Pular para o conteúdo

Foi encontrada vida microbiana em Vênus?

Por Paul Scott Anderson
Publicado no EarthSky

A maioria de nós está familiarizada com a antiga citação de Arthur Conan Doyle: “Uma vez que você elimina o impossível, tudo o que resta, não importa o quão improvável seja, pode ser verdade”. Essas palavras podem ser mais apropriadas do que nunca nessa semana, quando os cientistas anunciaram uma descoberta incrível: tentadoras evidências de vida microbiana em Vênus! Como sabemos, Vênus é um mundo escaldante e inóspito em sua superfície, provavelmente o último lugar onde você esperaria encontrar qualquer tipo de vida. Mas os indícios desses minúsculos venusianos não vêm da superfície do planeta, mas sim das partes superiores de sua atmosfera, onde as condições podem ser notavelmente semelhantes às da Terra.

As empolgantes descobertas são de cientistas dos Estados Unidos e do Reino Unido, do Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT), da Universidade de Cardife, da Universidade de Manchester e outros. Jane Greaves, da Universidade de Cardife, liderou o estudo.

O novo artigo da pesquisa revisado por pares foi publicado na Nature Astronomy hoje, 14 de setembro de 2020. A Royal Astronomical Society também forneceu um briefing online para jornalistas via Zoom, com três dos pesquisadores do estudo para discutir os resultados, bem como publicar o próprio comunicado de imprensa.

Deve-se notar que isso ainda não é a prova de vida em Vênus, mas os pesquisadores apresentam um indício convincente.

Desde que sabemos sobre as condições do planeta graças às visitas de sondas espaciais, Vênus sempre foi considerada um dos menos prováveis ​​para sustentar vida de qualquer tipo. Com temperaturas escaldantes, quentes o suficiente para derreter o chumbo e a pressão do ar esmagadora na superfície, junto com grandes quantidades de ácido sulfúrico em suas nuvens, Vênus está longe de ser um lugar acolhedor.

Alguns cientistas, no entanto, especularam que a vida pode ser possível mais acima na atmosfera, onde as temperaturas e pressões são semelhantes à da Terra em uma “zona temperada”. É nessa zona que a descoberta foi feita.

O que os pesquisadores encontraram?

Simplificando: um gás que não deveria estar lá e na Terra é considerado uma bioassinatura conclusiva: fosfina, um gás muito fedorento. Pelo que os cientistas sabem, existem apenas duas maneiras de produzi-lo: artificialmente em um laboratório ou por certos tipos de micróbios que vivem em ambientes com ausência de oxigênio. Como é bastante improvável que haja laboratórios alienígenas em Vênus, isso nos leva aos micróbios.

Os pesquisadores fizeram a detecção usando o telescópio James Clerk Maxwell (JCMT), no Havaí, e o observatório Atacama Large Millimeter Array (ALMA), no Chile.

Pesquisadores do MIT já haviam publicado estudos mostrando que se a fosfina fosse encontrada em outro planeta rochoso, seria seguramente um sinal de vida lá. Daí porque essa descoberta é tão provocativa. Mas antes de anunciar essa evidência tentadora, os pesquisadores, é claro, queriam tentar descartar outras explicações. Eles consideraram e testaram vários cenários em que esse gás poderia ser produzido sem a presença de vida, mas, como eles reconhecem, não deram certo. Clara Sousa-Silva, do MIT, cuja especialidade profissional é o estudo da fosfina, afirmou em comunicado:

É muito difícil evidenciar uma ausência. Agora, os astrônomos vão pensar em todas as maneiras de justificar a presença da fosfina sem vida, e eu acolho isso. Por favor, façam isso, porque estamos no fim de nossas possibilidades de apresentar processos abióticos que podem produzir fosfina.

Encontrar fosfina em Vênus foi um bônus inesperado! A descoberta levanta muitas questões, por exemplo: como qualquer organismo poderia sobreviver nessas condições. Na Terra, alguns micróbios podem lidar com até cerca de 5% de ácido em seu ambiente, mas as nuvens de Vênus são quase inteiramente feitas de ácido.

Visão em cores falsas de Vênus (para trazer detalhes) da sonda Akatsuki do Japão. Créditos: JAXA / ISAS / Equipe do Projeto Akatsuki / Royal Astronomical Society.

O coautor Janusz Petkowski adicionou:

Isso significa que isso é vida ou é algum tipo de processo físico ou químico que não esperávamos que acontecesse em planetas rochosos.

Realmente percorremos todos os caminhos possíveis que poderia explicar a produção de fosfina em um planeta rochoso. Se isso não for vida, então nossa compreensão dos planetas rochosos é muito deficiente.

