O texto a seguir foi escrito por David Edgerton, professor de História da Ciência e Tecnologia no King’s College London, e foi publicado originalmente na seção de Livros da revista Nature. O que segue é uma tradução, e toda observação que estiver entre [colchetes] são de minha autoria.
Para milhões de pessoas nos anos 70, o nome de Jacob Bronowski era sinônimo de ciência. O matemático, nascido na Polônia, chegou a Londres em 1920, aos 12 anos de idade. Mais de meio século depois, sua época de maior glória veio com a série de televisão A Escalada do Homem, de 1973, produzida pela BBC. Com o objetivo de rastrear o que o historiador da arte Kenneth Clark não fez em sua série Civilisation de 1969, o programa de Bronowski foi um longo olhar sobre o desenvolvimento da sociedade através de uma lente científica. Naquele mesmo ano saiu um livro com o mesmo nome [com edições em português disponíveis ainda hoje].
Timothy Sandefur, um membro acadêmico do grupo de reflexão libertário do Instituto Cato em Washington, DC, faz grandes reivindicações em seu livro [biográfico] A Escalada de Jacob Bronowski. Sandefur o descreve como mais do que um mero polímata, sugerindo que ele “esteve envolvido em quase todas as grandes empreitadas intelectuais do século XX”; que ele era um “filósofo sério” que fez “provavelmente o melhor filme documentário da história”.
Até certo ponto. Havia mais homens renascentistas (e a discriminação significava que a maioria era de homens) no século XX do que se pode sacudir o punho de um especialista. Apenas entre os matemáticos-filósofos britânicos, Bertrand Russell e Alfred North Whitehead foram mais significativos em ambos os campos do que Bronowski. As obras filosóficas do químico Michael Polanyi, especialmente o Conhecimento Pessoal (1958), estavam em um nível diferente das apologias sentimentais de Bronowski, como O Senso Comum da Ciência (1951). E na melhor das hipóteses, A Escalada do Homem [você pode adquirir o livro aqui] pode estar entre os principais documentários de ciência da televisão.
No entanto, Bronowski é interessante pelo que foi: um cientista e administrador, e um grande popularizador da ciência.
De Cambridge para o carvão
Bronowski teve uma carreira notavelmente variada como cientista acadêmico e empregado pelo Estado. Após graduar-se na Universidade de Cambridge, ele lecionou no University College Hull, no norte da Inglaterra, de 1934 a 1943. Durante os seis anos seguintes, ele trabalhou como funcionário público científico. Ele conduziu pesquisas secretas sobre bombardeios de saturação para a Força Aérea Real durante a Segunda Guerra Mundial, e viajou para o Japão para documentar os efeitos dos bombardeios de Hiroshima e Nagasaki. Após a guerra, ele trabalhou em técnicas de construção de casas: a construção a preços acessíveis era crucial, sobretudo por causa da destruição causada pelo Blitz. Ele teve uma breve passagem pela Organização das Nações Unidas para Educação, Ciência e Cultura (UNESCO) em Paris; depois, por volta de 1950 a 1964, tornou-se diretor da nova instalação central de pesquisa do Conselho Nacional Britânico do Carvão, onde se concentrou em um projeto para fazer briquetes de combustível a partir do pó de carvão (não combustível sem fumaça, como Sandefur sugere). Não foi um sucesso. No final dos anos 50 e início dos anos 60, ele se envolveu minimamente em discussões de política científica.
Bronowski também pode se apresentar como uma das muitas figuras britânicas que se firmaram no mundo da ciência e das letras (refutando a afirmação do químico e romancista C. P. Snow de que havia uma divisão intransponível entre as “duas culturas”, como Snow as chamava). Na década de 1930 e nos primeiros anos da guerra, Bronowski era, como muitos intelectuais da época, um esquerdista comprometido. Um poeta, ele publicou A Man Without a Mask (1944), um admirado estudo do extraordinário poeta inglês William Blake. O livro de Sandefur apresenta-se no seu melhor quando descreve as relações de Bronowski com outros poetas nos anos 30, como Robert Graves e William Empson (como ele, um matemático).
Exposição na mídia
Após a guerra, ao lado de sua carreira como pesquisador operacional e administrador científico, Bronowski tornou-se famoso graças à BBC. Ele começou a dar palestras sobre as sequelas dos atentados no Japão, e passou a aparecer no programa de rádio e televisão The Brains Trust, além de escrever peças de teatro e dar palestras de rádio. Sua pronunciação distinta da letra R ajudou a torná-lo memorável. Dessas transmissões, seu trabalho na UNESCO e uma palestra no Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT) em Cambridge vieram livros como Ciência e Valores Humanos (1965). Essencialmente, estes foram relatos defensivos da ciência e dos cientistas numa época em que a pesquisa era altamente militarizada, e a discussão da ciência foi muito envolvida nas lutas ideológicas da guerra fria.
Seus últimos anos foram passados com o Salk Institute for Biological Studies em La Jolla, Califórnia, escrevendo sobre ciência; este período culminou em A Escalada do Homem. A série documental de 13 episódios da BBC falou sobre tudo, desde a evolução dos humanos até a clonagem, alem de fazer o seu nome conhecido. Foi notável por sua ênfase, nos primeiros programas, em coisas materiais – fogo, metal, agricultura, arquitetura. Produzido de forma luxuosa e visualmente impressionante, maravilhou os espectadores com sua lucidez e com o poder da personalidade do apresentador. Muitos que o viam ainda se lembram dele como um marco na televisão.
Um ano após o término da série, em 1974, Bronowski morreu [de infarto fulminante]. Uma pessoa se pergunta como ele conseguiu seguir duas carreiras tão ocupadas. E pode-se compartilhar o desapontamento de Bronowski de que ele nunca foi outro senão um popularizador. Ele ansiava por um cargo acadêmico permanente.
Os livros de Bronowski geralmente não se baseavam em suas próprias experiências como cientista. O historiador da ciência Ralph Desmarais foi o primeiro a trazer à luz o trabalho de guerra de Bronowski. Ele mostrou que Bronowski foi consistentemente menos franco sobre esta pesquisa do que a maioria dos cientistas em tempo de guerra, como o físico experimental Patrick Blackett.
Desmarais também revelou que Bronowski estava interessado em negar o fato de que, nos anos 1940 e início dos anos 1950, a Grã-Bretanha estava construindo uma bomba atômica enquanto promovia extravagantemente a energia nuclear civil. Bronowski não fez, como alega Sandefur, campanha contra as armas nucleares. Na verdade, sua discussão sobre a história geral da bomba atômica em A Escalada do Homem foi equivocada. Para distanciar os cientistas da arma, ele se concentrou no físico Leo Szilard, uma figura periférica no esforço da bomba, que argumentou que o Japão deveria mostrar o poder da bomba, em vez de ser atacado com ela.
Sua análise da relação entre a ciência, os militares e o poder foi persistentemente tendenciosa. Desmarais argumenta convincentemente que Bronowski era incapaz de contar uma história direta sobre o lugar da ciência no mundo moderno. Infelizmente, Sandefur não faz justiça a esta importante reivindicação, e seu livro muitas vezes se torna uma apologia para um apologista.
É uma lástima. Uma biografia devidamente crítica de Bronowski, um radical dos anos 30 que se tornou porta-voz da ciência, poderia ter tido muito a nos ensinar sobre as realidades da pesquisa no século XX, e os registros muito diferentes nos quais ela teve que ser descrita na guerra fria.