Por Eduardo Quintana
Publicado na ABC
Para o professor Gustavo Esteban Romero, astrofísico e filósofo, a filosofia hoje pode contribuir enormemente para o progresso científico se estiver atualizada e utilizar as ferramentas formais para solucionar antigos problemas. Para o pesquisador argentino, os que depreciam a filosofia o fazem por ignorância ou soberba. Ele ainda disse que falta uma organização científica forte em nível latino-americano.
Romero, além de realizar seu trabalho científico como astrofísico e professor da Universidade Nacional de La Plata, faz filosofia científica, tratando de clarificar conceitos e teorias bem arraigadas na comunidade acadêmica. O pesquisador Superior do Conicet da Argentina é copresidente do comitê de organização do Primeiro Encontro Latino-americano de Filosofia Científica, que foi realizado em Buenos Aires no mês passado.
O que sabemos sobre a matéria escura?
Pouca coisa. A matéria escura é algo proposto para explicar o movimento de matéria visível, ou seja, da matéria que produz a luz, que não se encaixa em nossa concepção atual de gravidade. Se olharmos para as curvas de rotação da nossa galáxia, na parte mais externa da Via Láctea, o que se nota é que a velocidade de rotação não diminui com a distância, como se esperaria com base na teoria newtoniana ou até mesmo de acordo com a relatividade geral, mas que ela se mantém mais ou menos constante até a distância de ordem de 30 a 40 kiloparsecs.
Como se pode explicar isso?
Existem duas formas. Ou a gravidade não funciona bem nestas distâncias e, portanto, temos que mudar a teoria, ou supomos que funciona perfeitamente, mas que existe uma matéria que está produzindo uma alteração, mas que não podemos ver. Esta é a matéria escura, uma matéria que supomos existir, mas que não emite luz.
Por que não emitiria luz?
A única forma é que ela não sofra interações eletromagnéticas, que são as que produzem a radiação que forma a luz. Então, tem que ser uma matéria que não interage eletromagneticamente. Durante um tempo pensava-se que poderia se tratar de corpos negros, como planetas com o tamanho de Júpiter, que não estejam muito quentes para emitir luz, mas essa ideia se desmanchou logo em vários experimentos. Então, começou-se a postular que a matéria escura era um tipo de matéria ainda não conhecida na Terra.
E como seria essa matéria?
Uma matéria que poderia ser supersimétrica. Foi dado o nome genérico de WIMP (Partícula Massiva que Interage Fracamente, em português), isto é, que não produzem radiação eletromagnética e não a vemos. Estas partículas jamais foram detectadas na Terra, por isso seu status segue sendo hipotético.
E aqui como se soluciona o problema?
Bem, ou essas partículas existem, mas são muitos difíceis de detectar, com massas grandes que não podem ser replicadas ou geradas em nosso planetas, ou a gravidade é diferente do que pensamos. Existem pessoas que estão trabalhando em teorias modificadas da gravidade e em como submeter a testes as mesmas.
Na sua opinião, a divulgação científica é importante?
A divulgação científica é muito importante. Todo cientista tem uma importante responsabilidade social que é tornar entendível ao público os resultados de sua investigação. Infelizmente, não são todos que tomam essa tarefa como algo sério e como um modo de vida. Muitas vezes cedem a tentação de fazer declarações exageradas sobre temas marginais ou temas que são extraordinariamente especulativos pela simples razão que estas declarações chamam mais a atenção do que o trabalho cotidiano do cientista, que poderia não ser tão espetacular.
Stephen Hawking seria um exemplo?
Sim, com afirmações como que quando se liga o LHC do CERN talvez uma alteração no estado fundamental do campo de Higgs destruiria o Universo. Isto chama imediatamente a atenção porque um cientista famoso está dizendo que um aparato sofisticado e valioso poderá destruir tudo. É um disparate incrível!
Por que?
