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Dúvidas sobre efeitos eletromagnéticos no cérebro, consciência e livre-arbítrio

Decidi transcrever uma conversa que tive com meu amigo Marcelo Zanotti, da área de psicologia e neurociência – basicamente ele tirou minhas dúvidas sobre três assuntos em especiais que envolvem a mente humana.

Bom, se você possui alguma dúvida similar a minha, esse texto com certeza será de grande ajuda. Portanto, boa leitura!

01. Existe algum estudo que demonstre que efeitos eletromagnéticos afetam o cérebro?

Ex. Na parapsicologia (pseudociência), os pesquisadores afirmam que as supostas aparições de espíritos e fantasmas é causada por alguma influência eletromagnética (campos eletromagnéticos em casas velhas – consideradas mal assombradas – os campos eletromagnéticos seriam provocados por fiações e instalações elétricas antigas na casa) no cérebro – criando assim sensações de presença “sobrenatural” e vultos na visão periférica.

Ondas eletromagnéticas podem sim modular atividade cerebral, entretanto o que o pessoal da parapsicologia fala é bullshit pra caramba.

Ela tem de ser feita e concentrada em um ponto e aplicada de forma bem próxima ao crânio. E os campos eletromagnéticos com pouca magnitude não afetam o cérebro dessa forma. Eles são muito fracos para dar conta de todas as barreiras que dissipam as ondas, como o couro cabeludo, crânio e as próprias ondas que o cérebro gera que também tem efeito que pode anular uma onda que vem de fora, ou seja, teria de ter uma bobina grudada na cabeça do indivíduo aplicando as ondas para fazer algum efeito. Impedindo dessa forma a modulação do sinal neural do jeito que eles dizem (parapsicólogos).

02. Existe alguma explicação da neurociência para supostas aparições de fantasmas e fenômenos ditos sobrenaturais e paranormais?

Pessoas com esquizofrenia, pessoas com algum dano ou mal funcionamento em regiões temporais do cérebro apresentam essas formas de alucinação, até mesmo pessoas com o cérebro normal, podem ser condicionadas a produzir delírios e alucinações, principalmente em contextos religiosos onde há a presença de parentes e pessoas com comportamento obsessivo sobre o tema da alucinação.

Pessoas que acreditam em Deus, quando estimuladas nos córtices temporais podem sentir a presença de alguém mesmo não havendo pessoa alguma próxima delas, atribuindo a presença a Deus ou outra figura divina. Inclusive relatam ver coisas que não estão vendo.

Essas pessoas que afirmam ver vultos, fantasmas entre outras aparições, nunca se submetem a exames psicológicos completos. Pessoas com depressão podem chegar a ter delírios e alucinações dependendo do contexto em que estão inseridas, se há uso de medicamentos ou drogas ilícitas as chances são maiores ainda.

Dado um contexto mundial que favorece e coloca a religião presente na vida de todo mundo, de alguma forma ou outra… A pouca importância dada por pais, governos e escolas para o desenvolvimento de habilidades psicológicas básicas necessárias a um crescimento com menores chances de desenvolver transtornos psiquiátricos como depressão e ansiedade, você acaba lidando com adultos que tem pouca resistência a frustrações na vida, relacionamentos falidos, manias e obsessões diversas, uso de drogas de forma a corrigir a falta de prazer na vida, isso tudo gera um ótimo contexto para gerar alucinações, delírios e pessoas desequilibradas buscando tão fortemente acreditar em algo, que acabam por ver e sentir que é real o que elas imaginam.

Submeta essas pessoas a exames psicológicos sérios, pautados em psicologia científica. Faça exames do cérebro durante alguns dos testes neuropsicológicos, cheque o histórico médico psiquiátrico e o histórico de vida e relacionamentos da pessoa. É altamente provável que você vai encontrar os ingredientes chave para produção destes conteúdos.

Tente entender que o cérebro é a maquina que processa os estímulos captados pelo corpo, ele as processa dentro de um contexto, ou seja, é necessário um ambiente para o indivíduo estar captando os estímulos, para aí então o cérebro processar.

Não é o cérebro que causa o comportamento, nem o ambiente que causa o comportamento, o que causa o comportamento é a relação entre os dois. É uma relação dinâmica e não linear.

03. O cérebro tem um “mecanismo de crença”?

Isso ainda é motivo de debate, basicamente o cérebro é capaz de fazer associações entre eventos, pense nele como uma maquina de adquirir informações, armazenar e trabalhar essas informações de forma a fazer com que o organismo possa sobreviver. Você pode olhar o sol, sentir o calor e se sentir bem. Ao ver isso faz a associação de que o sol é algo bom que é maior que você. Daí, tcharam! temos o Deus Sol!

04. A neurociência (a ciência em si) explica a consciência? Existe algum estudo que demonstre alguma conclusão? A consciência realmente existe?

Ex. Freud formulou algumas hipóteses não falseáveis sobre a consciência e muitas pessoas usam como argumentos para sustentar dogmas.

