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Mais pessoas estão pegando COVID-19 pela segunda vez, sugerindo que a imunidade dura pouco tempo

Por Jop de Vrieze
Publicado na Science

No final de junho, Sanne de Jong apresentou náuseas, falta de ar, músculos doloridos e nariz escorrendo. Inicialmente, ela pensou que poderiam ser efeitos prolongados de sua infecção de COVID-19 no começo do ano. De Jong, 22, teve um teste positivo em 17 de abril e sofreu sintomas leves por cerca de 2 semanas. Ela deu negativo em 2 de maio – bem a tempo de se despedir de sua avó antes dela falecer – e voltou a trabalhar como estagiária de enfermagem em um hospital em Rotterdam, na Holanda.

Mas quando seus sintomas reapareceram, seu médico sugeriu que ela fizesse o teste novamente. “Uma reinfecção tão em breve seria peculiar, mas não impossível”, disse ele a De Jong, que a essa altura havia perdido novamente o olfato e estava com dores abdominais e diarreia.

A ligação de seu serviço municipal de saúde veio em 3 de julho. De Jong tinha testado positivo novamente. “Você está brincando comigo!”, ela se lembra de ter dito.

Os cientistas estão profundamente interessados ​​em casos como o dela, que ainda são raros, mas estão em ascensão. As reinfecções sugerem que a imunidade contra COVID-19 pode ser frágil e diminuir com relativa rapidez, com implicações não apenas para os riscos enfrentados pelos pacientes recuperados, mas também por quanto tempo as vacinas futuras podem proteger as pessoas. “A pergunta que todos querem responder é: essa segunda infecção vai ser menos grave na maioria das vezes ou não?”, diz Derek Cummings, que estuda a dinâmica das doenças infecciosas na Universidade da Flórida (EUA). “E o que as reinfecções nos ensinam sobre a imunidade contra SARS-CoV-2 em geral?”

Cientistas sul-coreanos relataram as primeiras suspeitas de reinfecções em abril, mas demorou até 24 de agosto para que um caso fosse oficialmente confirmado: um homem de 33 anos que foi tratado em um hospital de Hong Kong por um caso leve em março e que testou positivo novamente no aeroporto de Hong Kong em 15 de agosto, após retornar de uma viagem à Espanha. Desde então, pelo menos 24 outras reinfecções foram oficialmente confirmadas – mas os cientistas dizem que isso é definitivamente uma subestimativa.

Para contar como um caso de reinfecção, um paciente deve ter um teste de reação em cadeia da polimerase (PCR) positivo duas vezes com, pelo menos, um mês sem sintomas entre os dois testes. Mas a virologista Chantal Reusken, do Instituto Nacional Holandês de Saúde Pública e Meio Ambiente (RIVM), explica que um segundo teste também pode ser positivo porque o paciente tem um resíduo de RNA viral não replicante de sua infecção original no trato respiratório, devido a uma infecção com dois vírus ao mesmo tempo ou porque eles suprimiram, mas nunca eliminaram totalmente o vírus. Portanto, a maioria dos periódicos deseja ver duas sequências completas de vírus, da primeira e da segunda doença, que sejam suficientemente diferentes, disse Paul Moss, hematologista da Universidade de Birmingham (Reino Unido). “A barreira é muito alta”, diz Moss. “Em muitos casos, o material genético simplesmente não existe”.

Mesmo que seja isso, muitos laboratórios não têm tempo ou dinheiro para determinar isso. Como resultado, o número de reinfecções comprovadas geneticamente é de ordens de magnitude inferior ao de reinfecções suspeitas. Só a Holanda tem 50 casos, Brasil 95Suécia 150México 285 e Qatar, pelo menos, 243.

A segunda infecção do paciente de Hong Kong foi mais leve do que a primeira, o que os imunologistas esperariam, porque a primeira infecção geralmente gera alguma imunidade. Isso pode explicar por que as reinfecções ainda são relativamente raras, diz Maria Elena Bottazzi, virologista molecular da Faculdade de Medicina Baylor e do Hospital Infantil do Texas (EUA).

