Um estudo com teor criacionista foi recentemente aceito e publicado na PLoS ONE. No estudo, aparentemente, não há nada absurdo sobre a metodologia usada para entender as características biomecânicas da mão humana. O que gerou debate foi o termo “Creator” não apenas no resumo, mas também na introdução e conclusão do estudo.
No estudo, em tradução literal, temos:
“A ligação funcional explícita indica que a característica biomecânica da arquitetura conjuntiva do tendíneo entre músculos e articulações é o projeto apropriado pelo Criador para executar uma variedade de tarefas diárias de forma confortável.”
De fato, o termo usado foi “Creator”. O mais estranho é que o estudo tenta ligar alguns fatos sobre a mão humana a um possível desejo arquitetado por esse “Criador”. Isso sem mencionar que esse tipo de linguagem não é utilizado em trabalhos acadêmicos, como corretamente apontou o Retraction Watch.
O resto da pesquisa não aparenta ter problemas metodológicos sobre o processo de entender os mecanismos biomecânicos e características fisiológicas da mão humana. O biólogo P. Z. Myers, em seu popular blog de ciência Pharyngula, disse:
“Não há nada de errado com os dados que eu vi, mas os autores fazem um salto surpreendente no resumo e conclusão.”
De forma não surpreendente, alguns leitores mostraram a sua indignação:
O termo “Criador” também faz a seguinte aparição na conclusão:
“Em conclusão, nosso estudo pode melhorar a compreensão da mão humana e confirmar que a arquitetura mecânica é o projeto apropriado pelo Criador para o desempenho ágil de numerosas funções na sequência da remodelação evolutiva da mão ancestral durante milhões de anos.”
Se isso é verdade, então em que parte do artigo está descrito a metodologia que permitiu que os autores pudessem concluir que a arquitetura biomecânica da mão humana é resultado de um “projeto adequado pelo Criador”? Certamente, houve uma falha no processo de revisão do estudo.
Indagado sobre a possível falha no processo de tradução e revisão do estudo, a Retraction Watch entrou em contato com um dos nomes que aparecem listados no estudo:
“Lamento que isso tenha acontecido. Eu estou entrando em contato com a PLoS ONE para ver se podemos resolver o problema”, disse Renzhi Han, da Universidade do Estado de Ohio.
O porta-voz da PLoS também respondeu:
“PLoS acabou de tomar conhecimento desse problema e estamos olhando para isso com profundidade. Os nossos editores internos estão revendo o manuscrito para decidir que ação será tomada. A equipe editorial da PLoS também está avaliando os seus processos.”
A Nature também se manifestou e você pode conferir o resumo desse caso aqui e aqui.
UPTADE – 03/03/2015 – às 23:10
Há mais de um mês de publicação desse estudo, a PLoS ONE decidiu agregar o comentário de um Staff do periódico após as recentes críticas:
“Os editores da PLoS ONE estão preocupados em relação as questões levantadas sobre essa publicação. Concluímos uma avaliação da história da submissão e recebemos conselhos de dois especialistas em nosso conselho editorial. A nossa revisão interna e os conselhos que recebemos confirmam as preocupações sobre o artigo e revelam que o processo de revisão por pares falhou em avaliar adequadamente diversos aspectos do trabalho.
Tendo em conta as preocupações identificadas, os editores da PLoS ONE decidiram retirar o artigo. A retratação está sendo processada e será publicada assim que possível. Pedimos desculpas pelos erros e supervisões que levaram à publicação deste artigo.”
UPDATE – 05/03/2015 – às 05:00
A PLoS ONE publicou uma retratação em seu site, segue a tradução:
“Após a publicação, os leitores demonstraram preocupação sobre a linguagem do artigo que faz referência a um “Criador”, sobre a fundamentação e as conclusões do estudo.
Ao receber essas preocupações, os editores da PLoS ONE realizaram uma avaliação do manuscrito e do processo de pré-publicação e procuraram ainda mais informações sobre o trabalho dos especialistas no conselho editorial. Essa availiação confirmou a preocupação com a racionalidade científica, apresentação e linguagem, que não foram adequadamente abordadas durante a revisão por pares.
Consequentemente, os editores da PLoS ONE consideram que o trabalho em questão não pode ser ignorado e por isso a retratação através dessa publicação.
Os editores pedem desculpas aos leitores sobre a linguagem inadequada do artigo e os erros durante o processo de avaliação.”