Publicado no El País
O físico e filósofo Mario Bunge (Buenos Aires, 1919), professor de Filosofia na McGill University em Montreal, no Canadá, e ganhador do prêmio Príncipe de Asturias em 1982, pronunciou-se em um conferência no auditório da Universidade de Barcelona, convidado pela Fundação Ernest Lluch.
Bunge postula a aplicação do método científico no campo da reflexão filosófica e se distingue pela sua beligerância contra as pseudociências – entre as quais incluem a psicanálise e a homeopatia – e combate as correntes filosóficas como o existencialismo, o pós-modernismo e a hermenêutica.
El País (EP): O que parece mais condenável nessas escolas?
Mario Bunge (MB): Por exemplo, Heidegger tem um livro inteiro sobre O ser e o tempo. E o que ele diz sobre o ser? “O ser é ele mesmo.” O que isso significa? Nada! Mas as pessoas não entendem e pensam que deve ser algo muito profundo. Veja como ele define o tempo: “É a maturação da temporalidade.” O que isso significa? As frases de Heidegger são próprias de um esquizofrênico. Chama-se esquizofasia. É uma desordem típica de um esquizofrênico avançado.
EP: Você acredita que Heidegger era um esquizofrênico?
MB: Não, ele era um patife que se aproveitou da tradição acadêmica alemã, segundo o qual o incompreensível é profundo. E, consequentemente, adotou o irracionalismo e atacou a ciência porque quanto mais estúpidas forem as pessoas melhor será para controlá-las de cima. É por isso que Heidegger é o filósofo de Hitler, o seu protegido. Mas ao mesmo tempo a sua pseudofilosofia é tão abstrusa que não poderia ser popular. De modo que o povo receba uma ideologia crassa do solo, telúrica e rasa. E para a elite, fenomenologia, existencialismo, essas coisas abstrusas que ninguém entende, se você diz que não entende acaba se passando por tonto. Se você quer fazer carreira acadêmica tem que tratar de imitar esses malandros, caso contrário acabará ficando para trás…
A conferência de Bunge em Barcelona tratou sobre o estudo dos problemas a partir de uma abordagem complexa, sistemista, que postula que: a partir da consideração de que todas as coisas são ou um sistema ou parte de um sistema; e que para estudá-las tem que compreender quatro elementos: a sua composição, o seu entorno (ambiente), a sua estrutura e o seu mecanismo. “Os objetos, longe de serem simples, ou de estarem isolados, são sempre um sistema ou parte de um sistema”, explica. “Por isso, tratar de entendê-los a partir de um ponto de vista individual ou, inversamente, global é condenar-se ao erro, como aquele motorista que reclamou de que o seu carro não estava funcionando muito bem, mas, por algum outro motivo, estava preso no trânsito”.
Bunge diz que, ainda que qualquer cientista saiba que para compreender um objeto é necessário estudar os citados quatro elementos, nenhum dicionário filosófico, salvo o seu próprio, incorpora conceitos como sistema, e que isso explica o motivo da filosofia estar ficando cada vez mais para trás da ciência e que cada filósofo seja individualista ou globalista: “Alguns veem árvores, mas se perdem na floresta; outros veem as florestas, mas não as árvores”.
EP: Por que você critica a ideia, tanto marxista como burguesa, e difundida pelo senso comum, de que a econômica é o assunto principal para o bem-estar das sociedades?
MB: Como dizia Stuart Mill, nenhum problema econômico tem uma solução puramente econômica. Os grandes problemas são multifacetados e não podem ser fixados apenas por políticos ou economistas. Olhe você a recessão norte-americana. Causada por que? Em primeiro lugar, pelo hábito de consumir sem olhar as dívidas. E um problema político: a regulação nas taxas de juros era tão baixa que permitiu que as pessoas se endividassem para além de suas possibilidades de pagamento. O norte-americano médio deve em seu cartão de crédito, em média, 10.000 dólares. Quase tudo o que foi adquirido, caso, automóvel, geladeira, et cetera, tem feito a partir do crédito. O presidente do Banco Central recorre a que? Para desintoxicar, introduz mais toxina; ou seja, diminui a taxa de juros para que as pessoas possam pedir mais dinheiro emprestado. Piora a situação. É um ato completamente suicida. E esses são supostamente os grandes economistas! Não se dão conta de que se trata de um problema complexo. Temos que educar as pessoas na escola para que elas não entrem em dívidas desnecessariamente, que não tenham cartões de crédito, ou só um. O único que viu isso claramente foi o presidente Carter, que disse: “Não adquirem cartões de crédito, minimizem o calor do momento e consumam menos”. Isso foi uma das razões para que ele não fosse reeleito, porque isso vai contra os costumes norte-americanos.
O interesse de Bunge pela política como fenômeno sistêmico está contido em seu último livro, Filosofía Política. Um tratado “bastante grosso em que me ocupo da filosofia política, que me parece estar em declínio por estar mais na mão de ideólogos do que de cientistas, como Maquiavel. Maquiavel tem uma má fama por ser um técnico sem escrúpulos, mas como estudioso do sistema político foi o primeiro cientista, seguindo a Aristóteles”.
EP: Em sua conferência pareceu que o seu criticismo voltado para os desvios dos grandes problemas da humanidade apontava também motivos para o otimismo…
MB: Um indício positivo é o fato de que existe meio milhão de ONGs voltadas, pelo menos em teoria, para o bem comum. Elas desenvolvem um papel importante em países avançados e também em alguns subdesenvolvidos, como a Índia, que está cheia de cooperativas e de organizações voluntárias. Não digo que seja suficiente, mas cumprem um passo muito importante entre o indivíduo e a empresa privada. Eu tenho alguma experiência sobre isso: no ano de 38 eu ajudei a organizar a Universidade Obrera Argentina. Chegou a ter 1000 alunos. Funcionou cinco anos e logo foi fechada pelo Governo ditador de 43. O que mais incomoda a uma ditadura são precisamente as iniciativas individuais e coletivas que não são controladas pelo governo e nem pelas empresas. A primeira coisa que morre com uma ditadura são as organizações não governamentais.