Publicado na Center for Inquiry
Os humanistas assumem invariavelmente, e certamente muitas vezes se autoidentificam, como naturalistas. Na verdade, o humanismo regularmente é definido de tal forma que defender uma postura naturalista é quase que uma obrigação.
Eu sou simpático ao naturalismo. No entanto, como muitos filósofos, não estou totalmente comprometido. Uma pesquisa publicada no Phil Papers realizada com filósofos profissionais e estudantes de pós-graduação revelou que menos de 15% deles compactuam com algum tipo de teísmo, apenas cerca da metade estão comprometidos com o naturalismo. Por quê? Tais filósofos estão indecisos sobre, se não Deus, então outro ser sobrenatural em forma de fantasmas, anjos, demônios, seres espirituais e assim por diante? São eles agnósticos à pseudociência? [1]
Claro que não. Eu sou altamente cético sobre essas alegações sobrenaturais, e talvez isso seja o suficiente para qualificar-me como naturalista. No entanto, “naturalismo” é um termo escorregadio, e alguns filósofos não estão felizes sobre como aplicar o termo a si mesmos, uma vez que é difícil de defini-lo. Poderíamos começar com este: “naturalismo é a rejeição do sobrenatural”. Mas se, em seguida, definirmos “sobrenatural” como aquilo que os naturalistas rejeitam, nossa definição permanece pouca informativa. Não estou dizendo que não existem definições robustas disponíveis. Estou apenas apontando que definir o termo não é tão simples como se poderia supor inicialmente.
Outra preocupação reside na ideia de que os humanistas não têm outra opção senão a de serem naturalistas, isto é, a exigência (e, assim, chutando-os para fora do clube humanista por não conseguirem assimilar-se) de que todos os tipos de posições ateístas estejam em tensão com o naturalismo. Os matemáticos, por exemplo, são muitas vezes platonistas matemáticos. [2] Eles acreditam que as proposições matemáticas são feitas em algum tipo de reino matemático não-natural. Podem tais matemáticos serem ateus e humanistas? Eu diria que sim. Por que excluí-los do clube humanista?
Finalmente, um compromisso com o naturalismo fornece um desnecessário refém quando estamos debatendo folclores religiosos. Os religiosos muitas vezes assumem que o ateísmo e o humanismo envolvem o naturalismo. Se definirmos o humanismo para que o naturalismo realmente seja uma exigência, então, a fim de refutar o humanismo a necessidade religiosa será a de refutar o naturalismo. Os religiosos virão armados com uma vasta gama de argumentos contra o naturalismo que teremos que refutar. Assim, depois de terem desencadeado uma enxurrada de argumentos contra o naturalismo, você apontará que você está defendendo o humanismo, mas não o naturalismo.
Um argumento bem sucedido para o platonismo matemático certamente seria irrelevante, a medida em que seja verdadeiro que o humanismo esteja em causa. Então, por que optar por definir o humanismo de tal forma que um argumento refutaria realmente com êxito o humanismo?
Tendo dito isto, contanto que o naturalismo seja entendido apenas como um compromisso com nenhuma entidade assustadora (fantasmas, fadas, seres espirituais), então continuo considerando-me naturalista. E como eu suponho que é a forma como muitos humanistas o compreendem, então talvez seja razoável definir o humanismo não apenas como o compromisso de que não há deuses, mas também com o naturalismo. Eu posso entender por que muitos humanistas ficariam desconfortáveis sobre a exigência de abandono do naturalismo, particularmente supõem-se que seria um sinal verde para a Nova Era de bobagem sobrenatural. Dizem: Deus nos livre!
O que é mais importante aqui é ter clareza sobre exatamente o que queremos dizer com “naturalismo”, e que usamos o termo com cuidado, para que os humanistas não sejam (I) mal interpretado como pessoas que permitem a crença em mágicas [3] e pseudociências, nem (II) que sejam entendidos como, por exemplo, pessoas que rejeitam os platonistas matemáticos.
Nota do tradutor
[1] A palavra woo foi substituída por pseudociência, uma vez que o termo foi atribuído por James Randi para a identificação de pseudociências cuja sua filosofia abarca o sobrenaturalismo.
[2] Matemáticos realistas tendem a defender o materialismo conceitualista e ficcionista, que é a tese da qual as ficções mentais, tais como números e símbolos, são ficções controladas criadas por cérebros de seres racionais através de processos físico-químicos.
[3] A palavra hocus pocus foi substituída por mágicas, uma vez que o termo representa o nome de um encantamento utilizado por mágicos do século XVII com a função de criar um ar de mistério em suas performances.