Ao longo da história da vida na Terra, os organismos vivos passaram e ainda passam por inúmeras transformações. Algumas espécies foram extintas, outras surgiram e uma parte significativa vem se modificando ao longo de milhões de anos. Isso decorre pelo fato de os organismos vivos travarem uma luta diária pela sobrevivência, na tentativa de se reproduzirem, com a finalidade de deixar o máximo de descendentes que possibilitem a manutenção da existência dessa espécie na Terra.
Inúmeras estratégias de sobrevivência e reprodução foram desenvolvidas ao logo do tempo. Essa transformação dos organismos vivos ao longo do tempo chamamos de Evolução, em que dois mecanismos principais operam: mutação e seleção natural (não que não existam outros).
A mutação é um erro na cópia das informações genéticas contidas no DNA que serão transmitidas dos pais para os filhos. Nosso DNA contém o conjunto de informações necessárias para sintetizar proteínas que podem cumprir inúmeras funções: enzimas, estruturais, defesa imune, coloração, etc.
O material genético ou DNA é parcialmente herdado dos pais através dos gametas sexuais. Para produzir o gameta, as células germinativas precisam replicar o seu DNA, ou seja, fazer uma cópia de si mesmo e depois realizar duas divisões celulares para formar o gameta sexual (espermatozoide ou óvulo) processo conhecido como meiose.
Nesse processo de formação dos gametas pode a vir ocorrer erros de replicação, fazendo com que as novas moléculas de DNA não sejam idênticas ao DNA que lhes deram origem. Esses erros na fidelidade da cópia podem ou não alterar a futura proteína que será sintetizada a partir de suas informações.
Se, por ventura, essa mutação causar alterações na síntese proteica a seleção natural atuará para rejeitar aquelas proteínas que prejudicam a sobrevivência ou reprodução. No entanto, caso o gene mutante traga algum benefício em relação ao gene selvagem (não mutante) ele apresentará a tendência de se fixar na população, ou seja, se tornar cada vez mais comum até que passe a ter uma proporção próxima de 100% na população.
Isso porque caso essa nova proteína mutante seja benéfica para a espécie, as chances de sobrevivência/reprodução tenderão a aumentar e consequentemente deixando mais descendentes com esse gene mutante e assim sucessivamente.
Nesse sentido, de forma bastante simplificada, poderíamos resumir essa breve introdução da seguinte forma: A aparência de um ser vivo é resultado de um longo processo de acúmulo de mutações que foram devidamente eliminadas ou mantidas via seleção natural. O resultado desse processo é o surgimento de estratégias fascinantes de sobrevivência. Nesse texto veremos especialmente modificação da coloração que possibilitam aprimorar os mecanismos de defesas ou de ataques, possibilitando assim aumentar a adaptabilidade.
Camuflagem
Essa tática de sobrevivência possibilita que o organismo não seja visualizado. Um exemplo bastante categórico que poderíamos citar é o do urso polar ou o guepardo endêmico das savanas africanas . Em ambos os casos, sua coloração é confundida com a cor predominante do ambiente possibilitando que ambos os predadores tenham vantagem na caça. Isso se deve ao fato da presa ter dificuldade em visualizar a aproximação do predador criando, assim, melhores condições de caça
Os ursos polares evoluíram de uma linhagem de ursos pardos há aproximadamente 600 mil anos, período que abrange o pleistoceno. Durante esse período, o planeta passou por um forte resfriamento provocando alterações no habitat, no qual habitavam os ursos e esse novo….? ficou coberto de neve. Essas foram as condições que propiciaram alterações nas pressões seletivas exercidas pela seleção natural.
Um urso de coloração escura que apresentasse uma mutação que o deixasse mais branco teria uma vantagem de caça do que um urso escuro na neve. Isso faria com que a versão mutante (o branco) tivesse maiores chances de sobrevivência e consequentemente reprodução. Isso levaria a fixação do gene mutante na população, o que é observado hoje no qual todos ursos polares são brancos.
Todavia, existe um outro tipo de adaptação que pode ser confundido com a camuflagem conhecida como cripticidade. Ela, em uma aspecto geral, também dificulta que a presa ou predador seja identificado. Porém, segundo o biólogo Michael H. Robinson a cripticidade deve ser diferenciada da camuflagem. A camuflagem faz com que o animal se pareça com uma porção randômica do pano de fundo em que habita. Já cripticidade, ocorre em animais que são vistos, mas, no entanto, passam uma informação falsa a potenciais predadores/presa, como imitadores de folhas ou galhos, parecendo com algo não comestível ou que não desperte interesse no predador.
