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Desmascarando mitos sobre efeito placebo

Por Steven Novella
Publicado na Science-Based Medicine

O efeito placebo é amplamente mal compreendido, mesmo pelos profissionais de saúde, e isso leva a muito raciocínio desleixado sobre possíveis tratamentos. Esse problema foi exacerbado pelo fenômeno da medicina alternativa.

Há décadas, os proponentes da chamada Medicina Complementar e Alternativa (MCA) prometeram que se os tratamentos não convencionais fossem adequadamente testados, a ciência médica confirmaria que eles são eficazes. O conceito de “eficaz” (ou, mais precisamente, “eficácia”) tem uma definição específica na ciência médica – significa que foi encontrado um tratamento com desempenho estatisticamente significativamente superior do que o placebo em um ensaio cego controlado. Várias décadas e milhares de estudos depois, as modalidades mais populares da MCA (homeopatia, acupuntura, reiki e muito mais) demonstraram não serem mais eficazes do que o placebo. Isso significa que elas não funcionam.

Para não serem dissuadidos pela realidade, os proponentes da MCA simplesmente mudaram as regras do jogo. Atualmente, muitos deles estão dizendo que o efeito placebo é real e, portanto, tão eficaz quanto o placebo significa que seus tratamentos funcionam. Como parte dessa estratégia, eles promoveram e ampliaram mitos comuns sobre o efeito placebo. Vamos dar uma olhada mais de perto nesses mitos e mostrar por que eles estão errados.

Mito 1 – “O” efeito placebo

O primeiro e principal mito sobre placebos é que há um efeito placebo (singular). Essa confusão é compreensível, porque os cientistas geralmente se referem como “o” efeito placebo. No entanto, eles estão se referindo ao que é medido no grupo placebo de um ensaio clínico – que o efeito líquido (a diferença entre a linha de base ou nenhum tratamento e um tratamento com placebo) é o efeito placebo desse estudo.

Porém, há diversos efeitos placebo contribuindo para essa diferença. Qualquer coisa que possa dar a aparência de uma melhoria contribuirá para o efeito placebo medido. Esses efeitos placebo incluem: regressão à média – quando os sintomas surgem, é provável que eles retornem à linha de base por conta própria. Se você tiver qualquer doença oscilando em severidade, qualquer tratamento que você utilizar quando seus sintomas estiverem em seu pico será, provavelmente por mero acaso, seguido por um período de sintomas menos intensos.

Semelhante a isso, mas parcialmente distinta, é a realidade de que muitas doenças são autolimitantes. Se você estiver resfriado, provavelmente ficará melhor, mesmo que não faça nada – portanto, qualquer coisa que você fizer será seguida por melhorias. Também há um viés na percepção e no relato de sintomas subjetivos. As pessoas querem se sentir melhor, querem pensar que o tratamento está funcionando e podem agradar ao pesquisador ou ao médico. Além disso, os médicos e pesquisadores querem que seus tratamentos funcionem.

Também há muitos efeitos inespecíficos possíveis apenas no ato de ser tratado. A esperança pode ser uma emoção muito positiva – e isso por si só pode fazer as pessoas se sentirem subjetivamente melhores. Os participantes de um estudo também estão recebendo atenção médica e provavelmente estão prestando mais atenção à sua própria saúde. É provável que sejam mais complacentes com outros tratamentos.

O tratamento sob estudo em si pode ter vários componentes, alguns específicos e outros não específicos. Às vezes, as pessoas se sentem melhores após uma sessão de reiki ou acupuntura simplesmente por que estavam deitadas ouvindo música e inalando incenso durante o tratamento? Quanto de um efeito de relaxamento está em jogo? Importa se você enfiar as agulhas nos supostos pontos de acupuntura (a resposta é não)?

Mito 2 – Efeitos placebo podem causar cura

Como geralmente se pensa que “o” efeito placebo é uma coisa, acredita-se que essa coisa seja uma verdadeira cura física da mente sobre a matéria. Porém, não há nenhuma evidência para apoiar essa interpretação. Na verdade, os pesquisadores que procuram esse suposto efeito de cura dos placebos apenas demonstraram que ele não existe.

Parte do problema aqui é que o termo “cura” é vago. Não possui uma definição específica, mas a implicação é que o reparo biológico está ocorrendo. Na prática, os pesquisadores distinguem marcadores objetivos e subjetivos de melhoria. O subjetivo significa apenas que o paciente se sente melhor de alguma forma, de acordo com seu próprio relato. Eles avaliam sua própria dor, por exemplo. Um resultado objetivo é algo mensurável, como pressão arterial, sobrevivência ou carga tumoral.

