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Homeopatia não funciona

Por Harriet Hall
Traduzido por Leon Monteiro Sampaio

A homeopatia é um sistema alternativo de medicina que foi inventado por um médico alemão no início do século XIX. O conhecimento científico sobre química, física e biologia nos diz que ela não deveria funcionar; testes cuidadosos têm mostrado que ela não funciona.

Em 1800, a medicina convencional era um desastre. Médicos debilitavam pacientes com sangrias e purgas; os envenenavam com mercúrio e outras substâncias nocivas; matavam mais pacientes do que curavam. Dr. Samuel Hahnemann estava a procura de maneiras mais seguras e mais eficazes de ajudar seus pacientes. Ele teve uma epifania depois de tomar uma dose de casca de quinquina e desenvolver sintomas semelhantes aos da malária, a doença que a quinquina supostamente tratava. Extrapolando a partir desta única observação concluiu que, se uma substância provoca um determinado sintoma em pessoas saudáveis, ela pode ser usada para tratar o mesmo sintoma em pessoas doentes, e formulou isto como a primeira lei da homeopatia, similia similibus curentur, normalmente traduzido como “semelhante cura semelhante”. Ele diluía seus remédios de modo que eles já não causassem sintomas; isso levou a sua segunda lei da homeopatia, a lei dos infinitesimais, que afirma que a diluição aumenta a potência de um remédio. Quando observou que seus remédios funcionavam melhor em atendimentos a domicílio do que em seu consultório, Hahnemann atribuiu isso ao sacolejo de seus alforjes, então acrescentou como requisito a “sucussão”, especificando que os remédios devem ser vigorosamente chacoalhados (não mexidos), batendo-os contra uma superfície de couro em todas as etapas da diluição.

Os remédios homeopáticos são geralmente rotulados com a notação X ou C, o que corresponde a dez e cem. 15C significaria que uma parte do remédio foi diluída em 100 partes de água, uma parte da solução resultante foi novamente diluída em 100 partes de água, e o processo foi repetido quinze vezes. Hahnemann morreu antes de o número de Avogadro estar disponível para calcular o número de moléculas presentes em um determinado volume de uma substância química. Hoje podemos calcular que lá pela décima terceira diluição de 1:100 (13C), não resta nenhuma molécula da substância original. Hahnemann normalmente usava remédios a 30C. A 30C, seria necessário um recipiente de 30 milhões de vezes o tamanho da Terra para caber a quantidade de remédio que tornasse provável que ele pudesse conter uma única molécula da substância original. O remédio homeopático mais popular para gripe e resfriado é vendido com uma diluição 200C. E há diluições ainda maiores. Acima do nível de 1.000C existem remédios designados como múltiplos de M, onde 1M = 1.000C.

Um exemplo esclarecerá a espantosa implausibilidade da homeopatia. Se o café o mantém acordado, diluir o café vai colocá-lo para dormir. Quanto mais diluído, mais forte é o efeito. Se continuar diluindo até que não reste uma única molécula de café, será ainda mais forte. A água vai de alguma forma lembrar do café. Se você pingar essa água em uma pílula de açúcar e deixar a água evaporar, a memória da água de alguma forma será transferida para a pílula de açúcar, e aquela memória do café de alguma forma fará com que ela funcione como um comprimido para dormir.

Mais tarde em sua carreira, a fim de explicar os fracassos da homeopatia, Hahnemann veio com a ideia de que toda doença é devido a três miasmas: sífilis, sycosis (gonorréia) e psora (sarna, ou coceira). Eles poderiam ser herdados ou o resultado de uma infecção e tinham que ser eliminados para que o remédio homeopático pudesse funcionar.

Qualquer coisa pode ser um remédio homeopático. Materiais solúveis podem ser diluídos em água ou álcool. Materiais não solúveis podem ser moídos (triturados) e diluídos com açúcar (lactose em pó). Entre os remédios listados na Materia Medica homeopática estão o Muro de Berlim, a luz da lua em eclipse, o polo sul de um ímã, cera de ouvido de cão, lágrimas do choro de uma jovem, veneno de cascavel e hera venenosa.

