Publicado no El Espectador
Desde os 16 anos, Mario Bunge tem se interessado pelas ciências exatas e a filosofia. Ainda que nas última décadas tenha tentado mostrá-las como antagônicas, para Bunge elas são complementares. Primeiro, estudou Física na Universidade de la Plata e Filosofia por conta própria. É professor emérito da Universidade McGill. Também exerceu jornalismo para a Agência EFE. A reimpressão do livro O socialismo tem futuro? (Gedisa) causou uma grande agitação no México durante seu lançamento. Por sua oposição ao peronismo, Bunge teve que esperar até o ano de 1955 para poder ingressar como docente no país natal. Desde 1966 vive no Canadá. Entre as suas obras mais destacadas se encontram: Fundamentos de Biofilosofia; Mente e Sociedade; A Investigação Científica: Sua Estratégia e sua Filosofia, e a mais recente, Minhas Memórias: Entre Dois Mundos, além de muitas outras obras. Falamos com ele para conhecer a sua visão sobre a aposta da Colômbia pela paz e a opinião que tem frente a desmobilização das FARC.
Qual a sua opinião sobre a formação dos filósofos na América Latina?
Há uma situação preocupante e é que, na América Latina, muitas universidades têm os seus programas orientados para fazer o estudo de autores e não de problemas da realidade. Formam experts nas obras de Sócrates e Platão, especialistas em Kant, alguns professores repetem uma ou outra vez as palavras de Wittgenstein, dados anedóticos de sua vida, mas não fornecem espaços para pensar filosoficamente. Ser filósofo não é repetir palavra por palavra da dialética do senhor e do escravo de Hegel, não.
Qual é o perfil de um verdadeiro filósofo?
O filósofo é quem estuda os problemas do nosso tempo para buscar uma solução, como fazem os cientistas. Não há muitos filósofos na América Latina, mas sim pessoas que têm dedicado a sua vida a repetir as obras de outros pensadores como Marx, Hegel, Aristóteles, Walter Benjamín, e nos últimos anos, os charlatães e delinquentes como Foucault e Jacques Derrida.
Por que você chamou Michel Foucault e Jacques Derrida de delinquentes?
Foucault falsificou muitos dados em sua História da Loucura na Época Clássica e a “Desconstrução” é apenas um jogo confuso de palavras onde os mais ingênuos passam-se como sofisticados. Tanto Foucault e Derrida foram discípulos de Nietzsche, que fazia parte da reação ao Iluminismo. Todos eles questionaram a ideia de verdade, como se fosse um valor. Eles nunca resolveram um problema prático e ainda causaram muito dano alienando os jovens no estudo da ciência, que é a chave fundamental para a convivência, porque contribui para a compressão de nós mesmos. Eles também compararam políticos com cientistas, algo absurdo.
Quais são as tarefas fundamentais dos filósofos e cientistas colombianos?
Uma tarefa que não se pode esperar muito é o ressurgimento da Associação Colombiana de Filosofia da Ciência. Recordo com grande apreço de meu amigo Carlo Federici, que foi um de seus mais importantes defensores. Hoje existem alguns valiosos esforços acadêmicos nesse âmbito, como a Revista Colombiana de Filosofia da Ciência, onde participa os discípulos de Federici, Gustavo Silva Carrero e a Universidade del Valle, o professor Germán Guerreo Pino. Claro, todos os cientistas, tanto das ciências exatas como sociais, devem buscar contribuir para acabar com os problemas da Colômbia investigando, revelando a realidade, buscando a verdade, deixando para trás as pseudociências como a psicanálise. São muitas tarefas pendentes.
Vamos falar da relação entre o político e o cientista, algo que está sendo discutido nas universidades colombianas…
Os cientistas não fazem política. Algumas pessoas que têm estudado alguma carreira científica e são péssimos pesquisadores, fazem lobby para conseguir um posto mais alto na universidade, mas são minorias. Os verdadeiros cientistas buscam novos conhecimentos que ajudam a transformar a sociedade, mas Foucault e Nietzsche não puderam compreender porque estavam enfeitiçados, cheios de ego, posando, buscando sempre ser vistos, como alguns de seus discípulos que posam uma e outra vez nos meios de comunicação e, quando falam, não dizem nada importante. Felizmente, o pós-modernismo está morrendo.
Qual deve ser o papel dos cientistas na atual situação que vive o país?
Investigar e produzir conhecimento útil para a aplicação das políticas públicas para a melhoria da qualidade de vida das pessoas. Isso não quer dizer que devam se intrometer nos debates políticos, mas sim que devem assessorar os políticos na busca de paz. Quando o cientista se intromete na política ele perde a objetividade.
