Por Marcelo Gleiser
Publicado na National Public Radio
É fácil atingir os humanos. Estamos fazendo uma bagunça com este mundo. Matamos uns aos outros. Somos incapazes de respeitar diferentes pontos de vista. Somos egoístas, destrutivos, parasíticos. Tenho certeza de que você poderia adicionar alguns comentários desdenhosos seus próprios aqui. Eu lembro, quando adolescente, o quanto eu fiquei furioso quando descobri sobre as guerras santas, sobre as pessoas capazes de justificar a morte de outros com base na fé. Não que as outras guerras fossem melhores. Mas o que aconteceu, eu me perguntava, com a mais básica das noções, compartilhadas por todas as grandes religiões, de que a vida é sagrada?
Parte da culpa também deve ser compartilhada pela ciência. Não digo em termos das tecnologias de destruição que nós inventamos, mas na maneira em que nos identificamos com o mundo devido a nossa visão científica da realidade. Estamos em séria necessidade de uma profunda revisão.
No centro da descrição científica do mundo, que nos serviu extremamente bem por séculos, está a noção de que quanto mais aprendemos sobre o universo, menos importante nos tornamos. Às vezes, isso é chamado de Princípio de Copérnico. Assim como Copérnico tirou a Terra do centro do cosmos, conforme a ciência progride, descobrimos que nossa posição e nosso papel no grande esquema do universo se torna cada vez menos importante. Visto que as mesmas leis da física e química se aplicam em todo o cosmos, sabemos que existem outros sóis lá fora, cercados por outros planetas. Nosso sistema solar é um entre trilhões de outros. Não muito importante. Quando você inclui a cosmologia moderna, as coisas ficam ainda piores.
Em 1924, o astrônomo americano Edwin Hubble demonstrou que a Via Láctea, a galáxia que nos abriga, é uma entre bilhões de outras. Então, em 1929, ele mostrou que o universo está se expandindo e que nenhum ponto do cosmos é mais importante do que outro. Durante os anos 1990, uma nova ideia radical foi apresentada, de que o nosso universo não é tudo o que existe, mas simplesmente um entre uma miríade (número infinito?) de universos, todos surgindo de um domínio atemporal chamado multiverso. Não sabemos se o multiverso é real ou não – e talvez nunca saibamos – mas muitas teorias cosmológicas modernas suportam a ideia. Somos realmente tão descartáveis assim?
No documentário “In The Shadow of the Moon” (À Sombra da Lua), que entrevista diversos astronautas do programa Apollo (eu recomendo muito), descobrimos que apenas 24 homens realmente viram o globo da Terra em sua totalidade. Todos os membros desse seleto grupo que também participou do documentário são unânimes em afirmar o quanto frágil e pequena a Terra parece lá de fora, cruzando a escuridão infinita do espaço. O Pálido Ponto Azul, como Carl Sagan a chamou. (Aqui está um link para a narração de Carl Sagan de seu belíssimo texto.)
Quanto mais aprendemos sobre o universo, mais também aprendemos algo que vai contra o Princípio de Copérnico: sim, não estamos no centro de todas as coisas, e sim, nossa galáxia é uma entre centenas de bilhões. No entanto, conforme espiamos nossos vizinhos cósmicos, os planetas do sistema solar e suas luas, vemos ambientes duros, mortos e proibitivos. A Terra se revela um oásis, raro e precioso. Aliando isso ao que descobrimos sobre como a vida se desenvolveu aqui ao longo dos últimos 3,5 bilhões de anos, chegamos ao que eu considero uma revelação transformadora: mesmo se encontrarmos vida em outra parte do cosmos, a probabilidade é de que essa vida alienígena seja simples, composta por organismos unicelulares. (Vou deixar as noções estranhas sobre vida, já que não sabemos, para outra hora.) Os saltos de organismos unicelulares para pluricelulares e, depois, para seres inteligentes e altamente funcionais são imensamente improváveis, dependentes de uma série de acidentes aleatórios e irrepetíveis. Mesmo se existir vida complexa em algum outro lugar do cosmos, e não podemos dizer que não existe, ela estará tão distante de nós que, para todos os efeitos práticos, estamos sozinhos. E se estamos sozinhos e somos capazes de pensar, somos raros e preciosos. E se somos raros e preciosos, temos uma nova diretiva que vai além da destruição que domina a história humana há milênios. Devemos preservar a vida a todo custo, ser os guardiões deste mundo. Para contradizer o Princípio de Copérnico, devemos desenvolver um “humanocentrismo”: somente nós temos o poder de destruir ou salvar este precioso mundo em que vivemos. E eu não digo isso de maneira inocente e simplória. Eu digo literalmente. Se não mudarmos nossas maneiras, teremos somente a nós mesmos para culpar. Julgando pelos últimos milhares de anos, ninguém, inteligência alienígena ou Deus, virá nos resgatar. Depende realmente de nós.