Eles podem se tornar mais comuns nos próximos meses se os primeiros casos de COVID-19 começarem a perder sua imunidade. As reinfecções com os quatro coronavírus que causam o resfriado comum ocorrem após uma média de 12 meses, mostrou recentemente uma equipe liderada pela virologista Lia van der Hoek no Centro Médico Universitário de Amsterdam (Holand). Van der Hoek acha que a COVID-19 pode seguir esse padrão: “Acho melhor nos prepararmos para uma onda de reinfecções nos próximos meses”. Isso é “uma má notícia para aqueles que ainda acreditam na imunidade coletiva por meio de infecções naturais”, acrescenta ela, e um sinal preocupante para vacinas.

Outros são menos pessimistas. Embora os anticorpos possam diminuir substancialmente em alguns meses – principalmente em pacientes com doença menos grave – eles, às vezes, persistem, mesmo em casos leves. Anticorpos neutralizantes, o tipo mais importante, bem como células B e T de memória parecem ficar relativamente estáveis ​​por pelo menos 6 meses, mostra uma pré-publicação de 16 de novembro, que “provavelmente evitaria que a vasta maioria das pessoas contraíam doenças graves por muitos anos”, disse o autor principal Shane Crotty, do Instituto de Imunologia La Jolla, ao The New York Times.

E há indícios de que as pessoas com COVID-19 grave apresentam as respostas mais fortes, assim como nas duas outras doenças humanas graves causadas por coronavírus, a síndrome respiratória aguda grave (SARS) e a síndrome respiratória do Oriente Médio. Ambas desencadeiam altos níveis de anticorpos que duram até 2 anos, e as respostas das células T ao SARS podem ser detectadas por ainda mais tempo. Por causa dessas defesas imunológicas persistentes, “espero que a maioria das reinfecções seja assintomática”, disse Antonio Bertoletti, especialista em doenças infecciosas da Universidade Nacional de Cingapura. Ele diz que ser reinfectado pode até ser uma coisa boa, “já que você continuará a estimular e treinar seu sistema imunológico”.

Nem todas as reinfecções vistas até agora são mais brandas. “Vemos todas as combinações diferentes”, diz Reusken. Na segunda vez que Luciana Ribeiro, cirurgiã do Rio de Janeiro, adoeceu foi bem pior. Ela foi infectada pela primeira vez por um colega em março, desenvolveu sintomas leves e depois deu negativo. Três meses depois, Ribeiro voltou a apresentar os sintomas – ela não sentia mais o cheiro do café da manhã, diz ela -, mas não fez o exame imediatamente porque achou que era imune. Quando ficou cada vez mais cansada, solicitou uma tomografia computadorizada. “Mostrou que metade dos meus pulmões foram afetados”, diz Ribeiro. “’Este é claramente um caso COVID’, disse-me o radiologista. Não acreditei, mas o testei deu positivo”.

Ribeiro acha que ela foi reinfectada por um paciente na unidade de terapia intensiva onde trabalha e que seu segundo episódio pode ter sido pior porque aerossóis carregados de vírus produzidos durante um procedimento médico entraram em seus pulmões. Mas ela também tem outra teoria: “Pode ser que o vírus tenha se tornado mais virulento nesse meio tempo”.

Até o momento, não existem provas de mutações que tornem o vírus mais patogênico ou que possam ajudá-lo a escapar da imunidade. Mas uma pré-publicação recente de uma equipe do Centro Médico Sueco em Seattle (EUA) sugere que pode existir. A equipe descreve uma pessoa que foi infectada em março e reinfectada 4 meses depois. O segundo vírus tinha uma mutação comum na Europa que causa uma ligeira alteração na proteína spike do vírus, o que o ajuda a entrar nas células humanas. Embora os sintomas tenham sido mais brandos na segunda vez, os experimentos de neutralização mostraram que os anticorpos produzidos pelo primeiro vírus não funcionaram bem contra o segundo, observam os autores, “o que pode ter implicações importantes para o sucesso dos programas de vacinas”.