Alguns temem que os ex-combatentes das FARC não possam se adaptar a vida cotidiana sem armas. O que você acha?
Claro que eles podem ser reintegrados. Na história da humanidade sempre foi assim. Veja o que aconteceu na primeira e segunda Guerra Mundial. As pessoas que lutaram em lados diferentes retornaram à vida civil, à vida cotidiana. O que todas pessoas querem é viver de forma tranquila, ninguém quer viver em guerra. Muitas vezes, os que participam da guerra o fazem contra a sua vontade, porque não têm outra forma de se ganhar a vida ou foram forçados e a única maneira de sobreviver é fazendo parte dela. A guerra nunca resolve um problema e não é útil para nada, exceto para os fabricantes de armas, que se enriquecem dela.
As descobertas científicas continuam-lhe surpreendendo?
Claro, a realidade humana está repleta de vazios que devemos explorar. Todos os dias, as investigações científicas avançam a passos largos. Cada dia se descobre uma nova aresta de um fenômeno, isso me parece fascinante.
Qual seria a sua recomendação para os legisladores impulsionarem a investigação científica a partir do Governo?
No lugar de cortar os gastos com a investigação, o que se deve fazer é impulsionar as associações de cientistas e apoiar a quem quiser difundir a ciência com autonomia; mas nesse momento, na Colômbia, é importante o desenvolvimento e a investigação científica, porque é a única via para acabar com os problemas da sociedade e sepultar a ampla desigualdade que tem ocasionada em seu país muitos estragos. Recordo que, como dizia Jean-Jacques Rousseau, a desigualdade é a fonte de todos os problemas sociais.
Qual é o impacto das investigações científicas no mundo?
Nos últimos anos têm acontecido um aumento considerável de papers e patentes na América Latina, mas ainda é baixo, comparado com a produção científica dos Estados Unidos. Argentina e Brasil pontuam a produção. A culpa por esse atraso na investigação têm relações coloniais em grande parte primitivo com a Espanha, para a época, o império mais religioso e retrógrado. Na Espanha continuam reinando a espada e a cruz, a sua contribuição para o desenvolvimento científico, hoje, é mínima.
Em seu mais recente livro O socialismo tem futuro?, em colaboração com outros autores, questionam-se as possibilidades desse sistema de produção? Na América Latina temos visto governos autoproclamados de esquerda entrarem em colapso. Depois da experiência europeia, soviética e essa recente onda na América Latina, poderá sobreviver uma nova experiência de socialismo em outra parte do mundo?
É uma pergunta difícil de responder, já que versa sobre o futuro. Mas devemos notar que algo inevitável é o desaparecimento do modo de produção capitalista, que a cada dia está acabando com os recursos naturais e humanos. As experiências do socialismo fracassaram porque era marxistas, isto é, buscavam respostas para os problemas que enfrentavam nos textos de Marx e Engels, depois em Lenin e outros pensadores, mas esses textos nada podiam dizer-lhes. Na América Latina aconteceu igual, sendo que nem Marx tinha estudado a realidade latino-americana. Então, o marxismo se converteu em uma forma de colonialismo intelectual. Todos viam os camponeses como senhores feudais, falavam de burgueses e proletariados, quando a indústria ainda estava surgindo. Os recentes experimentos também têm caído nesse colonialismo intelectual que busca resolver as contingências com os escritos de pensadores do século XIX, deixando de lado as recomendações dos cientistas contemporâneos.
Um de seus interesses é a filosofia da medicina. Os sistemas de saúde na América Latina em países como Colômbia, experimentam diversos problemas que afetam a qualidade de vida de seus pacientes e de seus trabalhadores. O que os médicos podem fazer nesse contexto?
Em princípio, organizar sociedade médicas e lutar, mas não só pela divulgação de suas pesquisas, mas também por objetivos sindicais para os seus direitos: que lhes paguem bem, que lhes evite a sobrecarga – é muito perigoso para um paciente ser atendido por um médico que não dormiu oito horas. Uma boa qualidade de vida para os médicos se transmite para os seus pacientes.
O que você lembra de sua primeira visita a Colômbia?
Visitei o país nos anos setenta, atendendo um convite da Academia Colombiana de Ciências. Minha conferência foi em um dia de domingo, pensei que ninguém assistiria, mas o auditório estava lotado. Nos últimos assentos gritaram, “mestre, o que é amor?”, o público explodiu de risos e eu fui pego de surpresa. Esperava uma pergunta sobre outros temas e, bom, não havia estudado o amor. A partir desse momento comecei a examinar o tema com rigor. O amor é uma parte fundamental da realidade humana e animal, e sua compreensão científica também é uma tarefa dos pesquisadores.