Para descobrir qual remédio faz o quê, eles são testados – não por estudos controlados, mas por “experimentações”. Pessoas saudáveis ingerem a substância e relatam tudo o que acontece com elas (meu dedão do pé coçou à meia-noite, tive azia depois de comer uma grande refeição, senti raiva). Não há nenhuma tentativa de separar as vicissitudes normais da vida cotidiana dos sintomas causados pela substância. Estes relatórios são então compilados em um Repertório onde o homeopata pode procurar a característica ou sintoma de um paciente para ver quais remédios têm sido associados a eles em experimentações. Por exemplo, há vinte e nove opções para a expressão facial de um paciente, incluindo atônito, aturdido, ansioso quando a criança é tirada do berço, obcecado, frio e assim por diante. Um único remédio está listado para “frio”; dezessete estão listados para “obcecado”.

O homeopata então consulta um segundo livro, o Materia Medica, para ver a lista de sintomas que estão associados com cada remédio. Para natrum muriaticum, o livro lista sintomas em todas estas áreas: mente, cabeça, olhos, orelhas, nariz, rosto, barriga, abdome, reto, urina, masculino/feminino, respiratório, coração, extremidades, sono, pele, febre e modalidades. Exemplos de sintomas listados sob essas categorias incluem pálpebras pesadas, dores de cabeça de anemia em estudantes, constipação, diarreia, sensação de frieza no coração, mãos quentes e transpirantes, descamação das cutículas, sonhos envolvendo ladrões, pele oleosa, verrugas na palma das mãos, calafrios entre 9 e 11 da manhã, etc. Continua e continua, por várias páginas. O que é natrum muriaticum? Sal de cozinha comum.

A consulta inicial com um homeopata normalmente dura uma hora. Ele pergunta sobre todos os aspectos possíveis da vida do paciente. Afinal de contas, ele precisa saber sobre coisas como se suas pálpebras estão pesadas ou se você tem sonhado com ladrões para determinar qual remédio vai funcionar para você.

Ele escolhe o remédio que considera combinar melhor com você. Se você piorar, ele pode lhe dizer que agravamentos são um bom sinal. Ele vai voltar a avaliá-lo em todas as consultas e alterar os remédios conforme necessário até que um deles finalmente pareça fazer a mágica ou a sua doença siga seu curso e seus sintomas tenham tempo de ir embora por conta própria. Se o tratamento falhar, ele nunca está errado para ter de pedir desculpas; ele pode dizer que é culpa sua porque você desativou o remédio ao beber café, não dormiu o suficiente, usou um celular ou comeu alimentos picantes.

Em seu livro Homeopathy: How It Really Works, Jay Shelton examina todas as evidências e conclui que muitas vezes a homeopatia “funciona”, mas não por causa dos remédios. A resposta ao tratamento é devido a fatores que não são efeitos diretos do remédio, como a cura natural sem assistência, a atenção, o sugestionamento, efeitos placebo, regressão à média, a interrupção de tratamentos dolorosos ou desagradáveis, a cura promovida por mudanças no estilo de vida ou a diferença na percepção entre a realidade interna e externa.

Os homeopatas têm feito inúmeras tentativas de justificar seus remédios à luz da ciência. Eles os têm comparados às vacinas, mas as vacinas são muito diferentes de remédios homeopáticos pois elas contêm números mensuráveis de moléculas de antígenos, agem por mecanismos científicos bem compreendidos e seus resultados podem ser quantificados através da medição dos níveis de anticorpos. Eles têm apelado para a hormesis, um fenômeno no qual uma pequena dose de um produto químico pode desencadear uma resposta oposta a que uma dose elevada desencadearia. Mas a hormesis é questionável, e se ela existe em alguns casos, ainda assim não é um fenômeno universal; além disso, ela descreve uma resposta a uma pequena dose, não a nenhuma dose. Eles têm invocado os “clusters de água” como uma forma da água poder armazenar informações; clusters (ou aglomerados) de moléculas de água se formam, mas eles duram apenas bilionésimos de segundo e de maneira nenhuma eles podem registrar ou transmitir informações. Eles têm tentado atribuir os efeitos da homeopatia ao emaranhamento quântico, com especulações mal informadas que deixariam um físico quântico rolando no chão. Eles têm feito experimentos fatalmente falhos tentando provar que a água tem memória, como se isso por si só validasse os tratamentos clínicos de alguma forma. O mais famoso foi o estudo de Jacques Benveniste, publicado na revista Nature, demonstrando que ele conseguiu detectar um efeito biológico de anticorpos depois deles terem sido diluídos em uma solução. Investigações posteriores mostraram que os resultados positivos eram todos de um técnico e eram melhor explicados por controles pobres e procedimentos inadequados que minimizassem os vieses dos envolvidos; as tentativas de replicar suas descobertas falharam.