Essa é uma declaração bastante definitiva de se fazer.

Jane Greaves, da Cardiff University, que liderou o estudo da fosfina. Crédito: Universidade de Cardife.

Greaves disse:

Esse foi um experimento feito por pura curiosidade, realmente, aproveitando a poderosa tecnologia do Telescópio James Clerk Maxwell e pensando em futuros instrumentos. Achei que seríamos apenas capazes de descartar cenários extremos, como nuvens sendo recheadas de organismos. Quando obtivemos as primeiras evidências de fosfina no espectro de Vênus, foi um choque!

Os pesquisadores processaram os dados por seis meses antes de se convencerem de que a fosfina estava realmente lá. De acordo com Anita Richards, do centro regional do ALMA no Reino Unido e da Universidade de Manchester:

Para nosso grande alívio, as condições eram boas no ALMA para observações posteriores enquanto Vênus estava em um ângulo adequado com a Terra. Porém, processar os dados foi complicado, já que o ALMA normalmente não está procurando efeitos muito sutis em objetos muito brilhantes como Vênus.

Greaves disse:

No final, descobrimos que ambos os observatórios tinham visto a mesma coisa: uma absorção fraca no comprimento de onda certo para ser o gás fosfina, onde as moléculas são iluminadas por trás pelas nuvens mais quentes abaixo.

William Bains, no MIT, liderou o trabalho na tentativa de avaliar outras formas naturais de produzir fosfina em Vênus. Algumas ideias incluíam a luz do sol, minerais que evaporavam da superfície, vulcões ou relâmpagos, mas nenhum deles poderia chegar perto o suficiente disso. Esse tipo de fonte só poderia produzir, no máximo, um décimo milésimo da quantidade de fosfina que os telescópios viram. Portanto, algo está produzindo muito mais desse gás. De acordo com Paul Rimmer, da Universidade de Cambridge, os organismos terrestres só precisariam trabalhar a cerca de 10% de sua produtividade máxima para produzir a quantidade de fosfina encontrada em Vênus.

Na Terra, a fosfina é produzida por micróbios que não precisam de oxigênio. Eles absorvem minerais de fosfato, adicionam hidrogênio e, por fim, expelem o gás fosfina. Como Vênus praticamente não tem oxigênio em sua atmosfera, essa é outra semelhança, sugerindo que o gás na verdade vem de micróbios.

Como Vênus é quente demais em sua superfície para quaisquer micróbios terrestres conhecidos, eles devem estar em sua atmosfera. É uma região temperada, entre 48 e 60 quilômetros acima da superfície, onde as temperaturas variam de -1 a 94 graus Celsius. Essa é a zona habitável de Vênus, e por acaso é onde a fosfina foi encontrada. Como Petkowski observou:

Esse sinal de fosfina está perfeitamente posicionado onde outras pessoas conjeturaram que a área poderia ser habitável.

O telescópio James Clerk Maxwell no Havaí foi o primeiro a detectar o sinal de fosfina na atmosfera venusiana. Créditos: Will Montgomerie / EAO / JCMT / Royal Astronomical Society.

Os pesquisadores agora farão mais observações por telescópio, inclusive para procurar outros gases que possam estar associados à vida. Eles também querem ver se há variações diárias ou sazonais no sinal que sugerem atividades associadas à vida. Emma Bunce, presidente da Royal Astronomical Society, defende o retorno das missões a Vênus, dizendo:

Uma questão-chave na ciência é se a vida existe além da Terra, e a descoberta da Professora Jane Greaves e sua equipe é um passo importante nessa busca. Estou particularmente feliz em ver os cientistas do Reino Unido liderando uma descoberta tão importante, algo que é um forte motivo para uma missão espacial de retorno a Vênus.

Petkowski disse:

Você pode, em princípio, ter um ciclo de vida que permite a vida nas nuvens de maneira contínua. O meio líquido em Vênus não é água, como na Terra.

Os cientistas também acham que Vênus costumava ser muito mais habitável alguns bilhões de anos atrás, e até tinha oceanos antes do efeito estufa descontrolado se estabelecer. Segundo Sousa-Silva:

Há muito tempo, as evidências mostram que Vênus tinha oceanos e provavelmente era habitável como a Terra. À medida que Vênus se tornava menos hospitaleiro, a vida teria que se adaptar, e eles agora poderiam estar nesse espaço estreito da atmosfera onde ainda podem sobreviver. Isso poderia mostrar que mesmo um planeta na borda da zona habitável poderia ter uma atmosfera com um espaço habitável aéreo local.

