Por Marcelo Gleiser
Publicado na National Public Radio
Quando me tornei um físico, meu sonho era simples, mesmo que ambicioso: queria entender a natureza, construir teorias que fizessem previsões que seriam eventualmente verificadas por experimentos. Eu seria, então, como os heróis da ciência física, Isaac Newton, Albert Einstein, Antoine Lavoisier, Niels Henrik, David Bohr, pessoas que construíram narrativas que revelaram alguns dos segredos da natureza, pessoas que puderam ver a essência da realidade física além da maioria de nós.
Depois de muitos anos como físico, a ambição foi controlada, é claro. A maioria dos cientistas modernos dá contribuições menores para o conhecimento do que esses gigantes. A ciência mudou muito desde o início do século XX, afastou-se do buscador de verdades solitário em direção a um esforço coletivo, às vezes combinando os esforços de milhares de pessoas no desenvolvimento de teorias e de experiências destinadas a testá-las.
No entanto, a natureza essencial do empreendimento científico permaneceu a mesma: as hipóteses devem ser comprovadas por experimentos. O ideal é que esses experimentos sejam repetitivos, para que mais de um grupo obtenha os mesmos resultados, embora na prática isso possa ser complicado, devido aos desafios de implementação e de custo. O que parece ser uma ideia muito excêntrica pode muito bem ser verificada; do mesmo modo, o que pode ser perfeitamente razoável pode ser excluído.
Tradicionalmente, o projeto era bastante simples: teorias fazem previsões e experimentos podem comprová-las ou não. Por exemplo, a teoria da relatividade geral de Einstein previa que a luz de uma estrela deveria desviar-se de um caminho direto ao passar perto do sol. Este efeito, que funciona para qualquer concentração de massa, sendo mais pronunciado para massas maiores, foi confirmado por uma série de observações alguns anos depois de Einstein tê-lo proposto.
Outra teoria poderia prever o mesmo efeito? Sim. Diferentes teorias podem prever o mesmo efeito observacional. Nesse caso, como os cientistas decidem qual teoria é correta? Nós não decidimos. Não existe isso de teoria “correta”. Há teorias que funcionam melhor em descrever um número maior de fenômenos com um número menor de hipóteses. Essas são as teorias “boas” ou mesmo “belas”. Como um concurso de quem come mais pizzas, em que aquele que come mais (explica o maior número de observações/fenômenos) ganha.
Isso significa que toda teoria deve ser mantida como algo provisório, para que não surja um novo fenômeno que ela não possa descrever. Quando isso acontece, a teoria deve ser ampliada para abranger o novo fenômeno, ou então ser completamente modificada. É essa troca entre o velho e o novo que conduz a ciência para a frente. Quando essa prática não é seguida usando teorias que não podem ser testadas, a ciência estagna. Ela se move em círculos, cega ao que está lá fora.
Ficarei longe da palavra “falsificado”, já que eu não acho que precisamos dela para esclarecer as coisas. Mas apenas para a contabilidade, o filósofo Karl Popper propôs que todas as teorias científicas deveriam ser falsificáveis, isto é, capazes de fazer previsões que podem ser comprovadas como falsas. Popper estava interessado na diferenciação entre ciência e metafísica, o que ele chamava de “problema de demarcação”. Ele perguntou: “O que distingue as ciências empíricas das ciências não empíricas e dos domínios extra científicos?” Popper claramente considerava a física como o epítome de uma ciência empírica.
Isso me leva à possível existência de fadas no multiverso. Como um lembrete, o multiverso, um conceito popular na física teórica moderna, é uma extensão da ideia usual do universo abranger muitas variações possíveis. Sob este ponto de vista, nosso universo, a soma total do que está dentro de nosso “horizonte cósmico” de 46 bilhões de anos-luz, seria um entre muitos outros. Em muitas teorias, universos diferentes poderiam ter propriedades radicalmente diferentes, por exemplo, elétrons e prótons com massas e cargas diferentes, ou nenhum elétron.
Como em Biblioteca de Babel, de Jorge Luis Borges, que reunia todos os livros possíveis, o multiverso representa tudo o que poderia ser real se modificássemos o alfabeto da natureza, combinando-o em tantas combinações quanto possível.
Se por fadas queremos dizer pequenas entidades fabulosas capazes de voar e de executar atos mágicos que desafiam o que consideramos razoável neste mundo, então, sim, por todos os meios, poderia haver fadas em algum lugar no multiverso.
