Pular para o conteúdo

Depressão e a compreensão de sua etiologia

Por Thales Hein da Rosa*

Depressão

Depressão é um distúrbio no qual emoções normais como tristeza e pessimismo continuam a se manifestar mesmo quando a causa externa desaparece. A ocorrência dessa desordem, em vários casos, acarreta em déficit de qualidade de vida e incapacidade do paciente [1]. Segundo a organização mundial de saúde (OMS), a depressão é a quarta maior causa de incapacidade no mundo [2] e entre as doenças mentais e de comportamento é a que mais afeta a funcionalidade.

Apesar do mecanismo biológico da depressão não ser completamente elucidado, tem-se evidências da participação de vários fatores nessa patologia como: fator genético [3]; estresse [4] [5]; alteração em ciclos circadianos [6] [7]; disfunção em alguns tipos de transmissão de sinapses [8], alterações em neurotransmissores [9], entre outros. Neste texto, tenho por objetivo revisar pontos relevantes na literatura sobre depressão e o envolvimento e interação dos neurotransmissores monoaminérgicos na fisiopatologia dessa desordem.

Neurotransmissores e neurotransmissores monoaminérgicos

Neurotransmissores são substâncias produzidas nas células nervosas e possuem papel fundamental na transmissão da informação de um neurônio para outro. Essas substâncias podem exercer efeito excitatório e inibitório nas comunicações e os exemplos clássicos de neurotransmissores são: acetilcolina, noradrenalina, dopamina, serotonina, glutamato, entre outros.

Neurotransmissores monoaminérgicos são essenciais para a sinalização no sistema nervoso central e sistema nervoso periférico, e estão envolvidos na regulação do movimento, tônus muscular basal, níveis de atividade, humor, atenção, termorregulação, e modulação da dor, circulação, e sono [10] [11].  A noradrenalina, a adrenalina, a dopamina, a histamina e a serotonina compõem essa classe de neurotransmissores.

A hipótese da monoaminodeficiência

A hipótese da monoaminodeficiência vem sendo postulada, desde os anos sessenta, como ponto de referência para se entender a etiologia da depressão. Descobertas feitas acerca dos mecanismos envolvendo os primeiros antidepressivos, indicam que os mesmos bloqueiam a recaptação de noradrenalina e serotonina no neurônio pré-sináptico, levando então a um aumento na disponibilidade desses neurotransmissores na fenda sináptica e na estimulação do neurônio pós-sináptico. Junto a isso foi descrito que inibidores da enzima monoamina oxidase também têm papel antidepressivo. Essas enzimas catabolizam noradrenalina e serotonina nos neurônios pré-sinapticos e, consequentemente, sua inibição levaria a um aumento na viabilidade desses neurotransmissores na fenda sináptica [12]. A hipótese destaca a possibilidade de déficit também nas rotas de síntese de serotonina, sintetizada principalmente através de triptofano [13]. Em sua defesa, a hipótese afirma que dois terços dos pacientes tratados com antidepressivos que utilizam dos mecanismos citados na hipótese apresentam resposta clínica a esses agentes [14].

A teoria do “dano em pacote” (bundle damage)

Essa teoria foi primeiramente publicada em 2009 e alega que os níveis de neurotransmissores monoaminérgicos sinápticos são normais em desordens envolvendo esses aminoácidos, porém esses níveis são insuficientes para compensar o dano em estruturas pós-sinápticas que conduzem o fluxo elétrico [15]. A teoria também diz que diversos fatores como neurotoxinas, traumas e predisposição genética contribuem para o dano na estrutura pós-sináptica, que por sua vez compromete o fluxo elétrico [16].

Conclusão

Enquanto a hipótese da deficiência de monoaminas traz como causa primária do distúrbio um déficit nos níveis de neurotransmissores, a teoria do dano em pacote, por sua vez, indica como causa da disfunção o dano estrutural em neurônios pós-sinápticos. Embora pareçam contraditórias, a hipótese da deficiência de monoaminas e a teoria do dano em pacote não são excludentes entre si. Pelo contrário, essas duas hipóteses podem ser vistas como complementares para o entendimento da etiologia do distúrbio da depressão, agregando diferentes mecanismos que podem levar a disfunção nas sinapses. Deve-se falar, no entanto, que o mecanismo mais utilizado atualmente para se referir como causa principal de disfunções monoaminérgicas e depressão é o de dano em pacote.

