Por Gemma Lavender
Publicado na Astrobiology Magazine
Em “Guerra dos Mundos” de H. G. Wells, os invasores marcianos foram derrotados pelo mais modesto dos combatentes – a gripe comum. Poderia o reverso ocorrer e vírus alienígenas imporem um risco para astronautas humanos quando eles pousarem em Marte? Esta intrigante pergunta é feita por Dale Griffin em um novo artigo para o journal Astrobiology, que também pergunta se nossa primeira evidência de vida extraterrestre poderia vir na forma de vírus.
Biólogos não consideram vírus como estando vivos. Eles são menores que bactérias (20 a 300 nanômetros em comparação com 500 a 1.500 nanômetros) e não podem se replicar por si mesmos – ao contrário, eles precisam invadir uma célula hospedeira e usar suas ferramentas genéticas para realizar sua replicação. Ainda que os vírus dominem completamente o planeta – hipocondríacos podem tremer com o fato de haver 10 milhões de trilhões de trilhões de vírus existindo na Terra agora mesmo, com um décimo deles sendo encontrados nos oceanos. Dada sua total dependência da vida celular para que eles se repliquem, não é muita surpresa de que seja onde for que se encontre vida no nosso planeta, os vírus estão bem lá com ela.
Griffin, um microbiólogo do US Gelogical Survey (Levantamento Geológico dos EUA) em São Petersburgo na Flórida, acredita que podemos esperar encontrar uma situação similar onde a vida existir em outros planetas. “Eu pensaria que a evolução da vida celular em outro planeta seria muito similar ao que ocorreu na Terra”, ele diz. “Se este for o caso, e a vida celular estiver presente em qualquer corpo planetário dado, então eu esperaria que vírus também estejam presentes em números superiores”.
No entanto, ele não acredita que os astrobiólogos se afeiçoaram completamente a este fato e que exo-vírus são um tópico tão viável para o estudo especulativo quanto uma vida celular extraterrestre. A razão para isto pode ser parcialmente porque o estudo dos vírus na Terra além daqueles que causam doenças em humanos e animais só realmente decolou na última década aproximadamente. Como Stedman alude, estudar vírus não é fácil.
“Foi apenas recentemente no registro histórico da microbiologia que tivemos as ferramentas moleculares que nos permitiram determinar o número e a extensão da diversidade de vírus na Terra”, afirma Griffin. Parte do problema é que os vírus da Terra têm, em sua maior parte, evoluído relacionamentos simbióticos com hospedeiros específicos – esta é a razão porque você normalmente não pode pegar uma gripe de um cachorro, por exemplo, uma vez que o vírus que causa a gripe em cachorros se desenvolveu para trabalhar com células caninas e vice versa. Então para realmente se estudar os vírus em detalhes, é preciso cultivar uma célula hospedeira, normalmente uma bactéria, no laboratório e para muitos vírus nós não identificamos seus hospedeiros. Isto tem atrasado consideravelmente a pesquisa da vasta gama e diversidade de vírus na Terra, diz o Professor Chris Impey da University of Arizona (Universidade do Arizona), que escreveu diversos livros sobre astrobiologia. “Porque é difícil de se cultivar a maioria das espécies de bactérias, continuamos ignorantes sobre a gama completa de relações simbióticas entre bactérias e vírus”.
Agora que as coisas estão mudando, Griffin acredita que é hora de considerar os vírus extraterrestres. Stedman concorda. “A vida na Terra é clara e pesadamente influenciada pelos vírus”, ele diz. O júri continua indeciso sobre se os vírus são essenciais para a vida, mas certamente a vida na Terra seria muito diferente sem os vírus. Encontrar vida na ausência de vírus me surpreenderia, mas seria muito interessante.
O ponto chave argumenta Griffin, não é que os vírus existirão onde a vida também existir, como temos notado, mas sim que vários tipos de hospedeiros de vírus podem ser encontrados em ambos os estágios iniciais quanto finais da vida em um planeta.
