Publicado por John Horgan na Scientific American
Traduzido por Jessica Nunes
Revisado por Douglas Rodrigues
Nesse momento, seu cérebro está decodificando esses símbolos com a ajuda do teorema de Bayes, uma fórmula elaborada por um clérigo britânico há mais de 250 anos. Ou pelo menos é isso que alguns cientistas suspeitam.
Minha última publicação, “Bayes’ Theorem: What’s the Big Deal?“, Ressalta o poder e as limitações do teorema. Inventado pelo ministro presbiteriano Thomas Bayes para ajudar no cálculo de probabilidades de jogos de azar, o teorema fornece uma maneira de atualizar a plausibilidade de hipóteses com base em novas informações.
A fórmula gerou uma enorme variedade de aplicações, especialmente na inteligência artificial. Inspirados por esses sucessos, alguns cientistas conjecturam que nossos cérebros empregam algoritmos Bayesianos. Se eles podem ajudar um computador a perceber, reconhecer, argumentar e decidir, talvez ajudem nossos cérebros a realizar essas tarefas; os cérebros são, afinal, apenas computadores estranhos e úmidos.
Dado que muitos cérebros, o meu inclusive, têm dificuldade em entender o teorema de Bayes, a tese do cérebro Bayesiano pode parecer surpreendente e, de fato, provocou um alvoroço. Buscando conhecimento sobre o debate, no mês passado, meu cérebro e eu assistimos a uma reunião de dois dias na Universidade de Nova York: “O Cérebro é Bayesiano?“
O encontro foi organizado pelos filósofos Ned Block e David Chalmers, do Centro de Mente, Cérebro e Consciência da NYU. O Centro esteve ocupado. Em novembro, patrocinou um workshop sobre teoria integrada da informação, que eu critiquei aqui. Enquanto os teóricos da informação integrada procuram explicar a consciência (o que a mente sente), os Bayesianos se concentram na cognição (o que a mente faz). O anúncio da NYU que golpeou Bayes declarou:
As teorias Bayesianas atraíram uma enorme atenção nas ciências cognitivas nos últimos anos. De acordo com essas teorias, a mente atribui probabilidades a hipóteses e atualiza-as de acordo com as regras probabilísticas padrão de inferência. As teorias Bayesianas foram aplicadas ao estudo da percepção, aprendizagem, memória, raciocínio, linguagem, tomada de decisão e muitos outros domínios. As abordagens Bayesianas também se tornaram cada vez mais populares na neurociência, e vários mecanismos neurobiológicos potenciais foram propostos. Ao mesmo tempo, as teorias Bayesianas levantam muitas questões fundamentais, cujas respostas têm sido controversas: o cérebro realmente usa regras Bayesianas? Ou são apenas descrições aproximadas de comportamento? Quão bem as teorias Bayesianas podem acomodar a irracionalidade na cognição? Eles exigem uma visão implausivelmente uniforme da mente? As teorias Bayesianas são quase triviais devido aos seus muitos graus de liberdade? Quais são as suas implicações para a relação entre percepção, cognição, racionalidade e consciência?
Boas perguntas, que a conferência propôs e respondeu. Nesta publicação, resumirei as posições dos dois primeiros oradores na reunião, que deram fantásticas visões gerais dos prós e contras, respectivamente, da hipótese do cérebro Bayesiano. Eu declararei um vencedor.
Prós do Cérebro Bayesiano
Joshua Tenenbaum, do programa de ciência cognitiva e cerebral do MIT, tenta fazer “engenharia reversa” das mentes humanas e replica seus resultados em computadores. Como ele explica em seu site (com artigos sobre o cérebro Bayesiano e tópicos relacionados), “trazer os algoritmos de aprendizagem para máquinas com capacidade de aprendizagem humana deve nos levar a sistemas de IA mais poderosos, além de paradigmas teóricos mais poderosos para a compreensão da cognição humana”.