Infelizmente, não poderíamos vê-las nem mesmo confirmar sua existência por meios indiretos.
Outros universos, estando fora de nosso horizonte cósmico, não podem ser observáveis. Pelo menos não dentro da física como a conhecemos, controlada pela velocidade da luz.
Esse fato criou muita controvérsia nos círculos acadêmicos. O que define uma teoria física? Até algumas décadas atrás, era simples: se você tem uma hipótese, ela precisa ser testável. Eventualmente, ela é confirmada ou descartada. Se confirmada, ela é considerada provisoriamente correta. Se sua teoria faz hipóteses não testáveis, ela não é uma teoria.
O que os físicos devem fazer quando as teorias bem-intencionadas parecem escapar do reino do testável?
O cosmólogo Sean Carroll, um colega de muitos anos, acredita que devemos repensar todo o processo. Em um ensaio publicado para o blog Edge e agora em um livro de ensaios coletados editado por John Brockman, intitulado This Idea Must Die: Scientific Theories That Are Blocking Progress (Essa ideia deve morrer: teorias científicas que estão bloqueando o progresso) (meu problema com a questão da unificação), Carroll argumenta que a interação entre teoria e experiência é mais sutil do que o critério de Popper pode lidar:
“Não podemos (até onde sabemos) observar diretamente outras partes do multiverso, mas sua existência tem um efeito dramático sobre como explicamos os dados na parte do multiverso que observamos. O sucesso ou o fracasso da ideia é, em última instância, empírico: sua virtude não é que seja uma ideia pura ou que satisfaça algum princípio nebuloso do raciocínio, mas que nos ajude a explicar os dados, mesmo que nunca visitemos esses outros universos”.
Aqui está a fricção: uma teoria deve ser considerada bem-sucedida se “nos ajudar a explicar os dados”, mesmo que nunca consigamos verificar sua premissa fundamental (neste caso, a existência do multiverso)? Pode tal teoria ser chamada de “empírica”? Eu diria que não. Certamente, tal teoria é útil como um espaço reservado, como algo para manter e usar como um banco de ensaio para ideias. Inúmeros artigos estão sendo escritos sobre o multiverso e suas propriedades potenciais, e isso é uma coisa boa. A última coisa que queremos é censurar a liberdade criativa de um cientista. Mas, uma teoria que presume a existência de entidades físicas cuja realidade não pode ser verificada até certo ponto não pode ser chamada de teoria física.
Por que “até certo ponto?” Porque nós rotineiramente confirmamos a realidade de entidades com as quais não temos contato direto, como elétrons ou fótons. Não vemos elétrons, mas interpretamos sua existência a partir de blips e traços em detectores de partículas. Infelizmente, não podemos fazer isso com universos paralelos ou com dimensões de espaço extra. Para essas teorias, mesmo na melhor das hipóteses, a evidência é sempre indireta. Tudo o que podemos esperar é consistência: Epiciclos explicou muito bem os dados, neste caso, órbitas planetárias, mesmo que eles não tivessem nada a ver com a realidade física.
A mecânica quântica, teoria que descreve elétrons, explica lindamente os dados e, por essa razão, é muito bem-sucedida, mesmo que ainda não tenhamos certeza sobre como interpretá-la. A principal diferença, no entanto, é que a mecânica quântica lida com entidades que têm propriedades testáveis, enquanto o multiverso não. Não podemos fazer experimentos com universos paralelos para verificar se, na verdade, eles têm a gama de propriedades que a teoria prediz.
Os físicos George Ellis e Joseph Silk publicaram um comentário na Nature sobre toda a questão, condenando como perigosas as propostas para mudar a forma como a ciência é feita, especialmente em um momento em que a credibilidade da ciência está sob ataque, tema que visitamos aqui no 13.7 algumas vezes. (Veja a capa da última National Geographic, por exemplo.) Eu estava considerando que esta poderia ser uma questão geracional, quando percebi que eu concordo com eles, apesar de estar mais próximo de Carroll na questão da idade. Precisamos proteger a integridade da ciência. As especulações são parte do processo científico, mas não devem ser promovidas a teorias reais. Declarar o multiverso como uma realidade, além de ser cientificamente inconsistente, certamente fará mais mal do que bem.
Se meus filhos me perguntam se as fadas existem, pelo menos agora eu tenho uma resposta: não no nosso universo, querido, mas quem sabe o que está lá fora no multiverso?