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Estrelas misteriosas de ‘matéria escura’ podem estar por trás da maior detecção de ondas gravitacionais até agora

Por Michelle Starr
Publicado na ScienceAlert

Em 21 de maio de 2019, a uma distância de 7 bilhões de anos-luz de distância, nossos detectores de ondas gravitacionais foram abalados pela colisão mais massiva até então. A partir da análise do sinal, os astrônomos concluíram que a detecção era o resultado de dois buracos negros colidindo, pesando 66 e 85 vezes a massa do Sol, respectivamente.

Mas e se fosse outra coisa ao invés de uma colisão de buracos negros? Um novo estudo oferece uma interpretação diferente do evento. É possível, de acordo com uma equipe internacional de astrofísicos, que os dois objetos não fossem buracos negros, mas objetos misteriosos e teóricos chamados estrelas de bósons – potencialmente sendo candidatos elusivos à matéria escura.

O evento de onda gravitacional, denominado GW 190521, foi uma descoberta espetacular. O objeto que resultou da fusão de outros dois objetos teria sido um buraco negro com cerca de 142 vezes a massa do Sol – dentro da faixa de massa intermediária que nenhum buraco negro já havia sido detectado antes, chamada de lacuna de massa superior do buraco negro.

Isso foi muuuito legal, mas ainda havia um grande enigma – o buraco negro de 85 massas solares supostamente envolvido na colisão. De acordo com nossos modelos, os buracos negros com mais de 65 massas solares não podem se formar a partir de uma única estrela, como os buracos negros de massa estelar.

Isso porque as estrelas precursoras que produziriam um buraco negro nesta faixa de massa são tão massivas que suas supernovas – conhecidas como supernovas de instabilidade do par pulsacional – deveriam obliterar completamente o núcleo estelar, não deixando nada para trás que pudesse colapsar gravitacionalmente em um buraco negro.

Embora nossa compreensão da formação de estrelas ‘gêmeas‘ não admite muito bem que pares de buracos negros estelares nasçam perto o suficiente para se combinarem, é provável que a explicação seja a fusão de dois buracos negros menores. Mas se formos apenas pelos dados, outro modelo se ajusta ainda melhor.

É possível que o buraco negro tenha sido o produto de uma fusão anterior entre dois buracos negros menores. Mas a equipe de pesquisa liderada por Juan Calderón Bustillo, do Instituto Galego de Física de Altas Energias da Espanha, determinou que estrelas de bósons seriam uma combinação perfeita para os números.

“Nossos resultados mostram que os dois cenários são quase indistinguíveis de acordo com os dados, embora a hipótese da exótica estrela de bósons seja preferida”, disse o astrofísico José Font, da Universidade de Valência, na Espanha.

“Isso é muito empolgante, uma vez que nosso modelo de estrela de bósons é, a partir de agora, muito limitado e sujeito a grandes avanços. Um modelo mais evoluído pode levar a evidências ainda maiores para este cenário e também nos permitiria estudar observações de ondas gravitacionais anteriores sob o pressuposto da fusão de estrelas de bósons”.

As estrelas de bósons são, no momento, puramente teóricas e nunca foram detectadas antes, mas são de interesse crescente para os astrônomos, particularmente na busca por matéria escura.

Elas são, como os buracos negros, previstas pela relatividade geral e são capazes de crescer até milhões de massas solares em um tamanho muito compacto.

Como relatado anteriormente, ao invés das estrelas serem compostas principalmente de partículas chamadas férmions – prótons, nêutrons, elétrons, o material que forma as partes mais substanciais de nosso Universo – as estrelas de bósons seriam inteiramente compostas de bósons. Essas partículas – incluindo fótons, glúons e o famoso bóson de Higgs – não seguem as mesmas regras físicas dos férmions.

Os férmions estão sujeitos ao princípio de exclusão de Pauli, o que significa que você não pode ter duas ou mais partículas com exatamente os mesmos estados quânticos, o que inclui o espaço em que elas se situam. Os bósons, no entanto, podem ser sobrepostos; quando eles vêm juntos, eles agem como uma grande partícula ou onda de matéria. Sabemos disso porque foi feito em um laboratório, produzindo o que chamamos de condensado de Bose-Einstein.

No caso de estrelas de bósons, as partículas podem ser comprimidas em um espaço que pode ser descrito com valores distintos, ou pontos em uma escala. Dado o tipo certo de bósons nos arranjos certos, esse ‘campo escalar’ poderia resultar em um arranjo relativamente estável.

As estrelas de bósons podem realmente se parecer muito com buracos negros, exceto por uma característica: elas não têm uma superfície absorvente que pararia os fótons, ou um horizonte de eventos, então elas aparentariam ser totalmente transparentes. Eles são basicamente bolhas compactas de condensado de Bose-Einstein no espaço.

As incontáveis ​​partículas que compõem essas estrelas massivas ironicamente precisariam ser incrivelmente leves, com milhões de vezes menos massa do que um elétron.

Curiosamente, esse tipo de bóson ultraleve também seria um candidato à matéria escura – a massa desconhecida e invisível responsável por toda a gravidade extra espalhada ao redor do Universo que não podemos explicar. Portanto, encontrar estrelas de bósons ajudaria, pelo menos, a resolver um dos maiores mistérios do cosmos.

De acordo com os cálculos da equipe, se GW 190521 fosse uma fusão entre duas estrelas de bósons, as massas e distâncias envolvidas seriam diferentes, mas resolveria o problema daquele buraco negro de 85 massas solares.

“Em primeiro lugar, não estaríamos mais falando sobre a colisão de buracos negros, o que elimina a questão de lidar com um buraco negro ‘proibido’”, disse Calderón Bustillo.

“Em segundo lugar, como as fusões de estrelas de bósons são muito mais fracas, inferimos uma distância muito mais próxima do que a estimada pelo LIGO e Virgo. Isso leva a uma massa muito maior para o buraco negro resultante, de cerca de 250 massas solares, então o fato de que nós testemunhamos a formação de um buraco negro de massa intermediária permanece verdadeiro”.

No cenário da equipe, quando as duas estrelas de bósons colidiram, elas formaram uma estrela de bósons maior que poderia ter se tornado instável e colapsado em um buraco negro, então é realmente impossível dizer se a interpretação da estrela de bósons está correta, mesmo se pudéssemos ver claramente através da distância revisada de 1,9 bilhão de anos-luz.

Em vez disso, a análise nos fornece as ferramentas para estudar eventos de ondas gravitacionais de massa intermediária que estão ocorrendo no contexto de estrelas de bósons, bem como de buracos negros, com a esperança de encontrar respostas no futuro.

“Se confirmado por análises subsequentes desta e de outras observações de ondas gravitacionais”, disse o astrofísico Carlos Herdeiro, da Universidade de Aveiro, na Espanha, “nosso resultado forneceria a primeira evidência observacional para um candidato a matéria escura há muito tempo procurado”.

A pesquisa foi publicada na Physical Review Letters.

Julio Batista

Julio Batista

Sou Julio Batista, de Praia Grande, São Paulo, nascido em Santos. Professor de História no Ensino Fundamental II. Auxiliar na tradução de artigos científicos para o português brasileiro e colaboro com a divulgação do site e da página no Facebook. Sou formado em História pela Universidade Católica de Santos e em roteiro especializado em Cinema, TV e WebTV e videoclipes pela TecnoPonta. Autodidata e livre pensador, amante das ciências, da filosofia e das artes.