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Evolução: tão real quanto a gravidade

Por Wim Hordijk
Publicado na Plus Magazine

A evolução é comumente (e erroneamente) subestimada como “apenas uma teoria” em discussões públicas. Isto se dá, em parte, pelo não entendimento do que uma teoria significa no meio científico, em oposição ao seu significado na linguagem do dia-a-dia. A evolução por meio da seleção natural é muito mais do que uma mera hipótese, e é uma teoria tão válida e aceita quanto a teoria da gravitação. O que Darwin fez para a biologia pode ser comparado ao que Newton fez para a física – e a matemática cumpre um papel importante em ambas as situações.

A evolução produziu animais maravilhosos, como esse tarsius filipino. Crédito: Wikimedia.

Uma teoria científica é um corpo estabelecido de conhecimento sobre um determinado assunto, sustentado por fatos observáveis, experimentos reproduzíveis, e raciocínio lógico; é uma explicação formal de algum aspecto do mundo natural, testado e verificado por obervações e experimentações criteriosas. Uma boa teoria é aquela que produz projeções úteis e precisas.

Como um exemplo, vamos considerar a gravitação.

Gravitação

No século XVII, Isaac Newton formulou sua lei da gravitação, que explica o movimento de objetos sob influência gravitacional. Esta lei de Newton pode ser utilizada para prever o movimento dos planetas ao redor do sol, e a NASA usou esta mesma lei para aterrissar pessoas na lua e mandar sondas para as fronteiras do sistema solar.

Isaac Newton (1643 – 1727).

No entanto, Newton e muitos outros físicos após ele não conseguiram explicar exatamente o que é a gravidade ou o que a causa. A teoria de Newton foi baseada na observação de objetos em movimento, seguida pela dedução de princípios que são logicamente consistentes com as observações.

No começo do século XX, ficou claro que esta lei de Newton não se mantém em todas as circunstâncias. Quando se trata de planetas ou de maçãs caindo, a teoria da gravitação é perfeitamente adequada; mas quando objetos se movem com velocidades próximas à velocidade da luz, por exemplo, ela para de produzir previsões corretas. Albert Einstein estendeu a lei com sua teoria da relatividade geral, que explica essas discrepâncias.

Durante a década de 1960, o físico Peter Higgs e outros postularam a existência de uma partícula elementar, agora conhecida como Bóson de Higgs, que explicaria o porquê de algumas partículas elementares terem massa. Massa é diretamente relacionada à gravidade: tanto Newton quanto Einstein nos dizem que são corpos massivos que exercem atração gravitacional; então, uma previsão da física de partículas forneceu uma visão mais aprofundada no funcionamento da gravidade. O postulado do bóson de Higgs foi baseado puramente no raciocínio matemático, já que não havia nenhum meio de realmente observar uma partícula dessa natureza. Mas, alguns anos atrás, o CERN anunciou que eles haviam confirmado esta previsão, com seu colisor de partículas.

A teoria da gravitação é uma teoria científica bem estabelecida, suportada por evidências observacionais e experimentais. Ela explica algo sobre o mundo natural, e pode ser diretamente aplicada para obter resultados úteis. No decorrer dos anos, a teoria foi estendida e refinada (algo que é parte normal do processo científico), mas as ideias e princípios básicos resistiram ao teste do tempo.

Agora, vamos dar uma olhada na evolução.

Evolução

No século XIX, Charles Darwin formulou sua teoria da evolução através da seleção natural. O fato de que as espécies sofrem alterações (evoluem) ao longo do tempo não era uma ideia nova, já era algo bem aceito entre os contemporâneos científicos de Darwin. No entanto, o que Darwin forneceu foi uma nova explicação lógica para o porquê de este processo evolutivo acontecer.

Charles Darwin (1809 – 1882).

Os descendentes herdam suas características dos seus pais, mas com pequenas (e em grande parte aleatórias) variações. Contudo, a maior parte dos organismos tem mais do que um descendente, resultando em competição intra e interespecífica por recursos necessários à sobrevivência, como alimento, e por parceiros saudáveis para a reprodução. Isto resulta em um processo de seleção natural, no qual os indivíduos com variações vantajosas (o que faz com que eles tenham mais chance de sobreviver e de conseguir parceiros saudáveis) tenham mais descendentes que os outros. Desse modo, estas variações vantajosas são passadas para a próxima geração em maior quantidade que as desvantajosas, que irão diminuindo em número ao longo das gerações. Em grandes períodos de tempo, o acúmulo dessas adaptações acaba por resultar no evento chamado de especiação; por exemplo, quando uma população de organismos relacionados são separados em duas localizações geográficas, elas irão evoluir em duas direções diferentes.

