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O que o platô de COVID-19 significa para seus cães e gatos?

Por David Grimm
Publicado na Science

No mês passado, o primeiro cão dos Estados Unidos a testar definitivamente positivo para COVID-19 morreu na cidade de Nova York. O canino – um pastor alemão chamado Buddy – provavelmente tinha um linfoma, mas o caso serviu como um lembrete de que os animais de estimação também correm riscos.

Agora, os casos de COVID-19 estão aumentando em algumas áreas dos Estados Unidos, incluindo em lugares que escaparam em grande parte do vírus na primavera [a primavera nos EUA é entre março e maio]*, e alguns países ao redor do mundo estão lutando contra novos surtos. As pessoas também estão se perguntando e se preocupando com seus animais de estimação.

Os cientistas também. Ainda não está claro, por exemplo, com que frequência cães e gatos são infectados com o vírus, quais são seus sintomas e qual a probabilidade de transmiti-lo a outros animais, incluindo nós. Mesmo assim, os veterinários são rigorosos com o caso e um punhado de estudos está começando a fornecer algumas respostas. Os especialistas têm alguns conselhos concretos com base no que sabemos até agora.

Somos um risco muito maior para nossos animais de estimação do que eles para nós.

Agências de saúde federais dos EUA e especialistas veterinários afirmam, desde o início da pandemia, que é improvável que os animais de estimação representem um risco significativo para as pessoas. Evidências concretas de estudos controlados para esta afirmação estavam faltando – e ainda estão – mas tudo o que os cientistas viram até agora sugere que cães e gatos são altamente improváveis ​​de transmitirem SARS-CoV-2 para humanos. “O risco de ir ao supermercado é muito maior do que passear com seu próprio animal”, diz Scott Weese, veterinário do Ontario Veterinary College da University de Guelph (Canadá), especialista em doenças infecciosas emergentes e que analisou quase todos os estudos sobre a relação COVID -19 e animais de estimação em seu blog.

Na verdade, os animais de estimação são muito mais propensos a pegar o vírus de humanos do que o contrário. “Quase todos os animais de estimação com teste positivo estiveram em contato com humanos infectados”, diz Jane Sykes, veterinária-chefe da Universidade de California, Davis, e fundadora da International Society for Companion Animal Infectious Diseases [em português: Sociedade Internacional para Doenças Infecciosas de Animais Domésticos], que está fornecendo informações da COVID-19 para proprietários de animais de estimação e veterinários. Um estudo genético das sequências virais nos primeiros dois cães com COVID-19 indica que eles o contraíram de seus donos. Até tigres e leões infectados no zoológico do Bronx, em Nova York, EUA, em abril, parecem ter contraído o vírus de humanos.

Mas alguns pesquisadores alertam que esse achado pode em parte ser devido aos testes limitados: a maioria dos animais de estimação avaliados fizeram os testes porque viviam com humanos que já tinham testado positivo. “É meio que um jogo sujo”, diz Shelley Rankin, microbiologista da Escola de Medicina Veterinária da Universidade da Pensilvânia, EUA, cujo laboratório faz parte da Rede de Investigação e Resposta de Laboratórios Veterinários da Food and Drug Administration [agência estadunidense responsável pela proteção e promoção da saúde pública através do controle e supervisão de alimentos, equipamentos médicos, cosméticos e drogas].

Ainda assim, a maioria dos pesquisadores acha que animais de estimação representam pouco risco para as pessoas – e também para outros animais de estimação. Alguns estudos mostraram que os gatos podem transmitir o SARS-CoV-2 a outros gatos, mas todos os experimentos foram conduzidos em um ambiente de laboratório artificial. E, como muitos estudos sobre a COVID-19 em humanos, a maioria dos estudos são pré-publicações que ainda não estão m periódicos revisados ​​por pares. Além do mais, Sykes observa que houve vários relatos de famílias em que um animal testou positivo e outros não. “Tudo o que aprendemos até agora sugere que é improvável que os animais de estimação sejam uma fonte significativa de transmissão”, diz ela.

Os sintomas de COVID-19 em animais de estimação são provavelmente leves ou inexistentes.

Uma garota e seu cachorro usam máscaras em Ratisbona, Alemanha. Créditos: Isa Foltin / Getty Images.

Como os testes em animais de estimação ainda são raros, não está claro quantos cães e gatos foram infectados com SARS-CoV-2. Uma pré-publicação de uma pesquisa sorológica publicada no mês passado indicou que 3% a 4% dos gatos e cães na Itália foram expostos ao vírus no auge da pandemia lá – comparável à taxa entre as pessoas.

