Traduzido por Julia Bischoff Knevitz
Original de Mike McRae para o ScienceAlert
“Eu já vi muitos gatos sem sorriso”, pensou Alice, “mas nunca um sorriso sem gato! É a coisa mais curiosa que já vi em toda a minha vida!”
É uma experiência com a qual o físico Yakir Aharonov pode se identificar. Junto com o colega físico israelense Daniel Rohrlich, ele mostrou de maneira teórica como uma partícula pode mostrar o seu rosto num cantinho em um experimento sem que seu corpo esteja à vista.
Para ser mais preciso, a sua análise argumenta que informações podem ser transferidas entre dois pontos sem uma troca de partículas.
A teoria remonta a 2013 quando pesquisadores dos Estados Unidos e da Arábia Saudita sugeriram que um tipo de efeito de congelamento aplicado a uma onda quântica ainda pode não ser suficiente para impedi-la de transmitir informações.
“Achamos extremamente interessante – a possibilidade de comunicação sem nada passando entre as duas pessoas que se comunicam entre si”, explicou Aharonov para Anna Demming do Phys.
“E nós queríamos ver se podemos entender isso melhor”.
O modelo experimental no qual eles baseiam os seus cálculos é surpreendentemente simples.
Pense em um corredor com uma extremidade que acaba numa porta espelhada. Na física quântica, onde objetos não são definidos até serem observados, a porta está tanto aberta quanto fechada até ser vista, não muito diferente do pobre gato no experimento mental proposto por Schrödinger.
Se uma partícula fosse enviada pelo corredor, seu destino também seria um campo obscuro de possibilidades até que a sua jornada fosse conhecida. Ela refletiria e não refletiria. Passaria pelo corredor ou não passaria.
Isso acontece porque a onda de possibilidades da partícula possui características de qualquer onda física. Existem cristas e vales controlando as chances da partícula ser encontrada em algum lugar, e fases conforme ela evolui com o tempo.
Simplificando, uma parte da fase da partícula que descreve o seu momento angular, ou spin, deveria mudar em relação ao estado aberto ou fechado do espelho, de acordo com os físicos.
Mesmo quando a própria partícula não deveria estar em nenhum lugar próximo ao fim do corredor, Aharonov e Rorlich descobriram que é quase como se o momento fosse capaz de estender um dedo fantasmagórico para tocar a porta fechada, antes de trazer de volta um pouco de informações com isso.
Partículas não são conhecidas por deixar de fazer coisas como spin ou cargas para ficar perambulando por ambientes distantes. Isso é tão incomum quanto um sorriso permanecer quando um rosto se retira.
“Se você está falando de um gato e seu sorriso [como em Alice nos País das Maravilhas], isso é muito estranho”, disse Rorlich a Demming para o Phys.
“Mas é claro, tudo isso tem que ser traduzido de volta para partículas elementares, e se uma partícula elementar perde seu spin é porque o spin vai para outro lugar – talvez seja algo com o que possamos nos acostumar”.
Aharonov não é estranho a absurdisse da física quântica – semelhante ao país das maravilhas. Mais de meio século atrás, ele trabalhou com o renomado físico teórico David Bohm em uma análise envolvendo efeitos não-locais de partículas em campos eletromagnéticos.
No que agora se chama efeito Aharonov-Bohm, uma partícula carregada pode ser afetada por um potencial eletromagnético, mesmo se estiver confinada a uma área onde os campos magnéticos e elétricos ao redor são zero.
Pense em um barco a vela navegando quando o oceano está tranquilo e o ar está calmo. Claro, “algo” deve estar empurrando a embarcação, você pode argumentar. Sem nada óbvio forçando o seu movimento, seus atenção iria voltar para o horizonte com uma sensação de curiosidade sobre o que mais poderia ser responsável.
O que esse efeito distante realmente é, é tão desconcertante para os físicos quânticos quanto para o resto de nós.
Para que as coisas se movam, algo precisa cruzar a sua localização e dizer em que direção ir ou com que rapidez. As coisas não decidem por si como agir.
E, no entanto, já vemos algumas algumas ações incontestavelmente “estranhas” na física quântica que ainda não foram totalmente explicadas. Ondas “emaranhadas” por uma conexão passada podem se resolver instantaneamente em partículas discretas que se correlacionam umas com as outras, não importa quão distante elas estejam.
A explicação de Aharonov está no conceito chamado momento modular: uma característica das partículas que é difícil de apreciar em grande detalhe sem uma base sólida na matemática dos campos da teoria quântica.
Basicamente, ao contrário do momento comum – que podemos experimentar diretamente disparando balas e fazendo bolhas de sabão flutuantes – o momento modular tem seu espaço no mundo quântico das ondas de probabilidade, a medida que ondulam e interferem umas com as outras através do espaço.
Este não é exatamente o tipo de momento que usaríamos para descrever como uma bola salta em uma máquina. Mas é uma espécie de momento que se destaca na maneira como calculamos as possibilidades de movimento, mesmo se as consequências de suas ações são um pouco mais difíceis de imaginar.
“Embora seja muito surpreendente que as propriedades possam deixar suas partículas, não é tão surpreendente quanto dizer que nada aconteceu e que houve um efeito”, disse Aharonov ao Phys.
Quais implicações práticas o trabalho de base pode ter – se houver – estará nas mãos de futuros experimentos e dos engenheiros.
Para Aharonov e Rohlich, a análise visa resolver a noção do que significa para as partículas agirem localmente, implicando que as suas propriedades – como o sorriso presunçoso do Gato Risonho – às vezes importam mais do que o paradeiro do seu corpo.
Essa pesquisa foi publicada no Physical Review Letters.