Para se ter maior clareza sobre a etiologia da depressão e distúrbios envolvendo neurotransmissores monoaminérgicos, e maiores oportunidades de intervenções, estudos verificando os mecanismos relacionados à dano estrutural neuronal, assim como as rotas de síntese e recaptação desses neurotransmissores devem ser melhor estudadas. Ambos os mecanismos se mostram muito importantes na patologia da depressão e o possível conflito entre as teorias postuladas deve ser mantido longe das pesquisas.

Referências:

  1. J, Spijker, J. et al. Functional disability and depression in the general population. results from the netherlands mental health survey and incidence study (nemesis). Acta psychiatr scand., set. 2004.
  2. Murray, CJ; Lopez, AD. Evidence-based health policy–lessons from the global burden of disease study. Science, v. 274(5288), nov. 1996.
  3. Sullivan PF, Neale MC, Kendler KS. Genetic epidemiology of major depression: review and meta-analysis. Am J Psychiatry 2000;157:1552-62.
  4. Merali Z, Du L, Hrdina P, et al. Dysregulation in the suicide brain: mRNA expression of corticotropin-releasing hormone receptors and GABA(A) receptor subunits in frontal cortical brain region. J Neurosci 2004;24:1478-85.
  5. MacMaster FP, Russell A, Mirza Y, et al. Pituitary volume in treatment-naïve pediatric major depressive disorder. Biol Psychiatry 2006;60:862-6.
  6. Lewy AJ, Lefler BJ, Emens JS, Bauer VK. The circadian basis of winter depression. Proc Natl Acad Sci U S A 2006; 103:7414-9.
  7. Lopez-Rodriguez F, Kim J, Poland RE. Total sleep deprivation decreases immobility in the forced-swim test. Neuropsychopharmacology 2004;29:1105-11.
  8. Brambilla P, Perez J, Barale F, Schettini G, Soares JC. GABAergic dysfunction in mood disorders. Mol Psychiatry 2003;8: 715, 721-37.
  9. Hasler G, van der Veen JW, Tumonis T, Meyers N, Shen J, Drevets WC. Reduced prefrontal glutamate/glutamine and gamma-aminobutyric acid levels in major depression determined using proton magnetic resonance spectroscopy. Arch Gen Psychiatry 2007;64:193-200.
  10. Goldstein, D. S. Catecholamines in the periphery. Overview. Adv. Pharmacol. 42, 529–539 (1998).
  11. Yildiz, O., Smith, J. R. & Purdy, R. E. Serotonin and vasoconstrictor synergism. Life Sci. 62, 1723–1732 (1998).
  12. Meyer JH, Ginovart N, Boovariwala A, et al. Elevated monoamine oxidase A levels in the brain: an explanation for the monoamine imbalance of major depression. Arch Gen Psychiatry 2006;63:1209- 16.
  13. Ruhé HG, Mason NS, Schene AH. Mood is indirectly related to serotonin, norepinephrine and dopamine levels in humans: a meta-analysis of monoamine depletion studies. Mol Psychiatry 2007;12: 331-59.
  14. Mann JJ. The medical management of depression. N Engl J Med 2005;353:1819- 34.
  15. Hinz M. Kohlstadt I. Food and Nutrients in Disease Management Boca Raton: CRC Press; 2009:465–481.
  16. Hinz M, Stein A, Uncini T. Amino acid management of Parkinson disease: a case study. Int J Gen Med. 2011;4:1–10.

 

*Este texto foi produzido por Thales Hein da Rosa, graduando em Biomedicina pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul, como proposta de trabalho da disciplina Introdução à Psicologia para Biomedicina. Simulando o processo editorial de publicações científicas (double-blind peer review), após a produção do texto original, dois outros alunos revisaram anonimamente o manuscrito do colega e deram sugestões para o aperfeiçoamento do mesmo. Assim, Thales produziu e aprimorou o texto acima, o qual revisei e selecionei para ser publicado aqui, no Universo Racionalista.
Destaco e agradeço a importante iniciativa do Universo Racionalista neste projeto. Ao incentivar a divulgação científica produzida por alunos de graduação, ele não apenas amplia o acesso ao conhecimento gerado na academia, como também ajuda a expandir as perspectivas destes profissionais em formação.
João Centurion Cabral

João Centurion Cabral

Psicólogo, mestre e doutorando em Psicologia pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e membro do Laboratório de Psicologia Experimental, Neurociências e Comportamento (LPNeC). Além de ser pesquisador/doutorando em tempo integral e divulgador de ciência nas (poucas) horas vagas, sou um curioso nato buscando entender a natureza do comportamento humano.