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Não se deixe enganar por essas 4 concepções erradas sobre a mecânica quântica

Traduzido por Julio Batista
Original de Alessandro FedrizziMehul Malik para The Conversation

A mecânica quântica, a teoria que rege o micromundo dos átomos e partículas, certamente tem uma grande fama e destaque.

Ao contrário de muitas outras áreas da física, ela é bizarra e contra-intuitiva, o que a torna deslumbrante e intrigante.

Quando o prêmio Nobel de física de 2022 foi concedido a Alain Aspect, John Clauser e Anton Zeilinger por pesquisas que esclareceram muitas coisas sobre a mecânica quântica, isso provocou entusiasmo e discussão.

Mas os debates sobre a mecânica quântica – sejam eles em fóruns de bate-papo, na mídia ou na ficção científica – muitas vezes podem ficar confusos graças a vários mitos, concepções erradas e equívocos persistentes. Aqui estão quatro deles.

1. Um gato pode estar morto e vivo

Erwin Schrödinger provavelmente nunca poderia ter previsto que seu experimento mental, o gato de Schrödinger, alcançaria o status de meme da internet no século 21.

Isso sugere que um felino azarado preso em uma caixa com um mecanismo de interrupção acionado por um evento quântico aleatório – decaimento radioativo, por exemplo – pode estar vivo e morto ao mesmo tempo, desde que não abramos a caixa para verificar.

Sabemos há muito tempo que as partículas quânticas podem estar em dois estados – por exemplo, em dois locais – ao mesmo tempo. Chamamos isso de superposição.

Os cientistas conseguiram mostrar isso no famoso experimento da dupla fenda, onde uma única partícula quântica, como um fóton ou elétron, pode passar por duas fendas diferentes em uma parede simultaneamente. Como sabemos disso?

Na física quântica, o estado de cada partícula também é uma onda. Mas quando enviamos um fluxo de fótons – um por um – através das fendas, ele cria um padrão de duas ondas interferindo uma na outra em uma tela atrás da fenda.

Como cada fóton não teve nenhum outro fóton para interferir quando passou pelas fendas, isso significa que ele deve ter passado simultaneamente pelas duas fendas – interferindo consigo mesmo (imagem abaixo).

(Créditos: Dorling Kindersley/Dorling Kindersley RF/Getty Images)

Para que isso funcione, no entanto, os estados (ondas) na superposição da partícula que passa por ambas as fendas precisam ser “coerentes” – tendo uma relação bem definida entre si.

Esses experimentos de superposição podem ser feitos com objetos de tamanho e complexidade cada vez maiores.

Um famoso experimento de Anton Zeilinger em 1999 demonstrou superposição quântica com grandes moléculas de Carbono-60 conhecidas como “bucky-bolas“.

Então, o que isso significa para o nosso pobre gato? Está realmente vivo e morto enquanto não abrirmos a caixa?

Obviamente, um gato não é nada como um fóton individual em um ambiente de laboratório controlado, é muito maior e mais complexo.

Qualquer coerência que os trilhões e trilhões de átomos que compõem o gato possam ter entre si é extremamente curta.

Isso não significa que a coerência quântica seja impossível em sistemas biológicos, apenas que geralmente não se aplica a grandes criaturas, como gatos ou humanos.

2. Analogias simples podem explicar o emaranhamento

O emaranhamento é uma propriedade quântica que liga duas partículas diferentes de modo que, se você medir uma, saberá automaticamente e instantaneamente o estado da outra – não importa quão distantes estejam.

Explicações comuns para isso normalmente envolvem objetos do nosso mundo macroscópico clássico, como dados, cartões ou até pares de meias de cores diferentes.

Por exemplo, imagine que você diga ao seu amigo que colocou um cartão azul em um envelope e um cartão laranja em outro. Se o seu amigo pegar e abrir um dos envelopes e encontrar o cartão azul, vocês dois saberão que você tem o cartão laranja.

Mas para entender a mecânica quântica, você precisa imaginar que os dois cartões dentro dos envelopes estão em uma superposição conjunta, o que significa que são laranja e azul ao mesmo tempo (especificamente laranja/azul e azul/laranja).

A abertura de um envelope revela uma cor determinada aleatoriamente. Mas abrir o segundo envelope ainda sempre revelará a cor oposta porque está “fantasmagoricamente” ligado ao primeiro cartão.

Pode-se forçar os cartões a aparecer em um conjunto diferente de cores, semelhante a fazer outro tipo de medição. Poderíamos abrir um envelope com a pergunta: “Você tem um cartão verde ou vermelho?”.