Mas Darwin e muitos biólogos depois dele não conseguiram explicar exatamente como os organismos herdam características de seus progenitores. Os pensamentos de Darwin foram baseados na observação e na comparação de organismos na natureza (incluindo fósseis), e depois deduzindo princípios gerais de sua evolução que são logicamente consistentes com estas observações.

A teoria da evolução darwiniana, no entanto, ainda era insuficiente em alguns aspectos. Por exemplo, ela não fornecia nenhuma previsão quantitativa. Mas, durante a primeira metade do século XX, a teoria matemática da genética de populações foi desenvolvida. Esta teoria fornece previsões precisas sobre, por exemplo, o quão rápido uma nova variação (mutação genética) se espalha por uma população. Logo depois, a teoria de Darwin e a genética de populações foram unidas no que é conhecido como síntese evolutiva moderna.

Em 1944, o físico Erwin Schrödinger publicou o livro What is life? – O que é a vida?, no Brasil – no qual ele postulou a existência de um certo tipo de molécula, se referindo a ela como um cristal aperiódico, que formaria a base da genética, a qual é diretamente relacionada à herança; então, uma previsão química forneceu uma visão mais aprofundada no funcionamento da evolução. O postulado de Schrödinger foi puramente baseado em raciocínio lógico, já que ele não tinha nenhuma maneira de observar a estrutura de tal partícula. Mas, em 1953, sua previsão foi confirmada com a descoberta da estrutura do DNA por James Watson e Francis Crick. Esta descoberta eventualmente levou ao deciframento do código genético.

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Hoje em dia, a teoria da evolução é utilizada em muitas aplicações práticas. Por exemplo, quando um vírus novo aparece na Ásia, cientistas americanos utilizam filogenética (estudo da história evolutiva) e modelos de genética de populações para prever como o vírus irá evoluir, para que eles possam tentar criar uma vacina potente a tempo de o vírus chegar nos EUA. Matemáticos realizam um papel muito importante aqui, isto não poderia ser feito sem eles. Veja mais abaixo uma visão breve sobre a matemática por trás da filogenética.

Além disso, métodos baseados em evolução são usados em laboratórios para encontrar remédios melhores para diversas doenças, ou em programas de computador com o propósito de encontrar soluções para problemas de otimização. Políticas ambientais também são cada vez mais baseadas em análises evolucionárias (particularmente, a filogenética) para tomar decisões acerca dos esforços para preservação de espécies.

A teoria da evolução é uma teoria científica bem estabelecida, suportada por evidências observacionais e experimentais. Ela explica algo sobre o mundo natural, e pode ser aplicada diretamente para obter resultados úteis. Ao longo dos anos, esta teoria foi (e ainda é) estendida e refinada, mas as ideias e os princípios básicos resistiram ao teste do tempo.

É claro que a história acima é apenas um breve resumo, com muitos dos detalhes e cientistas contribuintes omitidos. Mas, note as semelhanças entre as teorias da gravitação e da evolução, tanto acerca do seu desenvolvimento quanto de sua aplicabilidade prática. A evolução claramente não é “só uma hipótese”, ela é uma teoria científica tão válida quanto a teoria da gravitação, e ninguém saudável iria sugerir que a gravidade não existe, ou que Newton estava errado. Então, por que alguém sugeriria que a evolução não é real, ou que Darwin estava errado?

A matemática da filogenética

Como foi mencionado acima, a ideia da evolução (como mudança ao longo do tempo) já era aceita por diversos biólogos no tempo de Darwin. Mas o modo como a maioria dos cientistas pensava sobre a evolução era em termos de linhagens independentes. Em outras palavras, cavalos evoluem, mas continuam cavalos. O mesmo para tulipas, pombos, tilápias, ou qualquer oura espécie.

No entanto, uma das maiores percepções de Darwin foi que a evolução era um processo que se ramificava. Em outras palavras, uma espécie pode se alterar e diversificar tanto a ponto de que eventualmente ela pode ser considerada mais de uma espécie, por exemplo, devido à separação geográfica de dois grupos desta espécie descendente, situação na qual as pressões ambientais seriam diferentes para cada grupo. Humanos e chimpanzés evoluíram de uma espécie primata em comum que viveu entre 6 e 7 milhões de anos atrás, e todos os pássaros atuais têm um ancestral em comum em um grupo de dinossauros chamados de theropoda, que viveu no período Jurássico (145-200 milhões de anos atrás).