Essa zona habitável na camada de nuvens pode ser o último refúgio para microorganismos venusianos. Esse é um pensamento incrível – embora difícil de acreditar, mas se os cientistas estiverem certos, então é uma das descobertas mais incríveis da história. Seria incrível saber que não apenas não estamos sozinhos, mas também que tivemos vizinhos no planeta mais próximo da Terra todo esse tempo? Segundo o artigo de Souva-Silva de 2019  na Scientific American sobre a fosfina:

A vida como a conhecemos é provavelmente apenas uma ilha no vasto arquipélago de possibilidades para a biologia. Nossa galáxia tem uma grande diversidade de estrelas e existem planetas orbitando-as de todos os tipos. Só a Terra deu origem a bilhões de espécies. Portanto, não é um grande salto pensar que a própria vida pode surgir em uma grande variedade de formas inesperadas, que preenchem sua atmosfera com moléculas estranhas como a fosfina. Um dia poderemos detectar fosfina em uma dessas atmosferas. Esses não seriam lugares divertidos para nós; francamente, podemos achá-los nojentos. Por outro lado, os residentes desses planetas provavelmente também nos achariam repulsivos (um problema a ser superado pela diplomacia interplanetária). No entanto, se encontrarmos fosfina em um planeta rochoso da zona habitável, onde não há falsos positivos, teremos encontrado vida.

Na revista, ela está falando sobre encontrar fosfina na atmosfera de um exoplaneta orbitando outra estrela. Mas o mesmo cenário básico se aplicaria a outros planetas rochosos em nosso próprio sistema solar. Apesar de suas condições terríveis na superfície, Vênus reside perto da borda da zona habitável do nosso Sol, a região ao redor de uma estrela onde as temperaturas podem permitir a existência de água líquida.

No mês passado, outro estudo discutido na revista Astronomy Magazine e em outros lugares, mostrou como os micróbios poderiam teoricamente existir na atmosfera de Vênus encontrando refúgio dentro de gotas de ácido sulfúrico que também contêm um pouco de água. Eles circulariam por diferentes camadas da atmosfera, nunca alcançando o solo, e sobreviveriam às condições mais extremas passando por um estado de dormência temporária.

Um modelo hipotético de um ciclo de vida para micróbios na atmosfera de Vênus. (1) Micróbios desidratados sobrevivem em estado vegetativo na camada inferior de névoa de Vênus. (2) Os esporos são erguidos por correntes ascendentes para a camada habitável de nuvens. (3) Uma vez encapsulados pelo líquido, os esporos se tornam metabolicamente ativos. (4) Esses micróbios se dividem e as gotículas crescem por meio da coagulação. (5) As gotículas crescem o suficiente para se aprofundar na atmosfera, onde começam a evaporar devido a altas temperaturas, fazendo com que os micróbios se transformem em esporos que flutuam na camada de névoa inferior. Créditos: Seager et al. (2020) / Astronomy.

Embora a descoberta seja surpreendente, os cientistas especularam durante anos que poderia existir vida microbiana na atmosfera de Vênus. Isso pode até explicar, como postulado por alguns cientistas, as manchas escuras incomuns que de alguma forma absorvem luz ultravioleta, chamados de “absorvedores desconhecidos”. Descobriu-se que essas manchas são compostas de minúsculas – mas ainda desconhecidas – partículas do tamanho de bactérias na Terra.

Até Carl Sagan sugeriu que a vida poderia ser possível na atmosfera de Vênus. Mas, devido às nuvens ácidas, qualquer vida microbiana provavelmente seria bem diferente de qualquer outra na Terra. Outros cientistas, incluindo David Grinspoon, também escreveram sobre a possibilidade de vida nas nuvens de Vênus. Alguns dos melhores artigos estão em EOS, Astrobiololgy Magazine, Space e Sky & Telescope. Grinspoon também falou sobre isso na Magellan TV e no Breakthrough Discuss. Agora, parece que eles podem terem estado certos o tempo todo.

Novamente, isso ainda não é uma prova de vida em Vênus, mas é uma evidência tentadoramente próxima. Será muito interessante ver o que as futuras observações mostrarão.

Referência

Informações adicionais

Julio Batista

Julio Batista

Sou Julio Batista, de Praia Grande, São Paulo, nascido em Santos. Professor de História no Ensino Fundamental II. Auxiliar na tradução de artigos científicos para o português brasileiro e colaboro com a divulgação do site e da página no Facebook. Sou formado em História pela Universidade Católica de Santos e em roteiro especializado em Cinema, TV e WebTV e videoclipes pela TecnoPonta. Autodidata e livre pensador, amante das ciências, da filosofia e das artes.