Porque as partículas não apenas colidem a grandes velocidades dentro do Grande Colisor de Hádrons, mas também fazem permanentemente na atmosfera. Os raios cósmicos são partículas altamente energéticas que as que se criam no CERN e estão bombardeando a todo tempo a Terra. Não há nada que temer.
E por que se realizam estas declarações?
É para manter o centro de atenção do público, uma vez que já passou a idade mais produtiva do cientista e já que não chama a atenção por suas descobertas, usa mais suas declarações explosivas, que no final são prejudiciais à ciência.
O que o senhor sugere aos pesquisadores na hora de divulgar?
Não devem fazer profecias. Os cientistas não são profetas. O pesquisador, no melhor dos casos, pode fazer algumas suposições informadas, mas dizendo sempre sua fonte de informação e o grau de exatidão do que está afirmando para que o público possa entender o tipo de suposição que foi feito. Tampouco, o cientista deve ser alarmista ou disfarçar a realidade. O que o cientista deve fazer é dizer a verdade. Se a probabilidade de que ocorra um evento é de 1 em 1.000.000 não se deve apresentar que este evento ocorrerá amanhã simplesmente para chamar a atenção. Ali há um outro tema subjacente que é a ética.
O cientista devem conhecer mais de ética?
Eles passam muito tempo engajados em suas pesquisas ou cálculos e se descuidam em outros aspectos de sua formação integral, como a filosofia ou uma descrição geral do mundo. Isto acaba prejudicando a capacidade do cientista, não apenas de fazer uma investigação, mas de interagir com o seu meio.
A filosofia deve estar mais presente entre os cientistas?
Um bom cientista deve ter conhecimentos de filosofia. Isto o leva a ajudar a entender as ferramentas com as quais trabalha, como as leis, analisar os pressupostos de sua teoria, clarificar conceitos, que muitas vezes confundem.
Por que alguns cientistas depreciam a filosofia?
Por ignorância ou soberba. Estão tão metidos em sua investigação que acreditam que podem falar de qualquer coisa com autoridade, quando sua autoridade se limita a um pequeno campo, muito estreito. Por exemplo, Hawking se declarou positivista, mas também disse que a filosofia está morta, o que demonstra uma grande contradição. Ao mesmo tempo, isso mostra que nem sequer sabe o que é positivismo, que é uma filosofia que está obsoleta.
Em setembro teve em Buenos Aires o Primeiro Encontro Latino-americano de Filosofia Científica, do que trata esta disciplina?
É a filosofia que está informada com a ciência atual, usa ferramentas exatas e formais, como a lógica e a matemática, para tratar problemas legitimamente filosóficos. Ao resolver estes problemas, a ciência ajuda a ter um quadro conceitual no qual se desenvolve. É a filosofia informada que se realimenta pela ciência e contribui para o progresso científico; dando um quadro epistemológico, ontológico, semântico e ético.
Como o senhor vê a ciência latino-americana com respeito a anos anteriores?
No caso da Argentina, a respeito da “época de ouro”, nos anos 50 e 60, da Universidade de Buenos Aires, nos falta muito. Mas, comparativamente com os últimos 20 anos, estamos melhor. Mas a situação é distinta em cada país e isso é uma pena, porque na América Latina deveria ter mais organizações que fomentem a investigação científica em conjunto. Faltam sistemas de bolsas, de intercâmbios e universidades comuns. Não estamos indo nesta direção.
E aqueles que estão na vanguarda?
México, Argentina e Brasil, os três países mais fortes em ciência, têm muito pouca relação na área de investigações científicas. Devemos ser mais bem informados do que é feito na região. Os governos devem unir esforços e criar uma espécie de Conmebol (Confederação Sul-Americana de Futebol) da ciência, com um custo muitíssimo menor, que fomente intercâmbios, carreiras comuns em distintos países, bolsas para os melhores estudantes e que façam investigações em conjunto. Por exemplo, ter um programa espacial e por satélite latino-americana ou um instituto sul-americano de investigações médicas. Para isso falta, lamentavelmente, apenas a decisão política.