“Essas ações moduladoras [de segundos mensageiros produzidos pela ativação de canais metabotrópicos por neurotransmissores como a serotonina, a noradrenalina e a dopamina] são importantes na produção de estados emocionais, no humor, no alerta e nas formas simples de aprendizado e memória. Considera-se que muitos distúrbios neurológicos e transtornos psiquiátricos, incluindo a doença de Parkinson, depressão, ansiedade e esquizofrenia, envolvem alterações na transmissão sináptica dependente de receptores metabotrópicos. Fármacos que agem para aumentar ou diminuir a ativação de receptores metabotrópicos são importantes no tratamento dessas doenças.” (Kandel, 2014)
Pessoas mais desavisadas podem interpretar essa passagem como afirmando que a causa desses distúrbios e transtornos é a alteração (para mais ou para menos) na transmissão sináptica. A cura seria, portanto, reverter (com fármacos) essas alterações. Entretanto, o autor é muito cuidadoso na escrita para não dar margem a essa interpretação. Em todo momento ele fala que esses distúrbios e transtornos envolvem alterações na transmissão sináptica e que os fármacos que revertem esse estado são importantes no tratamento.
Algumas pessoas, geralmente movidas por sua ideologia, costumam forçar essa interpretação equivocada – que é obviamente falsa e que então pode ser facilmente rejeitada – com o intuito de chamar a atenção para o aspecto social das doenças mentais e, frequentemente, de negar o aspecto biológico delas. Acontece que não é necessário ser desonesto para defender uma ideia. Mesmo reconhecendo que a depressão, para citar um exemplo, envolve alterações neurofisiológicas, é possível ressaltar que o contexto social, a rotina, as relações familiares, crenças, eventos passados, etc, desempenham papel crucial em seu desenvolvimento, e que o devido tratamento deve contemplar todos esses aspectos para que seja mais efetivo e para que as chances de recaída diminuam.
Outro ponto interessante é que raramente veremos pesquisadores sérios publicando em revistas sérias defendendo que a causa de transtornos psiquiátricos é somente alterações neuroquímicas. Esse argumento atribuído geralmente a neurocientistas é, como já se esperava, um espantalho, e a citação de Eric Kandel, prêmio Nobel de fisiologia ou medicina, é um forte contraponto a essa ideia.
Referência: Kandel, Eric. R. et al. Princípios de Neurociências. 5ª Ed. Porto Alegre: Artmed. 2014 (pp. 227)