Os homeopatas às vezes argumentam que porque a homeopatia é individualizada, ela não pode ser testada em ensaios clínicos randomizados ou julgada pelos mesmos padrões que os medicamentos convencionais. Estão errados: ela pode. Os homeopatas poderiam individualizar suas prescrições como de costume, os remédios poderiam ser randomizados e codificados por uma segunda equipe, e eles poderiam ser dispensados por uma terceira equipe “cega”, que não saberiam se o que eles estavam entregando era o que o homeopata solicitou ou um substituto. Os homeopatas estão envolvidos no projeto de pesquisas sobre homeopatia, e eles optam por não projetá-los desta forma.

A implausibilidade da homeopatia não importaria se pudesse ser mostrado que ela funciona. Quando a penicilina foi usada pela primeira vez, ninguém entendia como funcionava; no entanto, era imediatamente óbvio que ela funcionava sim, então os médicos começaram a usá-la imediatamente, e só muito mais tarde descobriram que ela matava as bactérias interferindo na sua capacidade de produzir componentes da parede celular. Se a evidência para a eficácia da homeopatia fosse tão forte quanto a evidência para a penicilina, ela teria sido prontamente adotada junto à medicina convencional.

Tem havido um grande número de estudos clínicos positivos da homeopatia, mas os efeitos têm sido inconsistentes e de pequena magnitude; sabemos que há muitas razões para um tratamento ineficaz parecer funcionar em um estudo. Quanto mais bem projetado um estudo sobre homeopatia, maior a probabilidade de que ele tenha resultados negativos, e os estudos mais bem projetados entre todos têm sido consistentemente negativos. As revisões sistemáticas falham em apoiar a homeopatia. Uma meta-análise de 1997 publicada no Lancet concluiu que a homeopatia funcionou melhor do que o placebo, mas não foi eficaz em qualquer condição clínica individual. [1] (Isso é o mesmo que dizer que o brócolis é bom para todo mundo, mas não é bom para homens, mulheres ou crianças!) Em 2002, Edzard Ernst fez uma revisão sistemática de revisões sistemáticas [2] que mostrou que a homeopatia não era melhor do que um placebo.

Os homeopatas adoram citar estatísticas das epidemias de cólera e febre tifóide no século XIX onde os pacientes tratados com homeopatia tinham maior probabilidade de sobreviver do que os pacientes tratados com a medicina convencional. Esses sucessos históricos são facilmente explicados. Os médicos da época estavam usando remédios que muitas vezes causavam danos; os remédios homeopáticos não faziam nada, então é claro que os resultados eram melhores. A homeopatia era apenas uma forma de evitar danos iatrogênicos. A medicina convencional tem feito muito progresso desde então. O site What’s the Harm? (“Qual é o Mal?”, em tradução livre) oferece inúmeros exemplos modernos de pacientes que morreram porque escolheram a homeopatia em vez do tratamento convencional que poderia ter salvado suas vidas.

Um perigo real da homeopatia é no campo das vacinas. Ao contrário das vacinas reais, vacinas homeopáticas não contêm moléculas do antígeno, então não é possível que elas produzam imunidade. As pessoas ficam iludidas pensando que estão protegidas contra doenças que podem ser previnidas por vacinação quando na verdade estão colocando elas mesmas e a própria comunidade em risco ao diminuir a imunidade de grupo. Em um estudo no Reino Unido, os pesquisadores se passaram por pacientes planejando uma viagem à África e perguntaram a homeopatas o que eles deveriam fazer para prevenir a malária. Dez entre dez homeopatas aconselharam “proteção” homeopática em vez da profilaxia convencional para malária. Um disse, “Ela faz com que sua energia – sua energia vital – não tenha uma espécie de buraco com a forma da malária. Os mosquitos da malária não virão para preenchê-lo. Os remédios resolvem o problema.”

Existem outros riscos. Às vezes um remédio homeopático não é diluído o suficiente e tem efeitos fisiológicos reais e nocivos. Um remédio homeopático para uso durante o surgimento da dentição foi recolhido em 2010 porque continha quantidades variáveis de beladona e crianças utilizando ele haviam sofrido convulsões consistentes com envenenamento por beladona. Em 2014 vários produtos homeopáticos foram recolhidos porque continham drogas reais: quantidades mensuráveis de penicilina.