Por exemplo, o bicho pau é facilmente observado, ou seja, sua estratégia de sobrevivência não é “não ser visto”. Porém, sua aparência claramente se confunde com um galho de árvore, até mesmo seu andar lento e balanceado simulam um galho balançado. Outro animal que apresenta uma capacidade extraordinária de cripticidade é o Bicho-folha-seca (nome que generaliza uma série de espécies de louva-deus), na qual sua característica faz com que ele se seja confundido com uma folha seca, possibilitando assim que suas chances de predar um outro animal ou de evitar de ser predado se elevem.
Aposematismo ou coloração de advertência.
Diferentemente da camuflagem e da Cripticidade existe uma outra estratégia adaptativa que, de certa forma, é o oposto das discutidas anteriormente. Os organismos em questão desenvolvem colorações altamente chamativas com um objetivo: que em qualquer hipótese ele seja visto e facilmente distinguível. O nome dessa estratégia de sobrevivência se chama aposematismo ou coloração de advertência.
Uma espécie de anfíbio endêmico da Colômbia Phyllobates terribilis apresenta uma coloração amarela vibrante. Essa espécie recebeu o título de vertebrado mais venenoso do mundo. Suas toxinas se encontram na pele e caso o predador tente comer esse animal sua morte será imediata. A Phyllobates terribilis tem mais de 100 toxinas e seu veneno é capaz de matar várias pessoas. Os índios Choco do oeste da Colômbia fazem armas mortais simplesmente passando os dardos de suas zarabatanas nas costas de uma dessas rãs (Myers e Daly 1983).
Outro animal que desenvolveu defesas semelhantes é a Salamandra-de-fogo (Salamandra salamandra) ela secreta toxinas através de glândulas a tornando impalatáveis e apresenta uma coloração bastante marcante, preta e amarela.
Todavia, qual seria, de fato, a vantagem de apresentar colorações berrantes que facilitam a identificação desses animais? Aqui entra em cena um conceito da seleção de parentesco, estabelecida por Fisher em 1930. Quando um indivíduo impalatáveis for atacado por um predador ele aprenderá (caso não morra) que animais daquela característica são perigosos. Caso o predador morra a lição poderá ser transmitida por espécies que tenham a capacidade de transmitir conhecimento.
A partir de então, as características mais fáceis de serem assimiladas pelos predadores seriam reforçadas pela seleção natural. Isso porque características marcantes como coloração vibrante e distribuição das cores únicas seriam mais fáceis de serem aprendidas. Ocorre aqui um processo de altruísmo, no qual todos se arriscam igualmente em ser devorados por um desavisado. No entanto, no momento em que o desavisado prova o sabor ruim daquela espécie ele passa, a partir de então, a evitar animais com padrões de colorações similares.
Mimetismo
Essa é uma adaptação evolutiva, na qual a aparência de um animal converge para a aparência de outro, ou seja, imitando “outra espécie” que será um modelo. Existem quatro tipos de mimetismo: Batesiano, Mülleriano, Peckhamiano, Wasmanniano.
O conceito mimetismo Batesiano foi elaborado pelo naturalista Inglês Henry Bates. Em uma viagem pela Amazônia ele percebeu que uma série de espécies de insetos “abandoaram” seu padrão críptico similar de espécies evolutivamente mais próximas e passaram a desenvolver uma coloração mais chamativa, similar à de espécies evolutivamente mais distantes, que geralmente eram impalatáveis ou perigosas.
Mas quais seriam as pressões evolutivas que transformaram a aparência dessas espécies para um padrão de forma e coloração mais chamativos? Bates percebeu que essas espécies ao “adotarem” uma coloração similar de organismos impalatáveis ou perigosos desenvolviam maiores possibilidades de sobrevivência, já que eventuais predadores a confundiam com a espécie perigosa. Na prática, todas as mutações ocorridas que transformaram a aparência desse animal para ser mais similar a espécie perigosa foram mantidas pela seleção natural.
