionária de longa data, em que espécies evoluem em resposta a outras.
No amplo exemplo de predadores e presas terrestres, imagine um cenário há milhares de anos em que todas as espécies corriam na mesma velocidade – não haveria vantagem para predadores ou presas.
No entanto, se a presa gradualmente desenvolve cascos, suas patas criariam menos atrito com o solo, permitindo que a presa corresse mais rápido do que os predadores.
Os predadores estariam perdendo a batalha até que evoluíssem uma resposta – talvez tendo garras não retráteis para maximizar a tração, como faz o guepardo, permitindo-lhes estar na liderança na corrida evolutiva.
Essas relações coevolucionárias podem continuar, e podem até mudar de rumo. Em vez de evoluir para atingir uma velocidade ainda mais rápida, a presa poderia evoluir para pular como as gazelas, assim confundindo os predadores com manobras evasivas.
Na verdade, a hipótese da Rainha Vermelha afirma que as espécies precisam evoluir constantemente, não para vencer, mas apenas para permanecer vivas. A hipótese vem do livro Alice Através do Espelho de Lewis Carroll, onde a Rainha Vermelha explica a terra do espelho para Alice:
É preciso correr muito para ficar no mesmo lugar. Se você quer chegar a outro lugar, corra duas vezes mais.
Curiosamente, pássaros pica-boi encontrados nas savanas africanas se alimentam de forma semelhante aos tentilhões vampiros. Eles removem parasitas de grandes mamíferos, como girafas ou rinocerontes, mas também se alimentam de cera de ouvido e do sangue, evitando que feridas cicatrizem ao bicar as crostas. Esta parece ser uma relação parasitária padrão, em que os pica-bois levam vantagem.
Mas, como os tentilhões vampiros, os pica-bois não são ativamente removidos pelos mamíferos.
Na verdade, eles fornecem um benefício adicional – agem como vigilantes para predadores. Se os pica-bois vêem um predador se aproximando, eles avisam seu hospedeiro mamífero que pode responder de acordo.
A relação entre o tentilhão vampiro e o atobá pode muito bem ter sido uma relação mutualística que evoluiu para uma relação parasitária. É este o início de uma batalha evolutiva entre as duas espécies? Ou talvez, como o pica-boi, haja mais nesta relação que ainda precisamos descobrir?