A resposta seria novamente aleatória: verde ou vermelho. Mas, crucialmente, se os cartões estivessem emaranhados, o outro cartão ainda sempre produziria o resultado oposto quando feita a mesma pergunta.

Albert Einstein tentou explicar isso com a intuição clássica, sugerindo que os cartões poderiam ter sido fornecidos com um conjunto de instruções internas ocultas que lhes dizia em que cor aparecer diante de uma determinada pergunta.

Ele também rejeitou a aparente ação “fantasmagórica” entre os cartões que aparentemente permite que elas se influenciem instantaneamente, o que significaria uma comunicação mais rápida que a velocidade da luz, algo proibido pelas teorias de Einstein.

No entanto, a explicação de Einstein foi posteriormente descartada pelo teorema de Bell (um teste teórico criado pelo físico John Stewart Bell) e pelos experimentos dos ganhadores do Prêmio Nobel de 2022. A ideia de que medir um cartão emaranhado altera o estado do outro não é verdadeira.

As partículas quânticas são apenas misteriosamente correlacionadas de maneiras que não podemos descrever com a lógica ou linguagem cotidiana – elas não se comunicam enquanto contêm um código oculto, como Einstein pensava.

Portanto, esqueça os objetos do dia-a-dia quando pensar em emaranhamento.

3. A natureza é irreal e ‘não-local’

Costuma-se dizer que o teorema de Bell prova que a natureza não é “local”, que um objeto não é apenas diretamente influenciado por seus arredores imediatos. Outra interpretação comum é que isso implica que as propriedades dos objetos quânticos não são “reais”, que eles não existem antes da medição.

Mas o teorema de Bell só nos permite dizer que a física quântica significa que a natureza não é real e local se assumirmos algumas outras coisas ao mesmo tempo.

Essas suposições incluem a ideia de que as medições têm apenas um único resultado (e não múltiplos, talvez em mundos paralelos), que causa e efeito fluem para frente no tempo e que não vivemos em um “universo mecânico” no qual tudo foi predeterminado desde a aurora dos tempos.

Apesar do teorema de Bell, a natureza pode muito bem ser real e local, se você permitir romper com algumas outras coisas que consideramos senso comum, como o tempo avançando. E mais pesquisas, esperamos, reduzirão o grande número de interpretações potenciais da mecânica quântica.

No entanto, a maioria das opções na mesa – por exemplo, o tempo fluindo para trás ou a ausência de livre arbítrio – são pelo menos tão absurdas quanto desistir do conceito de realidade local.

4. Ninguém entende de mecânica quântica

Uma citação clássica (atribuída ao físico Richard Feynman, que estaria parafraseando Niels Bohr) supõe: “Se você acha que entende a mecânica quântica, você não a entende”.

Essa visão é amplamente aceita em público. A física quântica é supostamente impossível de entender, inclusive por físicos. Mas de uma perspectiva do século 21, a física quântica não é matematicamente nem conceitualmente particularmente difícil para os cientistas.

Entendemos ela extremamente bem, a um ponto em que podemos prever fenômenos quânticos com alta precisão, simular sistemas quânticos altamente complexos e até começar a construir computadores quânticos.

A superposição e o emaranhamento, quando explicados na linguagem da informação quântica, não exigem mais do que a matemática do ensino médio. O teorema de Bell não requer nenhuma física quântica. Ele pode ser derivado em poucas linhas usando a teoria da probabilidade e álgebra linear.

Onde está a verdadeira dificuldade, talvez, seja como conciliar a física quântica com nossa realidade intuitiva. Não ter todas as respostas não nos impedirá de progredir ainda mais com a tecnologia quântica. Podemos simplesmente ficar com o que temos e calcular.

Felizmente para a humanidade, os vencedores do Nobel Aspect, Clauser e Zeilinger se recusaram a ficar com o que temos e continuaram perguntando por quê. Outros como eles podem um dia ajudar a reconciliar a estranheza quântica com nossa experiência da realidade.

Julio Batista

Julio Batista

Sou Julio Batista, de Praia Grande, São Paulo, nascido em Santos. Professor de História no Ensino Fundamental II. Auxiliar na tradução de artigos científicos para o português brasileiro e colaboro com a divulgação do site e da página no Facebook. Sou formado em História pela Universidade Católica de Santos e em roteiro especializado em Cinema, TV e WebTV e videoclipes pela TecnoPonta. Autodidata e livre pensador, amante das ciências, da filosofia e das artes.