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Para se livrar do conceito de matéria escura, a gravidade teria que ser muito estranha, dizem cosmólogos

Por Adrian Cho
Publicado na Science

A matéria escura, o material invisível cuja gravidade supostamente mantém as galáxias unidas, pode ser o conceito menos satisfatório da física. Mas se você quiser se livrar desse conceito, um novo estudo descobriu, você precisará substituí-lo por algo ainda mais bizarro: uma força de gravidade que, em algumas distâncias, junta objetos massivos e, em outras distâncias, os empurra para separá-los. A análise ressalta o quão difícil é explicar a matéria escura.

Elaborar essa teoria da gravidade “é tão complicado que parece muito improvável que alguém possa inventar um cenário que funcione”, diz Scott Dodelson, um físico teórico da Universidade Carnegie Mellon (EUA), que não estava envolvido no novo trabalho. Ainda assim, alguns teóricos dizem que essa teoria pode passar no teste.

De acordo com a teoria prevalecente dos cosmólogos, a matéria escura permeia praticamente todas as galáxias, fornecendo a gravidade extra que impede as estrelas de girarem pelo espaço, dadas as velocidades em que os astrônomos veem as galáxias rotacionando. Uma vasta teia de aglomerados e filamentos de matéria serviu como um andaime sobre o qual o cosmos se desenvolveu. No entanto, depois de décadas de tentativas, os físicos não identificaram partículas de matéria escura flutuando por aí, e muitos rejeitariam a ideia de bom grado – se ela não funcionasse tão bem.

Alguns cientistas tentaram abandonar o conceito de matéria escura. Em 1983, o físico israelense Mordehai Milgrom descobriu que poderia explicar as altas velocidades das estrelas girando em torno da periferia das galáxias, modificando a famosa segunda lei do movimento de Isaac Newton: força igual a massa vezes aceleração. Essa perspectiva sugeriu que a necessidade do conceito de matéria escura poderia ser evitada mudando a lei da gravidade, pelo menos na escala de galáxias individuais. Mas os teóricos trabalharam durante décadas para transformar a ideia em uma teoria da gravidade coerente, semelhante à teoria da relatividade geral de Albert Einstein, e para isso, eles tiveram que adicionar novos campos, primos do campo gravitacional usual.

Mas, para eliminar a matéria escura de vez, os teóricos também precisariam explicar seus efeitos em escalas cosmológicas muito maiores. E isso é muito mais difícil, argumenta Kris Pardo, cosmólogo do Laboratório de Propulsão a Jato da NASA, e David Spergel, cosmólogo da Universidade de Princeton (EUA). Para defenderem a posição, eles comparam a distribuição da matéria comum no início do Universo, conforme revelado pelas medições do brilho posterior do Big Bang – a radiação cósmica de fundo – com a distribuição das galáxias hoje.

A evolução do Universo é um conto de dois fluidos: matéria escura, que não interage com a luz, e matéria comum, que interage. O Big Bang deixou ondulações na matéria escura, que sob sua própria gravidade começaram a se aglutinar em pontos mais densos. A matéria comum – então, uma sopa quente de prótons e elétrons voando livremente – também começou a cair nos aglomerados de matéria escura. No entanto, essas próprias partículas carregadas geraram radiação que as empurrou de volta, criando ondas sonoras conhecidas como oscilações acústicas bariônicas. As ondas continuaram a se espalhar até que o Universo esfriasse o suficiente para formar átomos neutros, 380.000 anos após o Big Bang, quando a radiação cósmica de fundo nasceu. A onda sonora deixou sua marca na radiação cósmica de fundo e, vagamente, na distribuição das galáxias.

Mas será que essa evolução poderia ser explicada com apenas matéria comum interagindo por meio da gravidade modificada? Para explorar essa possibilidade, Pardo e Spergel derivaram uma função matemática que descreve como a gravidade teria que funcionar para ir da distribuição da matéria comum revelada pela radiação cósmica de fundo à distribuição atual das galáxias. Eles descobriram algo surpreendente: essa função deve oscilar entre valores positivos e negativos, o que significa que a gravidade seria atrativa em algumas escalas de comprimento e repulsiva em outras, relataram Pardo e Spergel esta semana na Physical Review Letters. “E isso é muito estranho”, diz Pardo.

O comportamento estranho é necessário para explicar como a oscilação acústica bariônica maior se desvaneceu ao longo do tempo cósmico enquanto as galáxias menores emergiam, diz Pardo. Assim como Milgrom fez com galáxias individuais, o novo trabalho mostra como, sem matéria escura, a gravidade teria que mudar para explicar a estrutura em grande escala do Universo, diz Dodelson. Mas essa mudança teria que ser radical, diz ele. “Eles estão demonstrando que para fazer isso você tem que pular esses 13 obstáculos”, diz ele.

No entanto, os teóricos já parecem preparados para saltar esses obstáculos. Em um artigo pré-publicado em junho no arXiv, os cosmólogos teóricos Constantinos Skordis e Tom Złosnik da Academia Tcheca de Ciências apresentam uma teoria da gravidade modificada sem matéria escura que eles dizem estar de acordo com os dados da radiação cósmica de fundo. Para fazer isso, os pesquisadores adicionam a uma teoria parecida com a relatividade geral um campo adicional sintonizável denominado campo escalar. Ele tem energia e, por meio da equivalência de massa e energia de Einstein, pode se comportar como uma forma de massa. Com a configuração correta e em grandes escalas espaciais, o campo escalar interage apenas consigo mesmo e age como a matéria escura.

A equipe não mostrou explicitamente que a teoria, que não pretende ser uma teoria fundamental da gravidade, passa no teste particular de Pardo e Spergel. Mas porque foi projetada para imitar a matéria escura, ela deveria, diz Skordis. “Nós a projetamos para ter esse comportamento”.

O trabalho de Skordis e Złosnik é “muito empolgante”, diz Pardo. Mas ele observa que, em certo sentido, apenas substitui uma coisa misteriosa – matéria escura – por outra – um campo escalar cuidadosamente ajustado. Dadas as complicações, Pardo diz, “a matéria escura é a explicação mais fácil”.

Julio Batista

Julio Batista

Sou Julio Batista, de Praia Grande, São Paulo, nascido em Santos. Professor de História no Ensino Fundamental II. Auxiliar na tradução de artigos científicos para o português brasileiro e colaboro com a divulgação do site e da página no Facebook. Sou formado em História pela Universidade Católica de Santos e em roteiro especializado em Cinema, TV e WebTV e videoclipes pela TecnoPonta. Autodidata e livre pensador, amante das ciências, da filosofia e das artes.