Ninguém realmente sabe quando os vírus surgiram na Terra, mas evidências sugerem que eles são muito antigos e podem até ter dado à evolução o requerido empurrão no sentido da celularidade. Quando um vírus invade uma célula, ele traz consigo seu próprio material genético e pode adicioná-lo ao genoma da célula. Quando o vírus replica dentro da célula, ele leva um pouco da informação genética da célula com ele, transferindo-a de célula para célula, de organismo para organismo. Consequentemente, genes são permutados, impelindo a evolução.
O que acontece, no entanto em um planeta onde toda a vida há muito desapareceu? Este pode ser o caso de Marte, apesar de permanecer indefinido se a vida alguma vez existiu nos breves períodos quentes e úmidos da história antiga do planeta vermelho. Vamos supor que Marte uma vez abrigou vida microbiana primitiva, com os requeridos vírus a acompanhando. Como vimos, na Terra a maioria dos vírus são específicos para cada hospedeiro – Griffin argumenta que o mesmo deve acontecer com vírus extraterrestres também. No entanto, quando a vida marciana morreu, ou ao menos se tornou rara, os vírus teriam encarado um problema. Se eles continuassem específicos para cada hospedeiro, eles iriam desaparecer junto com seus hospedeiros. Se, no entanto, eles se adaptassem e se tornassem generalistas, eles iriam habitar quaisquer células com quem cruzassem, compartilhando informação genética para sobreviver em um nível de subsistência.
Assim sendo, se houve alguma vez vida em Marte, hoje tudo o que pode ter sobrado podem ser vírus generalistas, capazes de infectar a maioria das células com as quais cruzarem. Estes vírus poderiam então representar uma ameaça biológica (biohazard) para quaisquer futuros astronautas que pousem em Marte e talvez enquanto estamos procurando por vida em Marte, poderíamos equipar nossos carros por controle remoto (rovers) robóticos para procurar por vírus também.
Griffin tem algumas ideias sobre como podemos começar a procurar por vírus extraterrestres. Uma ferramenta seria um concentrador baseado em MEMS [Micro-Electro-Mechanical Systems] (Sistemas Micro-Eletro-Mecânicos), que é uma tecnologia micrométrica que pode ser usada em técnicas de cromatografia (a separação de misturas em um ambiente laboratorial) e espectroscopia. Isto poderia ser usado em conjunto com separadores de partículas, sistemas de imageamento microscópico e sequenciadores nucleicos para peneirar através do solo marciano e analisá-lo por estruturas semelhantes a vírus e nucleicos.
“Esta abordagem lhe permitira filmar amostras para procurar por vida celular, focalizar quaisquer partículas ou células que possam estar presentes – elas são similares com as variantes conhecidas na Terra? – e sequenciar segmentos de seu genoma se ele for estruturalmente similar ao nosso, por exemplo, RNA ou DNA”, diz Griffin.
Há mais local no Sistema Solar onde os vírus podem permanecer como o último reduto de entidades orgânicas, mas apenas para serem encontrados no futuro distante, daqui a dois bilhões de anos quando nosso Sol tiver aumentado seu brilho. Por esta época a Terra terá se aquecido, as plantas murchado e morrido, os oceanos evaporado e a vida completamente erradicada. Mesmo aqui, neste mundo em lenta ardência, vírus podem persistir. Com pouco material celular restante, os vírus poderiam evoluir para compartilhar genes altruisticamente, a despeito do hospedeiro. Desta forma, sugere Griffin, altruísmo no mundo microbiano pode ser o último estado da vida a ser encontrado em nosso planeta, antes do Sol crescer e ficar tão quente que mesmo os vírus serão extintos. Vírus e células trabalhando em uníssono nos estágios iniciais e finais da vida no nosso planeta – com bilhões de anos de conflito competitivo entre eles.
Neste meio tempo, a pesquisa em exo-vírus poderia ser a semente para uma nova revolução na astrobiologia. “A comunidade de pesquisa biológica continuará a refinar nossa compreensão dos vírus”, diz Impey. “Enquanto isto será útil começar a considerar seriamente seu papel na paisagem mais ampla na exobiologia. O excelente artigo de Griffin é um bom ponto de partida”.