Por Marcelo Gleiser
Publicado na National Public Radio
“É muito difícil ver que ainda estamos engatinhando, e não surpreende que os colegas relutem em admitir isso (mesmo para si mesmos).”
Foi assim que Einstein encerrou sua carta de 22 de dezembro de 1950 ao físico Erwin Schrödinger, um dos arquitetos da mecânica quântica. Os “colegas” eram Bohr, Heisenberg, Dirac e a maioria dos outros físicos que abraçaram a chamada Interpretação de Copenhague da mecânica quântica que, entre outras coisas, restringia o quanto nós poderíamos saber da realidade: há uma barreira intransponível, resumida no Princípio da Incerteza de Heisenberg, que afirma que não podemos conhecer a posição e a velocidade de um objeto quântico ao mesmo tempo (um elétron, um próton, um átomo) com precisão arbitrária. Esta não é uma limitação tecnológica, mas uma questão de princípio: é como a natureza é.
E tem mais. Um objeto quântico pode estar em dois lugares ao mesmo tempo; ele pode atravessar obstáculos, como um fantasma; ele pode estar morto e vivo ao mesmo tempo, como o infeliz gato de Schrödinger.
Estas coisas são reais? É este o mundo em que vivemos?
Einstein e Schrödinger não teriam a resposta para nada disso. Eles aceitariam que a realidade é mais estranha que a ficção, que o mundo quântico é diferente da nossa realidade cotidiana. Mas eles afirmariam que este é um revés temporário; nós apenas temos que encontrar a teoria correta e voltaremos a ser capazes de determinar as coisas da forma mais confortável possível, com o movimento de uma pedra caindo.
Embora as idas e vindas entre os dois grupos seja um capítulo fascinante na história da ciência, a resposta está nos experimentos. E é aqui que a incrível realidade do quantum se mostra sem quaisquer sinais de cansaço.
Por trás do mistério é a famigerada (ou alguns podem dizer linda) dualidade onda-partícula, que as coisas, especialmente as pequenas coisas, podem e devem ser vistas como uma partícula – sendo limitada no espaço – e uma onda – espalhando-se no espaço. A menos que você seja taoísta, ser duas coisas opostas ao mesmo tempo é muito estranho, como se estivesse quente e frio, claro e escuro ou alto e baixo.
Heisenberg e Bohr alegaram que não é culpa do mundo quântico, é nossa; os elétrons não são nem partículas, nem ondas; eles são imagens que construímos a partir da nossa experiência cotidiana, e estas intuições são inadequadas para descrever o que realmente se passa nos detalhes. A matemática, porém, é cristalina. Podemos calcular à vontade, descobrindo as várias propriedades dos elétrons, átomos e moléculas com uma precisão notável. Uma teoria probabilística não implica em uma teoria excêntrica.
Tudo isso começou em 1924, quando Louis de Broglie conjecturou que os elétrons e todos os pedaços de matéria exibem tanto propriedades de partícula quanto de onda. Inicialmente Einstein adorou a ideia. Em 1927, Clinton Davisson e Lester Germer observaram a difração de elétrons para fora de um cristal de níquel, algo que apenas ondas podem fazer: de Broglie estava certo, os elétrons podem se comportar como ondas. Atravessando duas pequenas fendas, eles interferem um no outro, criando um padrão de interferência claro e escuro numa tela. Projéteis não fariam isso; eles se acumulariam na tela logo atrás dos furos.
Em 1989, Akira Tonomura, da Hitachi no Japão, conseguiu fazer com que elétrons individuais causassem interferência, trazendo a noção de que as partículas da matéria se comportam como ondas com uma clareza sem precedentes. Um único eléctron passa por duas fendas ao mesmo tempo, de modo a criar um padrão de interferência; é por isso que as pessoas dizem que no mundo quântico as coisas podem estar em dois lugares ao mesmo tempo.
E quanto a objetos maiores? Existe um tamanho máximo para além do qual esse comportamento quântico peculiar é perdido? Podemos causar interferência como as ondas? Devido a avanços tecnológicos surpreendentes, experiências de difração foram realizadas com nêutrons (duas mil vezes mais pesados do que os elétrons), átomos e até mesmo moléculas centenas de vezes maiores do que os elétrons. Um exemplo surpreendente é o experimento de 1999 realizado por Anton Zeilinger e seu grupo na Universidade de Viena, onde a interferência foi obtida a partir de buckyballs, grandes moléculas (60 átomos de carbono) em forma de bola de futebol que se parecem com as cúpulas geodésicas de Buckminster Fuller.
Quanto maior o objeto, mais difícil se torna a demonstração da autointerferência. Imagine uma bola de futebol marcando dois gols de uma só vez!
O próximo passo é tentar experimentos de interferência com vírus; e depois com seres vivos reais. Como a vida reage à interferência quântica? Será que algo pode interferir nele mesmo e permanecer vivo? É um longo caminho até chegar ao “teletransporte”, mas só vamos conseguir fazer isso em 2260 se os cientistas continuarem a testar os limites agora.