A homeopatia é um grande negócio. O remédio homeopático para gripe Oscillococcinum é um dos dez medicamentos mais vendidos na França, e arrecada 15 milhões de dólares por ano nos Estados Unidos. Esse é especialmente ilógico, uma vez que a substância original na verdade nunca existiu. Um médico francês olhou através de um microscópio amostras de sangue de vítimas da epidemia de gripe espanhola de 1918 e observou o fenômeno conhecido como movimento browniano, no qual partículas visíveis são empurradas por colisões com moléculas de água. Ele não reconheceu isso como o movimento browniano, e sim pensou ter descoberto uma bactéria oscilante até então desconhecida. Ele a batizou Oscillococcus; então pensou ter visto a mesma bactéria em uma amostra de fígado de pato. O Oscillococcinum vendido hoje é uma diluição 200C de um pouquinho de coração e fígado de um pato selvagem. O fígado há muito se foi, mas o falso grasnado ainda é evidente.

Muitas pessoas consideram que qualquer coisa nas prateleiras de uma loja deve ter sido aprovada como seguro e eficaz por parte do governo e que alegações publicitárias falsas ou enganosas são estritamente proibidas e prontamente punidas. Não é verdade. Nos Estados Unidos, medicamentos sujeitos a receita médica devem ser provados como seguros e eficazes antes que o FDA aprove a comercialização, mas os remédios homeopáticos não são obrigados a submeter-se a qualquer tipo de teste. Toda a farmacopeia homeopática foi apadrinhada sem questionamentos. Os remédios homeopáticos foram isentos das leis que regem outros medicamentos pela legislação federal aprovada em 1938 por iniciativa do senador e homeopata Real Copeland.

Já em 1842 era óbvio para pensadores como Oliver Wendell Holmes que a homeopatia era bobagem pseudocientífica. Ele expôs as tolices dela em seu clássico ensaio “Homeopathy and It’s Kindred Delusions”, que está disponível na internet e ainda vale a pena ler. A homeopatia também tem sido citada como “Delírios Sobre Diluições”. James Randi tem uma oferta permanente de 1 milhão de dólares para qualquer um que possa distinguir entre um remédio homeopático altamente diluído e água pura; é pequeno o perigo dele perder o dinheiro.

Então, por que ela ainda continua sendo usada? Existem várias razões. Muitos consumidores não têm nenhuma compreensão do que a homeopatia é (mesmo muitos profissionais médicos têm apenas uma vaga impressão de que um remédio homeopático é uma espécie de remédio herbal natural leve). Os remédios são inócuos, enquanto os medicamentos reais têm efeitos colaterais reais. Os remédios são muito mais baratos do que os medicamentos sujeitos a receita médica. Os pacientes adoram as longas consultas, a atenção individual e o carinho que não recebem de seus médicos. Ou eles gostam da independência de escolher seu próprio remédio homeopático e tratar a si mesmos. Ou eles confiam no testemunho de amigos que acreditam terem sido curados. Ou eles experimentaram e tornaram-se convencidos de que funciona. Infelizmente, quando as pessoas dependem da experiência pessoal, elas apenas não são muito boas em determinar se um remédio funciona: é por isso que precisamos da ciência.


[1] – “Are the clinical effects of homeopathy placebo effects? A meta-analysis of placebo-controlled trials”, por Linde K., 1997.

[2]“A systematic review of systematic reviews of homeopathy”, por Ernst, E., 2002, British Journal of Clinical Pharmacology.


Referências

  • “Homeopathy: How It Really Works”, por Jay Shelton, Prometheus Books, 2004. O melhor livro sobre o assunto. Também disponível no Kindle.
  • Homeopathy and It’s Kindred Delusions”, por Oliver Wendell Holmes. Um clássico do pensamento crítico sobre a medicina. Texto completo disponível online aqui.
  • Homeowatch é um site que fornece informações críticas sobre a homeopatia.
  • Artigo publicado na Science-Based Medicine sobre Homeopatia.
Douglas Rodrigues Aguiar de Oliveira

Douglas Rodrigues Aguiar de Oliveira

Divulgador Científico há mais de 10 anos. Fundador do Universo Racionalista. Consultor em Segurança da Informação e Penetration Tester. Pós-Graduado em Computação Forense, Cybersecurity, Ethical Hacking e Full Stack Java Developer. Endereço do LinkedIn e do meu site pessoal.