Por Michelle Starr
Publicado na ScienceAlert
A lula Magnapinna é uma das criaturas mais evasivas que conhecemos.
Ela habita nas profundezas permanentemente sombrias do oceano e é um ser extremamente raro de vista, com apenas cerca de uma dúzia de detecções confirmadas em todo o mundo.
Agora, pela primeira vez, as lulas Magnapinna foram vistas na costa da Austrália não uma, mas cinco vezes – e cada avistamento foi um indivíduo diferente. Não é suficiente para chamá-la de região de foco de Magnapinna, mas as novas observações revelaram novos comportamentos, destacando a importância de registrar imagens da vida marinha profunda em seu habitat natural.
“Esses avistamentos, os primeiros em águas australianas, reforçaram a hipótese de uma distribuição cosmopolita e indicaram uma distribuição localmente agrupada com lulas sendo encontradas em estreita proximidade espacial e temporal entre si”, escreveram os pesquisadores em seu estudo.
Lulas Magnapinna são monstrengos estranhos e parecem sobrenaturais. Seus corpos parecem bastante típicos de uma lula, embora com nadadeiras muito maiores do que o normal. Mas seus braços e tentáculos são realmente peculiares, com filamentos surpreendentemente longos nas pontas, fazendo com que os membros alcancem comprimentos de mais de 8 metros, muitas vezes maiores que o corpo da lula. Mantidos em um ângulo perpendicular ao corpo, os membros também tem uma estranha aparência de “cotovelo”.
Por morarem na zona batipelágica, entre 1.000 e 4.000 metros de profundidade, não é fácil para nós estudarmos essas lulas. Nessa profundidade do oceano, a luz do Sol não consegue penetrar e a pressão da água é esmagadora. No entanto, os veículos operados remotamente (ROV) podem transcender as limitações humanas, indo a lugares onde humanos não conseguem ir. Além disso, nas últimas décadas, os avistamentos aumentaram de forma gradual.
Era exatamente esse equipamento que os cientistas marinhos estavam usando para explorar águas profundas na costa sul da Austrália. Em uma região conhecida como Grande Baía Australiana, onde quase nada se sabia sobre a fauna do fundo do mar, os cientistas implantaram ROVs e uma câmera acoplada no navio de pesquisa do Marine National Facility, chamada de Investigator, como parte de um programa intensivo de pesquisa para catalogar a vida nas profundezas marinhas.
https://youtu.be/hRWd3oDlUrM
Em cinco ocasiões distintas, lulas Magnapinna apareceram nas imagens obtidas pelos instrumentos.
A câmera capturou duas lulas, filmando-as por quatro segundos cada a 2.110 e 2.178 metros, em um local em novembro de 2015. Os dois avistamentos tiveram um intervalo de cerca de 12 horas.
O ROV avistou três lulas em outro local em março de 2017 a 3.002, 3.056 e 3.060 metros abaixo da superfície. Por ser mais flexível, o ROV conseguiu acompanhar as lulas, capturando vídeos mais longos de cada uma; o mais longo durou pouco menos de três minutos. Todos os três avistamentos ocorreram em um período de 25 horas.
Análises morfológicas com lasers emparelhados sugeriram que todos os cinco avistamentos de lulas foram de indivíduos separados.
“Esses avistamentos representam os primeiros registros da lula Magnapinna nas águas australianas, e eles mais que dobram os registros conhecidos do hemisfério sul”, escreveram os pesquisadores em seu estudo.
Mesmo assim, os avistamentos foram raros: a pesquisa abrangeu mais de 350 quilômetros da Grande Baía da Austrália e registrou 75 horas de vídeo. Os monstrengos só foram vistos nesses dois locais nesses dois períodos de tempo.
“Todos os avistamentos de Magnapinna sp. na Grande Baía Australiana foram feitos em áreas de sedimento predominantemente mole, em terreno de canais de erosão de encosta inferior e na seção superior de cânion submarino”, escreveram os pesquisadores.
“Cânions submarinos e características incisas semelhantes geralmente sustentam alta produtividade e diversidade no fundo do mar, e esses locais podem refletir a preferência de habitat de Magnapinna sp.“.
Embora os avistamentos tenham sido curtos, eles ainda produziram observações de alguns dos comportamentos das lulas. Havia, é claro, a pose característica do “cotovelo” com os tentáculos estendidos para fora, depois dobrados em um ângulo de quase 90 graus. Anteriormente, isso tinha sido observado principalmente quando a lula estava na vertical, mas a nova filmagem mostrou essa pose na posição horizontal.
Como os tentáculos parecem ser bastante pegajosos, isso pode ser um comportamento alimentar do qual consiste na espera de que alguma criatura sem sorte esbarre nos membros longos, como um inseto no papel pega-moscas, mas ainda não temos informações suficientes para determinar isso com certeza.
Outro comportamento que a equipe observou foi a lula deixando um braço perpendicular ao corpo enquanto se movia da horizontal para a vertical. Isso é semelhante ao movimento da curvatura dorsal do braço visto em várias lulas, mas o porquê as lulas Magnapinna fazem isso ainda é um mistério.
Em um comportamento totalmente novo, os pesquisadores também viram uma das lulas enrolando seus filamentos perto de seu corpo. Anteriormente, o único cefalópode visto fazendo algo semelhante foi o Vampyroteuthis infernalis, outra criatura batipelágica que usa seus filamentos para se alimentar.
“Embora existam diferenças óbvias entre os apêndices filamentosos da V. infernalis e da lula Magnapinna […] pode ser que o comportamento de enrolamento represente uma solução biomecânica eficiente para a retração de tais filamentos longos e finos”, escreveram os pesquisadores.
É algo fascinante e tentador – novas informações que destacam o quão pouco sabemos sobre essas criaturas estranhas e silenciosas e o mundo subaquático profundo e escuro que elas habitam.
A pesquisa foi publicada na PLOS One.