Por Francisco R. Villatoro
Publicado no La Ciencia De La Mula Francis
A ciência de fronteira é uma luta selvagem contra o viés da confirmação. O grupo de Greaves observou fosfina em Vênus em 2017 com o James Clerk Maxwell Telescope (JCMT). Para publicá-lo na revista Nature Astronomy, confirmou-se a observação com o ALMA em 2019, ajustando os dados com um polinômio de grau 12, atingindo ∼15 sigmas. Uma reanálise independente com o mesmo software de dados do ALMA a 267 GHz acaba de ser publicada no arXiv; o sinal de fosfina (PH₃) atinge apenas ∼2 sigmas. Portanto, a fosfina não foi observada na atmosfera de Vênus. Além disso, o uso de um polinômio de grau 12 produz falsas linhas de absorção com mais de 10 sigmas em outras regiões do espectro. Um duro golpe para a observação do grupo Greaves e da fosfina como biomarcador.
Já havia muitas dúvidas, especialmente porque apenas uma única linha espectral de absorção de fosfina (com comprimento de onda de 1.123 mm) havia sido observada no rádio; embora tenha sido “confirmada” com dois instrumentos, o JCMT no Havaí, em junho de 2017, e o ALMA no Atacama, Chile, em março de 2019. Além disso, o grupo Greaves não conseguiu observar a fosfina em Vênus no infravermelho, usando o telescópio infravermelho de 3 metros da NASA no Observatório Mauna Kea (Havaí, EUA), conforme publicado na Astronomy & Astrophysics. Ou há tão pouca fosfina que é indetectável no infravermelho, ou sua concentração é altamente variável, ou sua observação no rádio é produto de um viés de confirmação.
O novo artigo foi submetido à Astronomy & Astrophysics, embora ainda não tenha sido aprovado na revisão por pares. Apesar disso, não tenho dúvidas de que será aceito para publicação. Recomendo que você leia o pré-print de I.A.G. Snellen, et al., “Reanálise das observações do ALMA em 267 GHz de Vênus: Nenhuma detecção estatisticamente significativa de fosfina”, publicado no arXiv. Também cito o artigo de T. Encrenaz, et al., “Um limite superior estrito da abundância de PH3 no topo da nuvem de Vênus”, publicado na Astronomy & Astrophysics.
Se você é um sonhador e sonha com exovida em Vênus, pode gostar de ler a detecção duvidosa de glicina por Arijit Manna, et al., “Detecção do aminoácido glicina mais simples na atmosfera de Vênus”, no arXiv, ou mesmo a detecção pioneira de fosfina da Pioneer por Rakesh Mogul, et al., “A fosfina está no espectro de massa das nuvens de Vênus?”, publicado no arXiv. Embora não se esqueça em seus sonhos de considerar o vulcanismo como uma fonte abiótica de fosfina, Ngoc Truong, et al., “Perspectivas de hipóteses: os vulcanismos ainda ativos poderiam contribuir para a presença de fosfina na atmosfera de Vênus?”, publicado no arXiv.
Muitas pessoas consideram a fosfina em Vênus a desculpa perfeita para enviar sondas espaciais para estudá-la in situ. No entanto, existem tantas dúvidas sobre o sinal observado no rádio e não observado no infravermelho, que duvido que possa ser usado como uma boa desculpa. A observação de uma concentração de 20 ppb (partes por bilhão) de fosfina é muito alta. O fato de não ter sido observada no infravermelho e nem mesmo na reanálise independente de dados do ALMA sugere que o sinal é fictício, um artefato da análise original. Isso acontece muitas vezes quando uma primeira análise obtém um grande número de sigmas de confiança estatística, nesse caso de ∼15 sigmas. Normalmente, um resultado tão claro é resultado de erros sistemáticos.
O ponto mais duvidoso da análise é o ajuste com um polinômio de grau doze. Greaves e seu grupo alertaram os autores do novo trabalho que o software de processamento de dados do ALMA havia sido atualizado, então sua replicação poderia levar a um resultado diferente. Apesar disso, a diferença não é pequena, mas, sim, “infinita”, uma vez que ∼2 sigmas são indicações muito fracas e ∼15 sigmas são evidências ultrafortes. Sendo uma reanálise dos mesmos dados com um algoritmo muito semelhante, ninguém esperaria tal diferença. Um sinal de ∼2 sigmas é esperado para o ruído do sinal no espectro do ALMA, pois é altamente não gaussiano (lembre-se de que os sigmas são calculados assumindo o ruído gaussiano).
Na minha opinião, a constatação do próprio grupo de Greaves não observar fosfina no infravermelho na atmosfera de Vênus revela um alarme falso sendo publicado na Nature Astronomy. Não acho que a fosfina em Vênus seja como o metano em Marte. Acredito que o polêmico sinal terá vida curta e em alguns anos saberemos com certeza que foi um alarme falso. Mas, como sempre, prefiro sonhar com vida aerobiológica nas nuvens de Vênus. Pelo menos, os sonhos não podem ser refutados com os novos dados.