Existe uma série de debates dentro da área sobre qual seria o mecanismo neurofisiológico na consciência.

Uma teoria famosa no meio é a da modularidade cerebral, de Jerry Fodor, ele dizia que o cérebro por possuir partes com funções especificas, ao se conectar com outras áreas que possuíam outras funções seria capaz de gerar um processamento em massa dos estímulos ambientais, gerando uma percepção cinemastocópica do ambiente, como se nossos sentidos captassem a realidade como câmeras de vídeo. Para isso, as áreas responsáveis pelos sentidos, memória, raciocínio entre outras deveriam estar funcionando adequadamente. Entretanto essa teoria já ficou meio ultrapassada, uma vez que estudos com pessoas anestesiadas entre outras pessoas com lesões em várias regiões do cérebro, demonstram que não é exatamente assim que acontece.

Agora outros teóricos como Antônio Damasio, dizem que existem níveis de consciência no ser humano e, que esse com funcionamento total do cérebro é o estágio máximo.

Ele divide em protoconsciência, que seria a inconsciente inacessível aos níveis maiores, que no caso seria o sistema de percepção e processamento sensorial que você não percebe o tempo todo. Como por exemplo, a pressão que seus pés fazem contra o seu chinelo, etc… E assim segue-se a lógica.

Como ainda não sabemos totalmente os mecanismos de funcionamento cerebral, o debate continua e não existe uma teoria que já “explicou” a consciência. O que se tem são essas hipóteses aí jogadas…

04. Livre-arbítrio existe?

Ao que tudo indica isso é só uma viagem. Vários autores discutem a questão do livre-arbítrio, desde Foucault, Skinner e Libet.

Vou adotar duas referências para discutir, que são Skinner (psicólogo experimental) e Libet (fisiologista e neurocirurgião):

Skinner, propõe que todo comportamento é controlado pelas consequências que ele produz no ambiente, a relação entre organismo e ambiente, modifica tanto o organismo quanto o ambiente.

Quando você diz que tomou uma escolha para si, e que ela é fruto do seu livre-arbítrio. Você pode perguntar a essa pessoa, sobre a história de vida dela, observar o histórico de consequências de comportamentos específicos dela… e vai ver que a escolha não é fruto de um “livre-arbítrio”, mas sim de um histórico de relações que levou ela a escolher aquela opção.

Você não escolhe nada em vão, ou porque quis, ou porque é livre, você escolhe por detrimento de um histórico de consequências que o levam a escolher uma opção ao invés de outra.

Se você nasce em um ambiente onde sua família inteira gosta de futebol, é altamente provável que você também vai gostar de futebol.

Vai ser mais provável ainda que você jogue futebol, ou compre produtos futebolísticos ao invés de produtos de outros esportes como voleibol.

Até a escolha de quem cortejar tem seu histórico, se você voltar atrás e analisar as relações que você teve com o ambiente.

Agora vem Benjamin Libet.

Ele fez um experimento, onde a pessoa deveria olhar para um relógio. Quando elas sentissem vontade, elas deveriam apertar um botão que faria o relógio parar em um número que elas arbitrariamente decidiram por optar.

Enquanto isso, ele captava os sinais neurais dessas pessoas via eletroencefalograma.

O que ele percebeu foi que antes da pessoa decidir de forma consciente em que número parar o relógio, havia uma atividade cerebral anterior a decisão em cerca de 0,5 até 1 segundo.

Um delay de 0,5-1 segundo era o intervalo entre a decisão tomada de maneira inconsciente até ela se tornar perceptível ao sujeito experimental.

Esses resultados foram replicados e replicados, e até então não refutados. O que fortalece a hipótese que Libet levantou, de que os processos de decisão acontecem de forma inconsciente e que a consciência de uma decisão é na verdade posterior ao processo de decisão.

Em suma, não existiria livre-arbítrio, todo comportamento é pré-determinado pelas consequências e histórico de relações do organismo com seu ambiente. Um detalhe importante é dizer que, não é pelo fato de que o comportamento seja pré-determinado, que podemos sempre prever o que vai acontecer. A capacidade de previsão do comportamento é totalmente a par da pré-determinação do comportamento.

Referências:

  1. No Mundo da Neuroestimulação: A Estimulação Magnética Transcraniana: http://goo.gl/z0J33R
  2. A Consciência Como Fruto da Evolução e do Funcionamento do Sistema Nervoso – Alexandre de Campos, Andréa M. G. dos Santos e Gilberto F. Xavier.
  3. O Mito da Liberdade – Skinner.
  4. Do We Have Free Will – Libet.
Douglas Rodrigues Aguiar de Oliveira

Douglas Rodrigues Aguiar de Oliveira

Divulgador Científico há mais de 10 anos. Fundador do Universo Racionalista. Consultor em Segurança da Informação e Penetration Tester. Pós-Graduado em Computação Forense, Cybersecurity, Ethical Hacking e Full Stack Java Developer. Endereço do LinkedIn e do meu site pessoal.