Na reunião da NYU, Tenenbaum nos lembrou o quão inteligente somos até mesmo enquanto bebês. Se vemos uma torre de blocos, sabemos instantaneamente se está estável ou suscetível de desmoronar. Nós reconhecemos rapidamente rostos e adivinhamos com base em expressões faciais o que as pessoas estão sentindo. A cada momento, rapidamente passamos de fatos particulares para generalizações que podem nos ajudar a entender novos fatos e situações.
Os programas Bayesianos podem dominar estes e inúmeros outros feitos cognitivos melhor do que outras abordagens de inteligência artificial, afirmou Tenenbaum. Os programas Bayesianos são especialmente eficazes na replicação de “como conseguimos tanto com tão pouco” – ou seja, como extraímos conhecimento, mesmo de dados escassos e ambíguos.
Pouco depois da reunião da NYU, o The New York Times saudou a pesquisa de Tenenbaum e dois colegas de trabalho como um programa Bayesiano que “rivaliza com habilidades humanas”. O programa reconhece caracteres manuscritos de muitos alfabetos diferentes, incluindo o grego e o sânscrito. Também gera novos caracteres que podem passar por um “teste de Turing visual”. Os juízes humanos tiveram dificuldade em distinguir entre caracteres desenhados pelos humanos e pelo programa Bayesiano.
Tenenbaum e seus coautores afirmam na Science que seu modelo “capta” a nossa capacidade de “ação”, “imaginação”, “explicação” e “generalização criativa”. O programa supera as abordagens não-Bayesianas, incluindo o “aprendizado profundo”, método, que geralmente adquire conhecimento somente depois de peneirar grandes conjuntos de dados. (Para detalhes sobre a pesquisa, veja este comunicado de imprensa.)
Em uma entrevista com o repórter John Markoff da Times, Tenenbaum enfatiza a relevância da pesquisa para a cognição humana: “Com todo o progresso da aprendizagem das máquinas, é incrível o que você pode fazer com muitos dados e computadores mais rápidos… Mas quando você olha para as crianças, é incrível o que elas podem aprender com dados muito pequenos. Alguns vem do conhecimento prévio e alguns são incorporados ao nosso cérebro”.
Contras do Cérebro Bayesiano
Exaltando programas Bayesianos na NYU, Tenenbaum soou como um pai orgulhoso. Ele deixou o púpito apenas após repetidos lembretes de Chalmers, seu anfitrião, de que ele havia ultrapassado seu limite de tempo. Tenenbaum moderou seu entusiasmo. Ao insistir na superioridade do paradigma Bayesiano para a modelagem da cognição, ele admitiu que ele provavelmente é “insuficiente” e precisará ser complementado com outras abordagens.
Mas os modelos Bayesianos podem ser desnecessários e insuficientes, de acordo com Jeffrey Bowers, que seguiu Tenenbaum. Ao contrário de Tenenbaum, que brilhava de empolgação, Bowers parecia chateado durante a conversa, como se odiasse dar as más notícias.
Na minha publicação anterior, eu disse que o teorema de Bayes me lembra a teoria da evolução, uma vez que ambos produzem sensações e ideias profundas. Bowers, um psicólogo da Universidade de Bristol, fez a mesma analogia.
Sua apresentação retomou seu artigo co-escrito de 2012 “Bayesian just-so stories in psychology and neuroscience“, que evoca uma famosa queixa do biólogo Stephen Jay Gould sobre o estilo frágil e ad hoc de alguns relatos evolutivos de traços biológicos. Gould comparou essas explicações com o “just-so stories”, histórias fantásticas sobre como o leopardo conseguiu suas manchas e o camelo sua corcunda.
Da mesma forma, argumentou Bowers, os modelos Bayesianos podem replicar praticamente qualquer tarefa cognitiva, considerando ajustes de suposições e insumos anteriores. Eles são tão flexíveis que são imunes à serem falseados, bem como as explicações que a psicologia evolutiva oferece para traços humanos.