Mas mesmo que os números sejam realmente altos, não houve um aumento concomitante dos sintomas. A empresa Trupanion, com sede em Seattle, EUA, que oferece seguro saúde para mais de meio milhão de cães e gatos na América do Norte e Austrália, diz que não viu um aumento de problemas respiratórias – ou qualquer outro tipo de problema de saúde – desde o início da pandemia. “Nenhuma grande tendência está surgindo”, diz Mary Rothlisberger, vice-presidente de ciência de análise da empresa, mesmo quando ela olhava para os focos críticos da pandemia. Dois estudos recentes também mostraram que os gatos, pelo menos, não apresentam sintomas. “Minha intuição é que [a doença] é muito menor do que vemos nas pessoas”, diz Sykes.

Isso pode significar que os animais de estimação são transmissores silenciosos do vírus, como alguns cientistas sugeriram, mas até agora não há evidência direta disso.

Provavelmente não faz sentido testar seu animal de estimação.

Vários testes para animais de estimação estão disponíveis, mas eles não são amplamente usados ​​porque a prioridade tem sido os testes em humanos. Agências como o Departamento de Agricultura dos Estados Unidos alertaram contra os testes de rotina em cães e gatos.

Mesmo que o teste de seu animal seja positivo, Weese diz: “O que você vai fazer com os resultados?” Se seu cão ou gato tem COVID-19, provavelmente é porque você também tem, diz ele. “Isso não muda nada para o animal de estimação ou para a família”. E porque não existem medicamentos para a doença, ele diz: “Não prescreveríamos nada” para o animal.

As precauções de segurança para animais de estimação não mudaram.

Quando for levar seu cão a uma praça ou for fazer carinho em um gato ao ar livre, o conselho padrão ainda é válido: use uma máscara, lave as mãos e mantenha distância social. “Se você não estiver tomando precauções… você está colocando você e seu animal em risco”, diz Rankin. Mas, ela diz, “Se você é um dono responsável, então provavelmente é seguro dizer que o risco de seu animal [de uma infecção] é menor do que o seu”.

Weese concorda que as pessoas deveriam se preocupar mais com outros humanos do que com animais de estimação. “O risco em pessoas presentes em parques ou clínicas veterinárias é muito maior do que o risco em cães nesses locais”, diz ele.

Os cientistas ainda têm mais perguntas do que respostas.

Os pesquisadores estão apenas começando a entender como os animais domésticos colaboram com a pandemia. Os estudos com animais de estimação até agora “são todos parte de um quebra-cabeça que ainda estamos tentando montar”, diz Sykes.

E eles são preliminares. “Quase todas as pré-publicações que vi apresentam falhas de alguma forma”, diz Rankin, que avalia que há amostras de tamanhos pequenos, dados incompletos e falta de testes vigorosos. Isso não invalida necessariamente os resultados, mas ela e outros gostariam de ver estudos mais robustos.

Sykes e Weese, por exemplo, querem que mais pesquisas sejam feitas em casa. Isso poderia dar aos cientistas uma noção melhor da probabilidade de animais de estimação transmitirem o vírus a outros animais de estimação, por quanto tempo os animais de estimação permanecem contagiosos e quais – se houver – sinais clínicos de COVID-19.

Rankin faz parte de um projeto para fazer o que ela chama de “epidemiologia completa” de todo o histórico médico, incluindo qualquer caso de COVID-19, de 2.000 animais de estimação que foram atendidos em sua escola veterinária por vários motivos, ou apenas para exames de rotina. A esperança é que tal abordagem elimine alguns dos vieses de estudos anteriores – como aqueles que analisaram apenas animais de estimação em lares com pessoas com teste positivo para COVID-19 – e obtenha uma melhor noção dos verdadeiros fatores de risco para a doença.

Sykes e Weese estão envolvidos em empreendimentos semelhantes. Weese também espera investigar se os animais de estimação, especialmente os gatos selvagens ou de rua, representam um risco para a vida selvagem. “Se quisermos erradicar esse vírus”, diz ele, “precisamos saber onde ele pode estar”.

Outros pesquisadores estão explorando se as drogas que tratam outros coronavírus em gatos também poderiam combater a COVID-19 em animais de estimação e pessoas. “Responder a essas perguntas não é importante apenas para a saúde dos animais domésticos”, diz Sykes. “Também poderia nos ajudar”.

  • Nota do tradutor
Julio Batista

Julio Batista

Sou Julio Batista, de Praia Grande, São Paulo, nascido em Santos. Professor de História no Ensino Fundamental II. Auxiliar na tradução de artigos científicos para o português brasileiro e colaboro com a divulgação do site e da página no Facebook. Sou formado em História pela Universidade Católica de Santos e em roteiro especializado em Cinema, TV e WebTV e videoclipes pela TecnoPonta. Autodidata e livre pensador, amante das ciências, da filosofia e das artes.