Empatia significa entender o outro por dentro, como também sugerido pelo termo em alemão para empatia Einfühlung ‘sentir por dentro’. Empatia pressupõe entender o que o outro está experimentando, sem necessariamente sentir compaixão ou ser motivado a ajudar, o que seria simpatia, muitas vezes é confundida com a noção de empatia.
A teoria da simulação incorporada e suas heurísticas em potencial na cognição social realiza um diálogo interessante com as humanidades, em especial no campo da estética. Essa perspectiva, que enfatiza a natureza sensório-motora da cognição humana, oferece muitas vantagens:
1) permite enquadrar a cognição humana dentro de um cenário evolutivo, que privilegia a exaptação sobre a adaptação, a continuidade sobre a descontinuidade e o desafio mutações genéticas abruptas que aparecem na escala evolutiva (p.ex. o ‘gene da sintaxe’);
2) possibilita uma perspectiva comparativa, conectando as habilidades cognitivas humanas aos seus antecedentes evolutivos em primatas não-humanos;
3) possibilita uma nova visão da experiência estética, vinculando a produção de artefatos culturais à sua recepção. Qualquer forma de experiência estética induzida pelas relações humanas com artefatos culturais/artísticos é intersubjetiva: o objeto conecta a subjetividade do criador – um artista, por exemplo, com a subjetividade do expectador.
A teoria da simulação incorporada se baseia em uma noção de modalidade segundo a qual os estados ou processos mentais são incorporados devido ao seu formato físico corporal. (Gallese, 2005, 2007, 2014). A forma corporal de uma representação mental restringe o que essa representação mental pode representar devido às restrições corporais impostas pela natureza espacial do corpo humano. Restrições semelhantes se aplicam tanto às representações das próprias ações, emoções ou sensações quanto às de outras pessoas. Portanto, a simulação incorporada é a reutilização de estados mentais e processos envolvendo representações que têm um formato corporal. Sistemas sensoriais-motores, originalmente desenvolvidos para facilitar nossas interações com o mundo, uma vez dissociados da via motora final original e reconectados dinamicamente a outras áreas corticais, servem para habilidades cognitivas recém-adquiridas. A experiência das nossas ações, emoções e sensações e das emoções, sensações e ações dos outros sempre ocorrem em uma dimensão centrada em nós.
O sistema espelho é uma instanciação da simulação corporal no cérebro: quando o mecanismo espelho é ativado, o processo de simulação é acionado pela percepção, como ao observar alguém executando uma ação, expressar uma emoção ou sofrer uma estimulação somatossensorial. E ainda mais, quando imaginamos algo, uma cena visual, ativamos as mesmas áreas visuais corticais normalmente ativas quando percebemos a mesma cena visual real. Da mesma forma, imagens motoras mentais ativam mapas motores corticais e subcorticais, como o córtex motor primário, o córtex pré-motor, a área motora suplementar, os gânglios da base e o cerebelo. E o mais impressionante, e foco da minha pesquisa: a linguagem, falada ou escrita, sintática e fonológica, associada com verbos, ações e sensações, também ativa áreas corticais que codificam a execução e processos verbais, motores e emocionais. É o cérebro constantemente atualizando nossa percepção do mundo através da simulação incorporada.
As imagens mentais visuais e motoras não são exclusivamente simbólicas. Elas dependem da ativação do mecanismo sensório-motor das mesmas regiões do cérebro. As imagens visuais são de alguma forma equivalentes a simular uma visualização da experiência real e imagens motoras são de alguma forma equivalentes a simular um experiência motora. Em outras palavras, imagens visuais e motoras se qualificam como outras formas de simulação incorporada. Mas qual a relevância de tudo isso para a estética e a experiência da estética?
Hildebrand (1893) mostrou que, ao contemplar imagens (artísticas), a percepção da espacialidade da imagem é o resultado de um processo sensório-motor construtivo do expectador. Na visão de Hildebrand, o espaço é um produto internalizado e não uma experiência a priori, como sugere Kant: a realidade da imagem artística reside em sua natureza intelectual, concebida como resultado das causas que o produziram e do efeito que ela produz no observador. De acordo com essa lógica construtivista, o valor de uma obra de arte reside na capacidade de estabelecer uma relação entre a intenção do artista e a reconstrução no observador, estabelecendo, assim, uma relação direta entre a criação do objeto e o prazer artístico que produz no expectador. Hildebrand propôs que conhecer o objeto é equivalente a conhecer o processo pelo qual ele foi criado.
