Por Marcelo Gleiser
Publicado na National Public Radio
No seu clássico de 1936, Os Tempos Modernos, Charlie Chaplin alertou a sociedade sobre os perigos da automação excessiva.
Há uma famosa cena na qual o Vagabundo vai trabalhar em uma linha de produção e, após passar muito tempo apertando parafusos, não consegue mais parar de repetir esse movimento.
O ponto central do filme é que a indústria moderna preocupa-se com eficiência e produção, pouco importando-se com os trabalhadores. Chaplin viu a rápida industrialização nos transformando em robôs, precipitando uma gigantesca desumanização da sociedade.
Avançamos 80 anos. Apesar de muitas das operações automatizadas na indústria pesada serem agora realizadas por robôs de verdade, a integração humana com a tecnologia passou do trabalho nas fábricas para nossas vidas pessoais. Assumo, não se trata mais de linhas de produção, apesar delas ainda existirem. Se Chaplin refilmasse Os Tempos Modernos hoje, talvez sua preocupação passasse para nossa integração individual com as máquinas — e o que essa integração significa para a sociedade como um todo.
A maioria das pessoas não consegue viver sem seus smartphones (ainda me causa espanto a utilização do termo “smartphone” para isso). De uma maneira muito real, o seu smartphone é uma extensão de quem você é. Os aplicativos que você escolhe revelam seus gostos e preferências, quase como uma impressão digital de sua personalidade. Conectividade é tudo. Se, Deus queira que não, você esquecer seu smartphone em casa ou perdê-lo, já começa a bater o desespero. Há uma sensação de perda difícil de ser afastada. Mas perda de que, exatamente? Essa é a parte engraçada. Eu especulo que a perda aqui seja a perda de parte de você. Você já está tão integrado a essa tecnologia que isso se tornou você, uma extensão digital de você.
Aliás, eu também tenho culpa nesse cartório. Isto não é uma crítica exacerbada contra os malefícios da tecnologia moderna. Entretanto, creio ser de suma importância a nossa reflexão sobre o que está acontecendo agora, assim como Chaplin o fez com sua obra-prima. Estamos mudando como pessoas. As crianças estão mudando muito mais rapidamente do que os adultos, estando expostas às novas tecnologias desde cedo. Adultos adaptam-se, as crianças absorvem. Para elas, a vida normal é assim, uma integração com as máquinas digitais. Lutar contra essa mudança é, na minha opinião, inútil. É assim que a sociedade funciona agora.
A tendência continuará. O aumento na integração humano-máquina será a regra: carros que dirigem sozinhos, como escrevi aqui na semana passada; dispositivos de imersão em realidade virtual; etc. Isso está acontecendo neste exato momento. Há inúmeros benefícios nisso tudo, claro. Mas também há um perigo: o de esquecermos quem somos quando desligarmos o aparelho.
O desafio que enfrentamos é o de manter um equilíbrio saudável entre a vida conectada e a vida desconectada. A integração máquina-humano é voraz, já que atende à poderosa combinação entre o desejo de expandirmos o nosso alcance e as forças de mercado que querem vender para nós seus produtos, com os anúncios sempre presentes nas telas.
A tentação é a de abandonar o modo de existência desconectado, chamando-o de “antiquado”. Mas o nosso modo desconectado é muito mais do que isso. Os humanos viveram dezenas de milhares de anos em modo desconectado. O modo conectado é uma invenção muito recente. Evoluímos para a integração direta com o nosso ambiente, é daí que vêm as nossas faculdades e capacidades sensoriais normais. Renunciar ao nosso passado evolutivo natural é renunciar a uma parte essencial de nossa humanidade: é permitir que nos tornemos algo que não somos.
Adam Frank, meu companheiro de blog, escreveu acertadamente ontem sobre importância da conexão com o céu em tempo real, diretamente, sem o intermédio de telas. Há algo visceralmente poderoso em experimentar o mundo diretamente, sem nenhum tipo de intermediário. Renunciar a essa sensação é renunciar a uma parte essencial de quem somos. É tornar-se algo do qual sabemos bem pouco, uma criatura incapaz de sentir o mundo onde vive, uma criatura que cairia derrotada sem um carregador e uma tomada.