E alguns cientistas se preocupam com outro cenário que pode piorar o segundo episódio: a doença intensificada, na qual uma resposta imunológica falha à primeira infecção exacerba a segunda. Na dengue, por exemplo, os anticorpos para uma infecção inicial podem, na realidade, ajudar os vírus da dengue de outro sorotipo a entrar nas células, levando a uma segunda infecção mais grave e às vezes fatal. Em algumas outras doenças, a primeira infecção desencadeia células T e anticorpos ineficazes não-neutralizantes, dificultando uma resposta mais eficaz na segunda vez.

Uma pré-publicação recente publicada por pesquisadores chineses sugeriu que pacientes cuja primeira infecção de COVID-19 é muito grave podem ter anticorpos ineficazes, o que pode torná-los mais propensos a reinfecções graves. Mas até agora não há evidências de pacientes reinfectados que sugiram que a doença intensificada esteja presenta na COVID-19 – embora os cientistas também não tenham descartado isso. A vacinação contra algumas doenças também pode desencadear a intensificação posteriormente – uma complicação conhecida ou suspeita das vacinas contra a dengue e contra o vírus sincicial respiratório em humanos e uma doença coronavírus em gatos. Mas não há evidências de que as vacinas candidatas COVID-19 façam isso, diz Cummings. “Tendo trabalhado com a dengue, posso dizer que a base empírica para a doença intensificada simplesmente não existe, embora fosse muito forte na dengue”.

As amostras de vírus de De Jong foram sequenciadas no laboratório de Reusken, com um resultado surpreendente: as sequências não eram idênticas, mas mostravam tanta semelhança que o virologista do RIVM Harry Vennema diz que o organismo provavelmente não eliminou o vírus em abril e que começou a se replicar novamente em Junho. “Eu tive muito estresse depois daquele primeiro episódio porque minha avó morreu”, diz De Jong. “Talvez isso tenha impactado meu sistema imunológico”.

Isso torna seu caso diferente de uma reinfecção verdadeira – embora Vennema diga que talvez estes casos devam ser considerados semelhantes, porque em ambos os casos o sistema imunológico falhou em montar uma resposta protetora. Seu laboratório encontrou pelo menos um caso semelhante, diz ele, sugerindo que algumas reinfecções não confirmadas podem realmente ser um ressurgimento do vírus original.

Outros coronavírus também podem causar infecções persistentes, diz Stanley Perlman, da Universidade de Iowa. Em 2009, sua equipe mostrou que um coronavírus de camundongo causador de encefalite pode permanecer no corpo e disparar continuamente respostas imunológicas, mesmo que não se replique. E em uma pré-publicação de 5 de novembro, uma equipe de cientistas dos EUA mostrou que o SARS-CoV-2 pode persistir por meses no intestino. Infecções persistentes, eles sugerem, podem ajudar a explicar os sintomas extraordinariamente duradouros que afligem alguns sobreviventes da COVID-19.

De Jong está apresentando alguns desses sintomas. Embora ela tenha testado negativo em setembro e tenha altos níveis de anticorpos neutralizantes, sugerindo que ela está protegida por pelo menos alguns meses, ela ainda sofre de problemas gastrointestinais, fadiga e comprometimento cognitivo. De Jong diz que sua história é um alerta para as pessoas que tiveram o vírus e pensam que agora são invulneráveis: “Por favor, tenha cuidado. Você pode pegar de novo”.

Julio Batista

Julio Batista

Sou Julio Batista, de Praia Grande, São Paulo, nascido em Santos. Professor de História no Ensino Fundamental II. Auxiliar na tradução de artigos científicos para o português brasileiro e colaboro com a divulgação do site e da página no Facebook. Sou formado em História pela Universidade Católica de Santos e em roteiro especializado em Cinema, TV e WebTV e videoclipes pela TecnoPonta. Autodidata e livre pensador, amante das ciências, da filosofia e das artes.