Uma revisão sistemática da pesquisa sobre o câncer, por exemplo, descobriu que as intervenções com placebo resultaram em pequenas melhorias nos sintomas subjetivos, mas não no próprio câncer.

Os efeitos placebo são divididos em várias categorias. Uma categoria é ilusória – a percepção errônea da melhoria por meio da regressão à média ou do relato tendencioso. A segunda categoria são efeitos inespecíficos, como conforto emocional de um profissional, relaxamento ou autocuidado ou adesão aprimorada. A terceira categoria é composta pelos efeitos que podem resultar plausivelmente apenas de intervenções psicológicas. Ela se relaciona principalmente ao estresse, depressão, ansiedade e percepção da dor e sintomas subjetivos semelhantes. Há uma conexão mente-corpo – é chamada de cérebro.

Entretanto, não há controle mágico do seu cérebro sobre processos biológicos ou fisiológicos que não estão interligados com o cérebro através de nervos ou hormônios.

Mito 3 – Animais e bebês não podem ter efeito placebo

Esse mito resulta da falsa suposição de que, para ter um efeito placebo, você precisa acreditar que está fazendo um tratamento ativo. É a crença que está causando o efeito e, portanto, é um pré-requisito. Então, a lógica se segue que animais e bebês, que não sabem que estão recebendo tratamento, não podem, portanto, ter um efeito placebo. Qualquer melhoria nesse contexto, portanto, deve ser uma resposta fisiológica ao próprio tratamento.

Já deve ser óbvio, no entanto, que essas suposições estão incorretas. Há muitas fontes de efeitos placebo que não dependem do sujeito saber que está sendo tratado, como regressão à média, natureza autolimitante de muitas doenças e efeitos ou benefícios inespecíficos de intervenções simultâneas.

Porém, alguém precisa determinar que o animal ou o bebê melhorou. Essa pessoa pode estar vulnerável à percepção e aos relatos tendenciosos e também contribuir para qualquer efeito medido.

Isso significa que os estudos de tratamentos em animais ou bebês ainda precisam ser adequadamente controlados e quem está avaliando o resultado precisa estar cego para a alocação do tratamento.

Mito 4 – Tratamentos fantasiosos ou alternativos produzem melhores efeitos placebo

Desesperados para recuperar o papel de seus tratamentos preferidos, mas ineficazes, muitos médicos alternativos argumentam que sua verdadeira experiência é maximizar o efeito placebo. Ok, claro, as evidências científicas mostram que meu tratamento não é melhor que o placebo, mas os efeitos do placebo são reais e eu sou muito bom em provocá-los. Essa é a aposta do “medicamento placebo”.

Eu já desmistifiquei a primeira parte dessa afirmação. Também não há evidências para a segunda parte, de que praticantes alternativos provocam mais efeito placebo. O que as evidências científicas mostram é que todas as intervenções produzirão algum efeito placebo, dependendo principalmente do resultado a ser seguido. Quanto mais subjetivo e passível de variáveis ​​como humor, maior será o efeito medido.

A existência de um efeito placebo não justifica o uso de tratamentos inativos ou pseudocientíficos. Você pode obter os mesmos efeitos com base em intervenções baseadas na ciência. O que está relacionado a isso é a noção de efeitos placebo sem a promoção de qualquer desilusão. Isso é certamente possível, se você incluir todos os efeitos estatísticos e não específicos, mas a maioria dos pacientes provavelmente não ficaria feliz em receber um tratamento que lhes foi dito que era completamente inerte, apenas para que isso viesse a percepção dos sintomas. Todos os tratamentos pseudocientíficos, mesmo que justificados por efeito placebo, são administrados com uma generosa ajuda à desilusão, o que viola a autonomia do paciente.

A outra variável que parece ser importante, mas requer mais estudos, é a relação terapêutica entre médico e paciente. Ter uma relação positiva pode aumentar o efeito placebo medido, mas isso pode ser apenas outra medida com viés.

Em qualquer caso, qualquer coisa útil sobre o efeito placebo pode ser obtida com uma relação terapêutica positiva, utilizando intervenções científicas e seguindo os requisitos éticos de consentimento informado e autonomia do paciente.

Douglas Rodrigues Aguiar de Oliveira

Douglas Rodrigues Aguiar de Oliveira

Divulgador Científico há mais de 10 anos. Fundador do Universo Racionalista. Consultor em Segurança da Informação e Penetration Tester. Pós-Graduado em Computação Forense, Cybersecurity, Ethical Hacking e Full Stack Java Developer. Endereço do LinkedIn e do meu site pessoal.