Por Marcelo Gleiser
A física está em crise? Um artigo escrito na edição de maio da Scientific American pelo físico Joseph Lykken, do Fermilab, e Maria Spiropulu, do Instituto de Tecnologia da Califórnia, apresentam uma questão que tem tirado o sono de um número crescente de físicos. Será que a supersimetria – uma simetria hipotética da natureza proposta cerca de 40 anos atrás – será provada? Ou será que ela será arquivada para a história somente como uma ideia esperta que não funcionou?
Muito coisa está em jogo: a carreira de muitos físicos eminentes, tanto teóricos como experimentais; nosso entendimento de como a matéria se comporta a níveis altos de energia; uma possível solução para o problema da matéria escura, a misteriosa partícula que camufla a nossa e outras galáxias no universo; uma profunda fé enraizada de que a natureza tem uma estrutura fundamentalmente simples, de algum modo codificada numa “super”-simetria; a posição filosófica realista de que o universo é, em essência, compreensível pela razão.
Lykken e Spiropulu fizeram um trabalho maravilhoso explicando porque tantas pessoas querem tanto a supersimetria (chamada afetuosamente de SUSY por seus defensores). [N.T: Do inglês, SUperSYmmetry].
Há muitas questões que gostaríamos de responder, questões que não podem ser respondidas pela descrição atual da física de partículas, o maravilhosamente bem-sucedido Modelo Padrão. O Modelo Padrão incorpora tudo que sabemos até então do mundo material: que existem 12 partículas de matéria (o elétron sendo a mais familiar) e 12 tipos de partículas que transmitem a força entre as partículas e matéria (o fóton sendo o mais familiar). A estes, devemos adicionar a mais recente partícula celebridade, o bóson de Higgs, descoberto em 2012, e o hipotético gráviton, a partícula que supostamente transmite a força gravitacional.
No entanto, não sabemos porque as 12 partículas de matéria estão arranjadas em três famílias de 4 membros cada. Por que não seis famílias? Ou 23? Físicos gostam de entender números, contrariamente à toma-los como um dado. Além disso, não entendemos a vasta diferença entre a massa dessas partículas; por exemplo, o elétron é cerca de 252,000 vezes mais leve que o Higgs. Isso é apenas uma coincidência? Ou existe algum mecanismo mais profundo que pode explica-la?
A outra classe de problemas tem relação com as interações entre as partículas. Da maneira que as representamos, as partículas interagem trocando outras partículas, como dois esquiadores jogando bolas de tênis um no outro. Entretanto, de acordo com a mecânica quântica, todos os tipos de partícula poderiam participar dessa troca, incluindo as mais pesadas. Isso poderia rapidamente transformar as interações em uma guerra, causando efeitos que não são vistos experimentalmente. Então, ou essas partículas superpesadas não existem, ou existe um mecanismo para suprimir a sua presença.
É aí que a supersimetria faz sua entrada triunfal: ela tem o poder de suprimir essas trocas pesadas, agindo como uma espécie de domadora de efeitos quânticos.
Em sua versão mais simples, (chamada de supersimetria “natural”) a teoria faz um excelente trabalho respondendo muitas das questões que o Modelo Padrão deixa em aberto. O problema é que para que ela seja uma verdadeira simetria da natureza, efeitos de teorias supersimétricas devem ser avistados. Em particular, uma de suas predições mais dramáticas é que o número de partículas deve dobrar: toda partícula deve ter uma prima supersimétrica. Dessas, a maioria, ou todas menos uma, são instáveis e decaem muito rapidamente. Mas a mais leve delas deve ser estável e deveria estar por aí, com uma massa não muito diferente da massa do Higgs. Nesse caso, máquinas como o Grande Colisor de Hádrons (LHC) [N.T: Do inglês, Large Hadrons Collider] no CERN na Suíça devem encontra-la.
Até então, nenhum traço da supersimetria deu as graças nos incríveis detectores do CERN. Ou nas dúzias de experimentos espalhados ao redor do globo caçando partículas supersimétricas que chovem dos céus, algo que deveria ocorrer se elas forem, de fato, matéria escura. As coisas não parecem ir bem para a SUSY.
O LHC tem uma nova rodada de medições planejada para 2015 com energias substancialmente maiores. À medida que a energia das colisões aumenta, partículas mais pesadas podem ser “criadas”, a partir da conversão da energia de movimento em matéria, como descrito pela fórmula E=mc². Se nenhuma partícula supersimétrica for encontrada então, os físicos terão que fazer uma decisão muito difícil; não muito diferente de esquecer algo que você amou profundamente e investiu um longo tempo, mas que agora está causando mais prejuízos do que benefícios.
Lykken and Spiropulu dão uma excelente ilustração dessa luta, citando o notável físico Nima Arkani-Hamed, do Instituto para Estudos Avançados:
“E se a supersimetria não for encontrada no LHC?”, ele se perguntou, antes de responder a própria pergunta. “Então faremos novos modelos supersimétricos que colocarão os superparceiros logo após o limiar experimental. Mas isso não significaria que estaríamos modificando a nossa história? Está tudo bem; teóricos não precisam ser consistentes; apenas nossas teorias precisam.”
A questão, entretanto, é por quanto tempo você consegue modificar a sua própria história até perceber que ela está simplesmente errada? Essa é a parte difícil (e empolgante) da pesquisa; nós não temos um caminho traçado à frente, temos que forjar um. E não temos certeza de qual direção tomar, tendo apenas dicas de que ele poderia ir por esse lado ou por este.
Claro que a supersimetria pode ser uma simetria da natureza, mas realizável à energias muito além do alcance de nossas atuais máquinas. Isso é o que Arkani-Hamed estava dizendo. Mas se esse for o caso, nós temos que mudar muito a história e redefinir o que queremos que a supersimetria responda. Claramente, ela não vai ajudar muito em entender o Modelo Padrão.
Teorias precisam ser consistentes. Mas elas também precisam ser falsificáveis: aqui é onde teóricos precisam ser consistentes. Se você não pode testar uma hipótese científica, o que você está fazendo, exatamente?
Supersimetria, bonita como ela é, tem a propriedade irritante de poder sempre se esconder dos testes, um peixe escorregadio que você não consegue segurar. É claro, o último juiz de tudo isso é a natureza por si mesma. Mas uma teoria que está sempre se escondendo de nós serve muito pouco no propósito de um dispositivo científico explicativo.