Sendo assim, observou Bowers, a comparação das teorias Bayesianas e Darwinianas é injusta para esta última. Com todas as suas falhas, a psicologia evolutiva fornece um relato plausível de nossa irracionalidade. Isso decorre talvez de conflitos entre nossos desejos conscientes e a compulsão de nossos genes egoístas para se reproduzir, ou de desajustes entre ambientes modernos e aqueles em que o Homo sapiens emergiu.
Uma perspectiva Darwiniana, segundo Bowers, também contradiz a afirmação Bayesiana de que o cérebro emprega métodos altamente eficientes, até “ótimos”, para a realização de tarefas cognitivas. A seleção natural, que molda nosso cérebro junto de recursos biológicos pré-existentes, projetou-o para ser “bom o suficiente” em vez de otimizado.
Outros modelos de processamento de informações, como redes neurais, podem replicar os resultados dos modelos Bayesianos, acrescentou Bowers. E a neurociência, ao contrário das reivindicações de Bayesianos, proporcionou pouco ou nenhum apoio para a ideia de que os neurônios realizam processamento de informação de estilo Bayesiano.
Bowers concluiu com um espetada irônica final. Uma análise Bayesiana da hipótese do cérebro Bayesiano, sugeriu ele, revela quão fraca é a hipótese e o quão suscetíveis os Bayesianos são ao viés de confirmação.
Como mencionei na minha publicação anterior, o teorema de Bayes implica que sua hipótese não pode ser considerada credível até você ter escrupulosamente considerado todas as explicações alternativas para sua evidência. Os entusiastas do cérebro Bayesiano muitas vezes não conseguem atender este preceito, disse Bowers aos ouvintes da NYU.
O que Poe pensaria?
Então, quem ganha o debate do Cérebro Bayesiano? Odeio ser tão previsível, mas concordo com Bowers, o cético. Minha cobertura da pesquisa do cérebro e da mente nas últimas décadas me deixou com forte preconceito contra pretensas descobertas. (Consulte Leitura adicional)
Além disso, a tese do cérebro Bayesiano pode ser reduzida a um silogismo duvidoso: nossos cérebros se destacam em certas tarefas. Os programas Bayesianos se destacam em tarefas semelhantes. Portanto, nossos cérebros empregam programas Bayesianos.
Existem limites óbvios para essa lógica. Os falcões peregrinos se destacam ao voar, mas os jatos F15 também. Ninguém afirma que os falcões peregrinos devem, portanto, usar propulsão a jato, porque qualquer idiota pode ver que a mecânica do voo dos falcões e a propulsão a jato são completamente diferentes. Se a analogia entre nossos cérebros e máquinas Bayesianas não é auto-evidentemente tola, é porque a mecânica de nossa cognição permanece em grande parte escondida de nós.
Eu terminei meu post anterior com um aviso sobre os perigos da inferência de estilo Bayes em Edgar Allen Poe, que eu reli a pouco tempo. Pesquisando para essa publicação, tropecei com outro Poe-ismo.
Este aborda uma suposição chave do cérebro Bayesiano, que somos bastante racionais em nossa escolha e busca de objetivos. Poe reclama que os teóricos da mente muitas vezes baseiam suas conjecturas não no que mentes fazem, mas no que devem fazer. Substitua a “seleção natural” por “Deus”, e o discurso de Poe teria feito uma boa contribuição para a conferência da NYU:
O intelectual ou homem lógico, ainda mais que o homem compreensivo ou observador, se põe a imaginar projetos, a ditar objetivos a Deus. Tendo assim sondado, a seu bel-prazer, as intenções de Jeová, edifica, de acordo com essas intenções, seus inumeráveis sistemas de pensamento… Teria sido mais acertado, teria sido mais seguro, classificar (se podemos classificar) sobre a base daquilo que o homem, usual ou ocasionalmente, fez e estava sempre ocasionalmente fazendo do que sobre a base daquilo que supomos que a Divindade tencionava que ele fizesse.
Os fãs de Poe, sem dúvida, reconhecerão esta passagem de “O Demônio da Perversidade“, que dramatiza o quão irracional nossas mentes podem ser. Se um demônio tenta você a pular no vagão do cérebro Bayesiano, (re)leia o conto perturbador de Poe.