De fato, isso parece se confirmar por uma série de experimentos realizados: a observação de letras do alfabeto romano, ideogramas chineses ou rabiscos sem sentido, todos escritos à mão, ativa a representação motora das mãos nos observadores de suas mãos (Heiman, Umiltà & Gallese, 2013). Em dois outros estudos, uma simulação motora é evocada ao observar os cortes na tela de Lucio Fontana, pintor e escultor argentino-italiano, integrante do movimento da arte povera (Umiltà et al., 2012) ou as pinceladas dinâmicas na tela de Franz Kline – expressionismo abstrato (Sbriscia-Fioretti et al., 2013). Os traços visíveis dos gestos criativos ativam no observador as áreas específicas do controlador que controlam a execução dos mesmos gestos. Os olhos dos espectadores atraem não apenas informações sobre a forma, direção e textura dos cortes ou linhas, mas, por meio de simulação incorporada, o componente sensório-motor da percepção da imagem, juntamente com as reações sensoriais e emocionais evocadas em conjunto, permite que os espectadores SINTAM a obra de arte de maneira incorporada (Gallese, 2017). Não se trata de uma simples visão registrada no cérebro, mas o resultado de uma construção complexa, cujo resultado é uma contribuição fundamental do nosso corpo com suas potencialidades motoras, nossos sentidos e emoções, nossa imaginação, afeto, paixões e nossas memórias. Devemos abandonar definitivamente o conceito ultrapassado de visão solipsista e ‘puramente visual’.
O que vemos não é a gravação ‘simples visual’ em nosso cérebro do que está diante de nossos olhos, mas o resultado de uma construção complexa, cujo resultado é o resultado da contribuição fundamental de nosso corpo com suas potencialidades motoras, nossos sentidos e emoções, nossa imaginação e nossas memórias. Devemos abandonar definitivamente o conceito ultrapassado de visão solipsista e ‘puramente visual’. A visão é uma experiência complexa, intrinsecamente sinestésica e dinâmica, feita de atributos que excedem amplamente a mera transposição nas coordenadas visuais do que experimentamos sempre que colocamos os olhos em alguma coisa. Mas até aqui estamos falando do envolvimento corporal na experiência estética. E o julgamento estético explícito da beleza?
Experimentos com o envolvimento sensório-motor dos espectadores com o conteúdo emocional das obras de arte observadas mostram que a experiência contribui para a formação de um julgamento estético objetivo da beleza (Ardizzi et al., 2018). Os resultados demonstraram um aumento específico na classificação explícita da beleza estética das pinturas, mostrando expressões faciais dolorosas durante a ativação congruente dos músculos faciais corrugador de supercílio. Além disso, verificou-se que as características empáticas e a experiência em arte dos participantes se correlacionam diretamente com a amplitude da ativação motora em julgamentos estéticos. Esses resultados sugerem que a postura mimética em relação às imagens observadas afeta não apenas o envolvimento empático que evocam, mas também os julgamentos estéticos explícitos de sua beleza artística. O envolvimento sensório-motor dos espectadores com as experiências dolorosas corporais retratadas em obras de arte representa um mecanismo consistente de baixo para cima que desempenha significativamente um papel na formação de uma avaliação estética objetiva da beleza e que interaja com fatores de cima para baixo.
Apesar da ênfase dos teóricos da empatia no papel desempenhado na avaliação estética pela ressonância corporal com a obra de arte, a tradição neuroestética parece ter herdado principalmente a visão “kantiana” da postura estética, que a experiência da beleza é separada do envolvimento corporal dos espectadores. O papel do envolvimento sensório-motor, além do domínio dos gestos, sugere envolvimento com o conteúdo emocional das obras de arte. Isso deve ficar mais evidente ao avaliar a experiência com o cinema. Como pode algo definitivamente falso ser ao mesmo tempo poderoso o suficiente para provocar nossa imersão total em seu conteúdo provocando grandes emoções? Será tema do próximo artigo.