Traduzido por Julio Batista
Original de Joshua A. Krisch para a Live Science
A navalha de Occam (também conhecida como navalha de Ockham) corta a complexidade com uma abordagem prática. A máxima filosófica “Numquam ponenda est pluralitas sine necessitate”, escrita pelo frade franciscano Guilherme de Occam no século XIV, se traduz como “a pluralidade nunca deve ser colocada sem necessidade”. Em outras palavras, em igualdade de circunstâncias, a simplicidade é a melhor.
Então isso é realmente verdade? A explicação mais simples costuma ser a melhor?
Não exatamente. Occam nunca disse que a complexidade é inerentemente inferior à simplicidade, nem declarou explicações complexas inerentemente erradas. Questões científicas complexas geralmente exigem respostas complexas, e isso não está em desacordo com a navalha de Occam. O princípio apenas afirma que a complexidade desnecessária é, bem, desnecessária.
“A navalha de Occam é encontrar a solução mais simples que funcione”, disse Johnjoe McFadden, professor da Universidade de Surrey no Reino Unido e autor do livro “Life Is Simple: How Occam’s Razor Set Science Free and Shapes the Universe” (Basic Books, 2021 – A Vida é Simples: Como a Navalha de Occam Liberta a Ciência e Molda o Universo, na tradução livre), à Live Science em um e-mail. “Nunca falha, desde que você se lembre da cláusula de necessidade.”
Occam não foi o primeiro a promover a simplicidade. Aristóteles sustentava que “o mais limitado, se adequado, é sempre preferível”, e Ptolomeu considerava melhor “explicar os fenômenos pela hipótese mais simples possível”. Cerca de três séculos após a gênese da navalha de Occam, Isaac Newton declararia que “não devemos admitir mais causas das coisas naturais do que aquelas que são verdadeiras e suficientes para explicar suas aparências”. Cerca de 200 anos depois disso, Albert Einstein concordaria que “tudo deve ser feito o mais simples possível, mas não se restringindo ao mais simples” (o que é, de fato, uma simplificação de sua citação original).
Quando usada corretamente, a navalha de Occam funciona. Se dois programas de computador realizam a mesma tarefa, aquele com menos código é inevitavelmente mais eficiente. O diagnóstico médico mais simples geralmente é correto; os estagiários de hospitais costumam ser ensinados a pensar em cavalos, não em zebras, quando ouvem o som de cascos. Uma implicação da segunda lei da termodinâmica (a desordem aumenta para qualquer processo espontâneo) é que tais processos sempre usam a menor energia possível.
“Copérnico surgiu com o modelo heliocêntrico do Sistema Solar apenas com base em que era o mais simples”, disse McFadden. “A existência de um único bóson de Higgs era a solução mais simples para as equações da física de partículas. Entre esses pontos estão mil avanços científicos que dependiam da simplicidade.”
Quando mal utilizada, entretanto, a navalha de Occam pode se tornar um instrumento contundente de supergeneralização. O princípio não significa, por exemplo, que sigamos cegamente a teoria mais simples, seja ela certa ou errada. “Muitas vezes a hipótese mais simples é muito simples”, disse Elliott Sober, professor de filosofia na Universidade de Wisconsin-Madison, EUA, e autor do livro “Ockham’s Razors: A User’s Manual” (Cambridge University Press, 2015 – A Navalha de Occam: Um Manual para o Usuário, na tradução livre), à Live Science por e-mail. “A simplicidade de uma hipótese é uma consideração, entre outras que são relevantes para avaliar se uma hipótese é verdadeira.”
Quando se trata de ciência de dados, a navalha de Occam pode causar mais problemas do que soluções. Neste caso, “a abordagem mais simples costuma estar errada”, disse Pedro Domingos, professor emérito de ciência da computação e engenharia da Universidade de Washington em Seattle, EUA. Quando Domingos estudou a aplicabilidade da navalha de Occam ao aprendizado de máquina no início dos anos 2000, descobriu que um modelo mais simples é superior a um complexo apenas se for tão bom em prever novos dados.
“Como o aprendizado de máquina moderno tem mostrado repetidas vezes – em conjuntos de modelos, aprendizado profundo etc. – geralmente é a abordagem mais complexa a certa”, disse Domingos à Live Science por e-mail. “E isso não é surpreendente; os fenômenos que estamos modelando são quase sempre mais complexos do que os modelos, e quanto mais próximos de sua verdadeira complexidade pudermos chegar, mais precisos serão os modelos.”
A navalha de Occam, no entanto, continua sendo uma ferramenta útil para aparar o conteúdo de suposições volumosas, pelo menos em nossa vida cotidiana. “O Universo é um lugar complexo, mas às vezes se torna mais complexo através da invenção de explicações complicadas que se adequam a uma determinada ideologia, filosofia ou persuasão política”, disse McFadden. “A navalha de Occam diz para você esquecer tudo isso.”