De forma, grosseiramente, simplificada poderíamos definir mimetismo Batesiano como o processo no qual a espécie não perigosa “imita” a perigosa. Um exemplo da ocorrência desse mimetismo está na relação entre a coral verdadeira (venenosa) e a falsa coral (não venenosa) Oxyrhopus guibei , na qual ambas apresentam um padrão de coloração e padrão de distribuição das cores muito similar.
Essa hipótese foi testada experimentalmente, no qual se alimentava sapos com abelhas vivas e obviamente eles eram ferroados. Após tentava se alimentar os sapos com moscas da família Bombyliidae, na qual apresentam uma aparência extraordinariamente similar a de uma abelha. Os sapos em questão não ousaram a se alimentar das moscas, fruto da experiência negativa que tiverem ao serem ferroados.
Já o mimetismo Muleriano tem esse nome em homenagem ao seu descobridor, o zoólogo alemão, mas que viveu maior parte da sua vida no Brasil ,Fritz Müller. Esse mimetismo ocorre quando espécies não palatáveis evoluem convergentemente para uma aparência similar. A grande vantagem evolutiva para essas espécies é que o predador não precisa aprender vários padrões de cores de espécies impalatáveis. Um exemplo desse mimetismo ocorre entre a borboleta monarca Danaus plexippus e a vice-rei Limenitis archippus, na qual ambas são impalatáveis. Quando um predador come uma delas ele passa a evitar a outra espécie também.
Já o mimetismo Peckhamiano ou mimetismo agressivo é o processo no qual o predador mimetiza a presa a fim de aumentar suas chances de predação. Aqui a famosa expressão: “lobo em pele de cordeiro”, se aplica na natureza. Esse conceito foi desenvolvido pelo casal George e Elizabeth Peckham, eram taxonomistas e juntos, entre 1883 a 1909, descreveram 63 gêneros e 366 espécies. Além disso, ambos introduziram os conceitos darwinistas nas escolas secundárias dos EUA isso no século XIX. Elizabeth Peckham foi uma importante ativista do movimento sufragista americano.
Um exemplo desse mimetismo é aplicado pela aranha Amyciaea forticeps, onde ela mimetiza tanto sinais químicos e morfológicos da formiga Oecophylla smaragdina. Essa aranha além da aparência similar à da formiga levanta as patas frontais para simular que são antenas e que apresenta três pares de patas. Lembre-se insetos, portanto, formigas também apresentam três pares de pata e um par de antena, já aranhas tem quatro pares de patas e não apresentam antenas. Essa fascinante adaptação possibilita que a aranha ataque a formiga em melhores condições, já que a formiga tem muita dificuldade em reconhecê-la como ameaça.
Por fim, o mimetismo Wasmanniano é um processo no qual a espécie mimética não afeta a espécie modelo e pode envolver uma série de processos distintos. Em geral, o mímico e o modelo têm presas distintas, sendo assim não há competição entre ambas. O mímico obtém vantagem por estar intrinsicamente relacionado com a espécie modelo. Os exemplos mais clássicos são de aranhas que mimetizam formigas e passam a viver, se alimentar ou até mesmo se reproduzir dentro dos formigueiros sem afetar as formigas.
Aranhas Masoncus pogonophilus são encontradas em ninhos de formigas Leptogenys badius. Essas espécies de aranha se alimentam de pequenos artrópodes da ordem dos colêmbolos que vivem dentro de ninhos das formigas.
Esses exemplos de adaptação só expressam a atuação da seleção natural e seus demais mecanismos para desenvolver adaptações fascinantes. Todos os casos discutidos mostram quão belas podem ser as adaptações que contribuem de forma decisiva para espécies vencer a dura batalha pela sobrevivência e reprodução. Cabe a nós aprofundar nossos conhecimentos sobre esses mecanismos evolutivos e popularizá-los afim de conhecer a nós próprios e levar ao maior número possível de pessoas os encantadores processos que levam a evolução das espécies.
Para saber mais:
Robinson, M.H. 1981. A stick is a stick and do not worth eating – on the definition of mimicry. Biological Journal of the Linnean Society 16: 15-20.
Cushing PE, Myrmecomorphy and Myrmecophily in spiders: a review, in Florida Entomologist 1997; 80(2): 165-193.
Ricklefs. A Economia da Natureza.