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O trágico mistério do incidente do Passo Dyatlov tem uma nova explicação científica

Por Peter Dockrill
Publicado na ScienceAlert

Um dos mistérios mais duradouros e trágicos da história recente da Rússia pode finalmente ter uma solução, com cientistas apresentando uma explicação plausível para o que poderia ter levado à morte de nove montanhistas durante uma expedição fatídica em 1959.

Este evento infame – chamado de incidente do Passo Dyatlov – lançou dezenas de teorias da conspiração nas décadas desde que ocorreu, com entusiastas elaborando todos os tipos de tramas malucos para explicar o que aconteceu, incluindo ataques de yeti, alienígenas e experimentos com super-armas soviéticas.

Em uma adaptação para o cinema relativamente recente, mutantes teletransportados tornaram-se parte da história. É esse o tipo de mistério para muitos.

Para os cientistas, a tragédia é outra coisa, embora, de qualquer ponto de vista, os fatos sejam horríveis e estranhos. Como exatamente esses nove caminhantes e esquiadores experientes morreram repentinamente em uma noite no norte dos Montes Urais?

Depois que o grupo não conseguiu chegar a seu destino a tempo, uma equipe de resgate foi enviada para procurá-los, com os pesquisadores descobrindo primeiro sua barraca na encosta do Kholat Saykhl (um nome que significa ‘Montanha Morta’ na língua Mansi local).

A barraca foi rasgada por dentro, como se os montanhistas tivessem que correr para fugir de seu abrigo noturno, rumo a escuridão congelante.

“Aconteceu algo inesperado depois da meia-noite que fez com que os expedicionários cortassem a barraca repentinamente por dentro e fugissem em direção a uma floresta, a mais de 1 km de encosta, sem roupas adequadas, sob temperaturas extremamente baixas (abaixo de -25 ° C), e na presença de fortes ventos catabáticos induzidos pela passagem de uma frente fria ártica”, explicam os pesquisadores em um novo estudo conduzido pelo cientista mecânico da neve Johan Gaume da Escola Politécnica Federal de Lausanne (EPFL) na Suíça.

Os corpos foram descobertos em seguida, alguns dias, semanas e meses depois.

“Enquanto a hipotermia foi determinada como a principal causa de morte, quatro montanhistas tiveram lesões graves no tórax ou no crânio, dois foram encontrados sem olhos e um sem língua; alguns estavam quase nus e descalços”, resumiram Gaume e o coautor Alexander Puzrin do Instituto Federal de Tecnologia de Zurique (ETH de Zurique).

A tenda descoberta. (Créditos: Domínio Público/Wikimedia Commons)

Em meio às conjecturas mais claras que surgiram sobre o que aconteceu, as explicações mais fundamentadas sugeriram que uma avalanche na encosta foi o principal fator nas mortes – forçando os montanhistas adormecidos e despreparados a repentinamente rasgar seu caminho para fora da tenda e fugir, antes sucumbindo ao frio ou aos ferimentos no escuro.

No entanto, as estranhas circunstâncias do evento levaram muitos a rejeitar a mais óbvia das causas: o declive relativamente pouco profundo da montanha, a falta de evidências de uma avalanche que ocorreu e alguns dos ferimentos sendo diferentes dos tipos de ferimentos normalmente vistos em avalanches.

Devido a esse tipo de incerteza, a investigação soviética original simplesmente concluiu que uma “força natural convincente” havia causado as mortes. Décadas depois, uma nova investigação russa divulgou sua reavaliação da tragédia, dizendo no ano passado que uma avalanche continuava sendo a causa mais provável.

Agora, uma investigação independente por Gaume e Puzrin chegou à mesma descoberta, mas com novas evidências científicas para apoiar como uma avalanche pode ter ocorrido.

A modelagem da equipe sugere que a pouco profundidade do Kholat Saykhl não teria impedido uma avalanche de ser desencadeada várias horas depois que os montanhistas cortaram a neve para fazer uma proteção natural contra o vento.

“Se eles não tivessem feito um corte na encosta, nada disso teria acontecido”, disse Puzrin.

“Esse foi o desencadeamento inicial, mas só isso não teria sido suficiente. O vento catabático provavelmente espalhou a neve e permitiu que uma carga extra se acumulasse lentamente. Em um determinado ponto, uma rachadura poderia ter se formado e propagado, resultando na soltura das placas de neve.”

A reconstrução dos pesquisadores da avalanche de placas. Tradução da imagem: placa de vento (wind slab), placa (slab), fluxo Q (flux Q), camada fraca (weak layer), base, superfície do solo (ground surface) e declive (shoulder). (Créditos: Gaume/Puzrin)

Outras simulações conduzidas pela equipe analisaram o que uma placa de neve deitaria os humanos em cima de seus esquis. A força do impacto contra os montanhistas, prensados entre uma avalanche por cima e os esquis duros por baixo, pode ter causado alguns dos ferimentos graves vistos.

Claro, ainda existem várias perguntas sem resposta sobre o incidente do Passo Dyatlov que este estudo não aborda.

E talvez ninguém espera que esse trágico mistério – que agora faz parte do folclore russo, seis décadas depois – perca o poder e a intriga de suas interpretações e mitos mais fantasiosos.

No entanto, a ciência da teoria da avalanche é sólida, dizem os pesquisadores, e agora temos a modelagem para mostrar o que talvez possa ter sido essa “força natural convincente”.

“A verdade, claro, é que ninguém sabe realmente o que aconteceu naquela noite”, disse Puzrin. “Mas fornecemos fortes evidências quantitativas de que a teoria da avalanche é plausível.”

Os resultados são relatados na Communications Earth & Environment.

Julio Batista

Julio Batista

Sou Julio Batista, de Praia Grande, São Paulo, nascido em Santos. Professor de História no Ensino Fundamental II. Auxiliar na tradução de artigos científicos para o português brasileiro e colaboro com a divulgação do site e da página no Facebook. Sou formado em História pela Universidade Católica de Santos e em roteiro especializado em Cinema, TV e WebTV e videoclipes pela TecnoPonta. Autodidata e livre pensador, amante das ciências, da filosofia e das artes.