Por isso, a evolução pode ser representada como uma árvore, na qual as espécies atuais (as folhas da árvore) são conectadas pelos galhos, através de seus ancestrais em comum. O primeiro ancestral em comum a todas as espécies forma a raiz da árvore. Esta árvore é comumente chamada de árvore filogenética. Uma das primeiras foi desenhada pelo próprio Darwin em um de seus cadernos de 1837.

Primeiro rascunho de Darwin de uma árvore filogenética hipotética (1837).

Contudo, um dos problemas com a reconstrução de árvores filogenéticas são as inúmeras formas que elas podem ser desenhadas, apesar de apenas uma delas ser a “árvore de verdade”, que representa corretamente as relações evolutivas entre grupos de espécies. Por exemplo, para as espécies homem, macaco, e cachorro, uma árvore filogenética pode ser desenhada de três formas diferentes (note que elas são desenhadas de cabeça para baixo, com a raiz no topo):

As três maneiras possíveis de desenhar uma árvore filogenética para três espécies.

Nesse caso, é óbvio que a da direita é a correta, já que sabemos que o homem e o macaco partilham um ancestral em comum mais recente do que o ancestral que partilham com o cachorro. Mas, para cinco espécies, o número de árvores possíveis sobe para cem. Para dez espécies, existem 30 milhões de possibilidades.

Em geral, existem, para n espécies, o seguinte número de árvores binárias (com raiz):A expressão acima é chamada de duplo fatorial, você pode encontrar mais sobre aqui, e o cálculo desta aqui. Então, o problema agora é como decidir qual das muitas árvores possíveis em um dado número de espécies é a correta.

Cavalos não necessariamente permanecem cavalos.

O modo mais fácil e rápido de construir uma árvore filogenética é simplesmente calcular a distância entre os pares de espécies. Dada a informação genética, como sequências de DNA, a distância entre duas espécies pode ser calculada como o número de locais de nucleotídeos em suas respectivas sequências de DNA onde eles diferem entre si. Isto resulta em uma árvore na qual as espécies separadas por distâncias menores compartilham de um ancestral comum mais recente (como homem e macaco, acima). Contudo, este método assume que as mutações (mudanças evolucionárias) acontecem com uma probabilidade fixa sobre o DNA ao longo do tempo. Infelizmente, isto é muito simplista e pode resultar em uma árvore errada.

Em vez disso, são utilizados modelos probabilísticos sofisticados de como a evolução aconteceu, incluindo a possibilidade de que mutações podem ocorrem com diferentes probabilidades ao longo do tempo e espaço. Depois, são aplicados métodos de máxima verossimilhança para estimar os parâmetros do modelo e avaliar o quão precisa é a árvore. Finalmente, dado que nós não podemos avaliar todas as árvores possíveis, métodos de otimização heurística são usados para tentar encontrar uma árvore razoavelmente precisa. Matemáticos e cientistas da computação ainda trabalham para melhorar estes métodos, especialmente devido ao constante aumento da disponibilidade de dados genéticos.

Outra dificuldade é que a evolução nem sempre pode ser representada como uma árvore na qual cada espécie está conectada com exatamente um ancestral. Por exemplo, algumas espécies de planta evoluíram por hibridização, onde o material genético de duas espécies ancestrais é combinado para formar uma espécie descendente. Ainda, muitas bactérias, até de espécies diferentes, trocam material genético regularmente (transferência genética horizontal), independente de reprodução. Estes casos são conhecidos como eventos reticulados, e não podem ser representados em uma estrutura de árvore. Em vez disso, é necessária uma rede filogenética, que também é tópico ativo de pesquisas.

O principal objetivo da filogenética é construir uma Árvore da Vida completa, contendo todas as espécies conhecidas e suas relações de ancestralidade. Isto conectaria todas as espécies, presentes e passadas, através de suas linhagens individuais mas convergentes, de volta ao ancestral em comum à toda a vida na terra. Como Darwin escreveu no fim de seu famoso livro: “Existe uma grandiosidade nesta forma de considerar a vida, com seus diversos poderes, tendo sido originalmente soprada em algumas formas ou em uma. Enquanto este planeta esteve girando, obedecendo à imutável lei da gravidade, de um começo tão simples inúmeras formas belas e maravilhosas evoluíram e continuam evoluindo.” Parece que a matemática pode fazer uma contribuição significativa para esta grande visão sobre a vida.

Versão em inglês da árvore de Haeckel, de A Evolução do Homem.
Tássio César

Tássio César

Oi. Tenho 19 anos e sou de Campina Grande, na Paraíba. Sou aficionado por biologia e (quase) tudo que ela engloba, e pretendo me formar em medicina.